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Perspectiva Discursiva da Escrita

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 66-73)

Finalizada a abordagem de estudos linguísticos e descritivos fundadores e atuais calcados na comparação de línguas, preparamos terreno para a discussão da perspectiva de escrita à luz dos estudos desenvolvidos por Manoel Corrêa. Defendemos a relevância de tal base teórica para nosso trabalho por acreditarmos que conceitos relativos à heterogeneidade constitutiva da escrita, à intergenericidade e à noção de “ruínas” mostram-se bastante pertinentes para as análises das materialidades linguístico-discursivas que, conforme veremos a partir de agora em tal referencial teórico, comportam certos elementos que podem indiciar a presença do oral/falado no letrado/escrito sinalizando a relação sujeito/linguagem, bem como sua circulação dialógica. Assim, consideramos ser profícuo transpormos tais conceitos, também, para a relação que o sujeito estabelece com a LE a que está exposto, à qual leva “ruínas” de sua LM. Para promovermos uma reflexão acerca de tais ruínas e/ou marcas, prossigamos agora à perspectiva da escrita ancorada nos estudos realizados por dito teórico.

Manoel Corrêa, em seu livro “O modo heterogêneo de constituição da escrita” (2004), que é resultado da sua tese de doutorado, com título homônimo, se propõe a investigar acerca das características que evidenciam aquilo que o autor denomina de “heterogeneidade da escrita”. Para tanto, Corrêa (cf. 1997, 2004) leva em consideração o imaginário da escrita que circula pela sociedade, enfocando assim a atuação da imagem que o escrevente faz da escrita na construção do texto. A composição/organização desse modo heterogêneo da constituição da escrita ancora-se na ideia de que há textos produzidos em situação de interposição entre as

dimensões provenientes da escrita e da oralidade e que essa heterogeneidade é articulada por princípios dialógicos da linguagem. Assim a caracterização de tal heterogeneidade é realizada a partir de uma discussão, que guarda dois pontos de vista fundamentais sobre a escrita: o da visão autonomista, no sentido de que contempla uma dicotomia radical entre o falado e o escrito e o da visão que relativiza tal autonomia, sugerindo assim um contínuo entre esses pólos (Corrêa, 1997). No intuito de continuar tal caracterização, considera-se a criação de um espaço de observação que postula a circulação dialógica do escrevente por três eixos de representação da escrita: o da imagem que o escrevente faz da gênese da (sua) escrita, o da imagem que o escrevente faz do código institucionalizado e o da representação que o escrevente faz da escrita em sua dialogia com o já falado/escrito (Corrêa, 1997, p. VIII). Com relação ao funcionamento do modo heterogêneo de constituição da escrita, o autor argumenta que este

evidencia o caráter específico (ao mesmo tempo, geral e particular) da relação escrevente/linguagem, permitindo problematizar tanto a visão que considera esse modo heterogêneo como interferência do oral no escrito, como a visão que o considera apenas como produto da retomada de modelos de escrita institucionalizados (Corrêa, 1997, p. IX).

Com relação à concepção de imaginário que atua nas produções escritas examinadas por Corrêa, a saber: redações de vestibular em língua portuguesa, é esclarecido que o sentido com o qual se trabalha aproxima-se de “representação”, não sendo, portanto, sinônimo de algo fictício ou irreal (Corrêa, 2004). Nos termos do próprio autor:

“Imaginário (sobre a escrita)” corresponde, assim, à “representação social (da escrita)”, entendida esta última não só como as noções prefiguradas que, em certa medida, comandam as práticas sociais (e de escrita), mas também como o modo pelo qual essas práticas cunham, não menos concretamente, os seus produtos materiais e simbólicos. Por “imaginário sobre a escrita”, entendo, portanto, não só o produto das imagens socialmente construídas sobre ela (as representações sociais da escrita), mas também o processo de sua construção no interior das mais diversas práticas sociais (Corrêa, 2004, p. XIX).

Assim, são enfocadas as diferentes formas pelas quais os escreventes lidam com esse imaginário. Trata-se, pois, de identificar os imaginários, isto é, as representações que o escrevente faz de si mesmo, do interlocutor e da própria escrita. Tais representações inscrevem, no texto, outras particularidades, que dizem respeito à inserção sociolinguística do escrevente, tais como representações sobre o espaço e o tempo da interlocução, sobre a variedade e o registro a serem utilizados, sobre a modalidade, indicando, em síntese, uma representação do escrevente sobre a norma que é levado a reproduzir na escola (Corrêa, 2004, p. XXIV). Ressalta-se, desse modo, que a análise desse imaginário acerca da escrita relaciona- se diretamente à consideração do dialogismo na linguagem e à conjunção de aspectos do

modo oral e do modo escrito na elaboração textual, interpretados enquanto indícios, isto é, ruínas12 da relação sujeito/linguagem na escrita dos vestibulandos (op. cit.). Assim, ao invés de focalizar “erros”, o autor salienta que busca chamar a atenção para a heterogeneidade que, enquanto constitutiva da própria língua, “afeta também a noção de norma e, em particular, de norma escrita culta” (op. cit.).

Com o intuito de conceituar o modo heterogêneo de constituição da escrita, é assumido que os fatos linguísticos do falado/escrito (isto é, da relação fala vs. escrita) são práticas sociais e estão ligados às práticas orais/letradas. Assim, no que concerne à relação oral/escrito, entre adotar uma postura que englobe a dicotomia radical entre as práticas do oral/falado e do letrado/escrito ou aceitá-las apenas como recurso metodológico, o linguísta diz defender, buscando assim definir, essa heterogeneidade como constitutiva da escrita e, em razão disso, prefere guiar-se por algum fundamento da segunda posição, no intuito de definir essa heterogeneidade.

Dessa maneira, rejeitando um enfoque que encara a escrita enquanto autônoma, Corrêa distancia-se de uma concepção teórica que promove a dicotomia entre o escrito (sustentando a autonomia do texto) e o falado (em relação ao enunciado). Em lugar disso, somos encaminhados para a perspectiva que defende a utilização metodológica da dicotomia para propor, não a compartimentalização de gêneros em um continuum, mas a heterogeneidade constitutiva da escrita (cf. Corrêa, 2004, p.4). Para caracterizar essa heterogeneidade que mescla escrita e oralidade, alude-se aos “seus materiais significantes, como o gesto articulatório e o gesto traduzido graficamente em ritmo da escrita” (idem, p.4). Isso se explica pelo fato de os escreventes construírem dimensões conversacionais e argumentativas, assim como elementos da situação imediata da enunciação, através de gestos que supõem “plasmados nas projeções espaciais, linguisticamente marcadas em seus textos” (id. ibid.). Dessa forma, a prática do escrevente é entendida como uma tentativa de plasmar o oral no escrito, “fato que inclui a tentativa de tradução fiel também de fatores pragmáticos envolvidos

12 O autor entende por “ruínas de gêneros discursivos” ou simplesmente “ruínas” os vestígios que aparecem nos textos, identificados tradicionalmente enquanto “erros”, em sentido normativo, que aludem a enunciados genéricos tomados como réplicas. Dessa forma, desprovidas de um sentido negativo que as contemple meramente como gêneros discursivos em estado de destruição, as ruínas constituem “partes mais ou menos informes de gêneros discursivos, que, quando presentes em outros gêneros, ganham o estatuto de fontes históricas – retrospectivas ou prospectivas – da constituição de uma fala ou de uma escrita. Quando consideradas como fragmentos de enunciados genéricos elas podem ser vistas, também, como resultados de uma regeneração, pensada esta última como o processo pelo qual os sinais de um conjunto de saberes (as ruínas de uma civilização!) podem assumir o papel de elementos fundadores de novos saberes. Estes adviriam do fato de que novas atividades humanas (Bakhtin) não cessam de pôr, lado a lado, diferentes representações de tempo/espaços em novas composições genéricas. Um dos efeitos do reconhecimento da existência inequívoca dessas ruínas é o de possibilitar novas perspectivas de leitura” (CORRÊA, 2006, p. 209).

no ato de enunciação” (Corrêa, 1997, p. 20). Considerando ainda a proposta sobre o ritmo como um traço fundamental na escrita, fala-se em “gesto rítmico” congelado em signos gráficos. Assim, de acordo com essa formulação, consideram-se três materiais significantes que atuam na escrita: o gesto, o material fônico-acústico (ritmo) e o material gráfico (Corrêa, 2004, p.7). Tecidas tais definições, é conceituado o modo heterogêneo de constituição da escrita “como o encontro entre as práticas sociais do oral/falado e do letrado/escrito, considerada a dialogia com o já falado/escrito e ouvido/lido” (idem, p.9). É enfatizado, dessa maneira, o conceito da circulação dialógica do escrevente (p.9), servindo-se de tal conceito bakhitiniano para abordar o princípio dialógico da linguagem. Assim, a circulação dialógica do escrevente e a imagem que este faz da escrita, enfocada enquanto parte de um imaginário socialmente partilhado, é um modo de recuperar a presença das práticas sociais na produção discursiva dos seus agentes.

A metodologia de Corrêa pauta-se por uma proposta que põe em evidência os rastros da individuação do sujeito. Dessa maneira, a consideração desses rastros da individuação do sujeito está associada tanto ao modo de apreensão dos fatos linguísticos (individuação dos rastros) como ao modo pelo qual é compreendido sujeito da linguagem (individuação do sujeito). Assim, apreender rastros de individuação do sujeito refere-se a capturar, em pistas linguísticas locais, um modo de constituição desse sujeito (cf. Corrêa, 2004, p.14). Esclarece- se, então, que tanto esse tipo de pista quanto o sujeito, compreendidos nessas noções, fazem referência à hipótese da circulação dialógica do escrevente e, em razão disso, só possuem individualidade em relação ao conceito de dialogia. O conceito de individuação é, pois, trabalhado pelo autor no tratamento do sujeito, bem como na abordagem das pistas linguísticas. Com relação ao conceito de sujeito com o qual se opera, é elucidado que não se entende sujeito nem enquanto indivíduo, nem enquanto sujeito assujeitado. No entanto, o pesquisador chama a atenção para que, se por um lado afasta-se totalmente da ideia de sujeito da linguagem como indivíduo, uma vez que não se trata de uma singularidade factual, circunscrita a si mesma, que enuncia, por outro lado, o estudioso reconhece um aspecto, o qual considera fundamental, da concepção de sujeito assujeitado (cf. Corrêa, 2004, p.16). Acerca desse aspecto explica o autor:

Trata-se da presença do outro [grifo nosso] como constitutiva do sujeito, neste estudo marcada pelas ideias de heterogeneidade e de representação, as quais, no sentido em que as utilizo, dão pistas da divisão enunciativa do sujeito e das formas discursivas que identificam o sujeito a grupos (ibidem).

O pesquisador alude ao conceito do “paradigma indiciário” (Ginzburg apud Corrêa, 2004, p.18) para apreender as marcas linguísticas da constituição histórica do texto. Corrêa

(2006, p. 212) defende a necessidade de um método que tenha mobilidade para se apropriar tanto do particular (a singularidade das pistas) como do geral (a especificidade do que é regular) em relação à representação que o escrevente faz da (sua) escrita. Assim, buscam-se determinar, pelo agrupamento de pistas linguísticas, propriedades que permitam caracterizar o tipo de representação do escrevente sobre (sua) escrita quanto à relação oral/falado e letrado/escrito e quanto à dialogia com o já falado/escrito. Também é definido o caráter de uma produção textual, enquanto uma prática particular de textualização, bem como a noção de sujeito-escrevente, afirmando a ideia de que é no processo de textualização que o sujeito- escrevente e o seu texto se constituem:

Desse modo, parece não haver lugar para uma oposição rígida entre exterior (convenções culturais) e interior (escrevente), uma vez que a mediação típica do diálogo, a exemplo do que acontece na aquisição da linguagem, interfere também na prática textual. Pode-se, pois, pensar uma prática particular de textualização (a chamada “produção textual”) como o trânsito entre interior/exterior. É esse trânsito que constitui o texto e o escrevente desde sua exterioridade, isto é, como participantes de processos de textualização socialmente vivenciados – escritos, lidos, falados, ouvidos. Nesse sentido, a noção de processo de textualização está ligada a uma concepção de linguagem que toma o discurso como produto do interdiscurso (CORRÊA, 2004, p.41).

Sintetizando algumas concepções tecidas por Manoel Corrêa, podemos nos debruçar sobre as considerações que o autor aponta acerca da concepção escolar de língua. Nessa noção, que identifica a língua escrita e, portanto, alude a uma concepção escolar de escrita, a escrita é tomada apenas enquanto domínio do código alfabético. Nesse sentido, a escrita é compreendida não somente como o instrumento (a tecnologia) primordial da instituição escolar e como principal oferta da escola, “mas, também, como razão primeira e, ao mesmo tempo(...), meio de o sujeito se introduzir no processo de educação formal” (Corrêa, 2006, p.206). Acrescenta-se ainda que, por causa disso, “sob o pretexto de ter algo imprescindível a ensinar, a escola expõe-se ao risco de reduzir a língua unicamente à enunciação escrita” (op. cit.). Em lugar disso, é defendida uma política linguísta, nas práticas pedagógicas cotidianas, que ponha realce não na identificação entre língua e escrita, mas sim nos “aspectos linguístico-discursivos registrados no texto escrito” (p.207), uma vez que estes elementos revelam-se ser um “modo de ter acesso aos saberes formais (escolarizados) e informais com os quais o escrevente teve contato” (ibid.).

Com relação à noção do “já-dito”, ressalta-se que não se trata apenas dos dizeres direta ou indiretamente “já-ditos”, no sentido de estarem localizados em um passado cronológico. No conceito apreendido de já-dito que abarca também o já-falado e o já-escrito, “cabe uma espécie de dizer que independe da linearidade do tempo cronológico, pois um dizer pode

ganhar o valor de força motivadora de réplica em função do procedimento de antecipação da parte de quem replica em uma enunciação falada ou escrita” (p.209).

Destacamos ainda as reflexões sublinhadas por Corrêa (2006) no que se refere à visão tradicional de “oralidade como interferência na escrita”. Nesse sentido, argumenta-se que “atitudes higienizadoras” (p.211) que objetivam “limpar o texto” das “interferências da oralidade na escrita” não levam em consideração “a complexidade enunciativa como parte do funcionamento da linguagem” (idem). Assim, não se reconhece a legitimidade desse caráter híbrido do texto, por meio da relação oral/escrito, sempre que se procura explicar, pois, a presença da oralidade como uma interferência na escrita. Desse modo, não aceitar o caráter híbrido do texto escrito corresponde a não reconhecer que tal texto escrito é atravessado por uma intergenericidade, ou seja, por gêneros orais e relações intergenéricas que estabelecem diálogos, mobilizando categorias que individualizam o escrevente, bem como o expõem à alteridade. Em face disso, advogar em favor de uma perspectiva da heterogeneidade da escrita implica considerar que

se, por um lado, o processo de fala/escrita se particulariza no escrevente, por outro, seus “equívocos” são repletos de respostas que denunciam a convivência de práticas sociais, as quais, por natureza histórica, se transformam, estabelecendo novas relações dialógicas. Eis um modo interessante de vincular a criatividade do falante/escrevente à particularidade de sua inserção histórica e de suas relações com o enunciado do outro (Corrêa, 2006, p. 219).

Sendo assim, intercede-se a favor da interpretação dos indícios nas produções escritas dos escreventes, no sentido de não apenas considerá-los como “erros”, mas sim enquanto ruínas que dão pistas do lugar em que se entrecruzam práticas sociais distintas, provenientes do oral/falado e do letrado/escrito, por meio de relações dialógicas, que congregam assim, relações que ao mesmo tempo em que particularizam o escrevente o colocam em contato com o enunciado do outro.

Em síntese, quando Corrêa estabelece a noção de heterogeneidade da escrita, o autor alude à relação entre dois modos de enunciação – o falado e o escrito – que se constituem mutuamente, não configurando apenas uma relação entre duas diferentes tecnologias, razão pela qual tais elementos de naturezas heterogêneas marcam presença tanto nos produtos da fala quanto nos da escrita (cf. Corrêa, 2007, p.269). Focalizando especificamente a produção escrita, afirma-se que no processo de enunciação pela escrita o escrevente circula por três eixos de constituição da escrita, a saber: o eixo da gênese da escrita, o do código escrito institucionalizado e o da relação com o já falado/escrito (cf. Corrêa [1997, 2004]). No estudo em questão, Corrêa, por meio de produções escritas dos vestibulandos, verificou que esses alunos, com no mínimo 11 anos de escolarização, deixavam em seus textos diferentes tipos de

marcas de heterogeneidade da escrita no que tange à elaboração de um texto dissertativo. No que concerne à detecção de tais marcas, é defendido que isso se dá através da articulação entre o paradigma indiciário e uma abordagem enunciativa do texto que considere as questões da alteridade na constituição da complexidade enunciativa. Dentre os modos de reconhecimento da heterogeneidade da escrita estudados por Corrêa (2007), destacamos o que diz respeito à circulação dialógica que o escrevente realiza ao produzir o texto escrito, na qual entra em cena seu imaginário, visto que o escrevente lida:

(a) com o que imagina ser a representação termo a termo da fala pela escrita;

(b) com o que imagina ser – devido às experiências com a escrita e com a própria visão escolar sobre a escrita – o código escrito institucionalizado;

(c) e, finalmente, com o que imagina ser a relação apropriada com a exterioridade que constitui o seu texto: outros textos, a língua, outros registros, outros enunciadores, o leitor (p. 271).

Diante da perspectiva de escrita exposta, guiada à luz dos estudos desenvolvidos por Manoel Corrêa (1997, 2004, 2006, 2007), trazemos uma fala de Celada (2007) na qual acreditamos conter alguma voz de diálogo relativa à perspectiva teórica de estudioso em questão. Assim, no que se refere a detectar os emaranhados de marcas heterogêneas dos aprendizes (no caso, aprendizes brasileiros de ELE) enquanto perpassados pela língua da escola, pela escrita da escola e pela oralidade, a autora dialoga com o referido autor, já que tais noções são profundamente enfatizadas em sua pesquisas. Nas palavras da própria pesquisadora:

Sabendo que a maioria das marcas que compõem o emaranhado, mesmo provocando uma injunção à interpretação, resiste à análise, devemos dizer que, em nossa pesquisa, o que abriu a possibilidade de traçar uma interpretação foi o fato de observar que a produção dos aprendizes brasileiros de espanhol mostrava em espelho fragmentos das “várias línguas” que os habitam na relação travada com a ordem do simbólico. Para sermos mais precisos, mostrava em espelho a “língua da escola”, da “escrita da escola”, da “oralidade”, a língua submetida a um discurso gramatical(...) (Celada, 2007, p. 361).

Salientamos ainda uma reflexão proporcionada por Marisa Grigoletto (2010) no que diz respeito ao entendimento do aluno em aulas de leitura de LE. A autora observou aulas em LE (a saber, inglês), chegando à conclusão de que a construção de significação em tais aulas está associada à tradução. Destacamos um fragmento da referida pesquisadora:

(...) concepção enfatizada é a de que a atividade de leitura em LE está associada à atividade de tradução; o entendimento estaria necessariamente ligado à tradução das partes ou do todo. De toda forma, a ênfase continua a recair sobre as palavras, em uma tarefa de tradução das palavras desconhecidas (...) (Grigoletto, 2010, p.105)

Segundo essa concepção, os alunos comportam-se como sujeitos passivos e recebedores do saber, este detido tão-somente pelo professor, numa postura de educação homogeneizante em que só é possível uma única maneira de abordar o texto, reforçando assim as desiguais relações já internalizadas pelos alunos de professor/ativo-alunos/passivos. Dessa forma, a visão dos alunos com relação à construção da significação em LE está reduzida à tradução, isto é, à simples decodificação, conversão de palavras, na medida em que se buscam aproximar os vocábulos de uma LE aos de sua LM, de forma tradicionalmente linear. Isso remete à postura defendida por Revuz (1998) acerca dos aprendizes que evitam toda distância em relação ao eu da LM e, desse modo, recusam todo contato direto com a LE. Sendo assim, tais aprendizes somente podem compreender um enunciado em LE se cada termo for traduzido em LM, criando uma visão de que o sentido deve ficar “escrupulosamente limitado às fronteiras das palavras da língua materna” (Revuz, 1998, p.224).

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 66-73)

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