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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PRISCILA DA SILVA MARINHO

DISCURSO E PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS: uma análise de produções escritas de licenciandos em Letras Português/Espanhol

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Priscila da Silva Marinho

DISCURSO E PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS: uma análise de produções escritas de licenciandos em Letras Português/Espanhol

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Estudos Linguísticos (Língua Espanhola), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Espanhol).

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

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FICHA CATALOGRÁFICA

Marinho, Priscila da Silva

M337d Discurso e processo de construção de sentidos: uma análise de produções escritas de licenciandos

em Letras Português/Espanhol / Priscila da Silva Marinho. -- Rio de Janeiro, 2016.

207 f.

Orientador: Antonio Francisco de Andrade Júnior.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, 2016.

1. Língua Materna . 2. Língua Estrangeira . 3. Formações Discursivas . 4. Heterogeneidade Constitutiva da Escrita . 5. Inscrição em

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa só se tornou possível graças à colaboração de muitas pessoas. Por isso manifesto a todas elas o meu muitíssimo obrigada!

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, ao Universo, e à minha família, parentes e amigos, por toda fortaleza que me passam a cada dia.

Agradeço a todos direta ou indiretamente envolvidos nessa investigação: professores das disciplinas cursadas que contribuíram para a realização desse projeto, por meio de seus profícuos ensinamentos e sugestões, bem como colegas, alunos da graduação e todos mais que me ajudaram de alguma maneira com seus imensos saberes, disponibilidade e paciência.

À CAPES, por financiar esse projeto acadêmico e, contribuir, assim, para a produção e circulação de conhecimento intelectual.

Ao professor Antonio Ferreira pela valiosa colaboração no que tange ao desenvolvimento do corpus.

Ao orientador, Professor Doutor Antonio Francisco de Andrade Júnior, por ter orientado, aprimorado e exigido, acreditando neste projeto sempre.

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RESUMO

MARINHO, Priscila da Silva. Discurso e processo de construção de sentidos: uma análise de produções escritas de licenciandos em Letras Português/Espanhol. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Estudos Linguísticos (Língua Espanhola), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

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diferenciações lexicais e, por outro, não produziram diferenças que aludem às assimetrias do sujeito e de objeto. Diante disso, a sensibilidade dos estudantes recaiu sobre as formas verbais e assim muitos produziram diferenças entre formas passivas e/ou utilizaram uma forma passiva e uma forma ativa. Isso também nos indica que o não reconhecimento das passivas de maneira metalinguística na parte da sensibilização para as diferenças não se configurou como um empecilho para que muitos estudantes as produzissem na parte relativa à produção das diferenças. Além disso, também foram analisadas as concepções discentes acerca dos gêneros discursivos. Tais discursos se revelaram desgenerizados, no sentido de apresentarem regularidades que aludem às formações discursivas do senso comum, configurando-se como tendências esvaziadas e abstratas que não consideram a especificidade de uma LE nem a materialização mediante um gênero em particular. Os resultados mostraram-se favoráveis à nossa primeira hipótese de que os sujeitos perpassados por uma relação de maior contato e de empatia/afetividade com o universo da LE estão mais sensibilizados para as diferenças entre as línguas e assim são capazes de produzi-las, ao passo que sujeitos mais afastados da LE, a concebem como se a diferença entre o português e o espanhol se desse apenas em nível lexical. Por outro lado, também foram observados estudantes que assumiram um (auto)discurso de proximidade, mas não se sensibilizaram, nem produziram as diferenças enfocadas, o que nos dá pistas de que neste caso tais sujeitos mobilizaram a esfera que diz respeito a afirmação de um eu em LE, entretanto, na esfera que se refere às regularidades linguístico-enunciativas ainda realizam movimentos de enfrentamento e resistência no que tange a esse processo de inscrição subjetiva.

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ABSTRACT

MARINHO, Priscila da Silva.Discourse and meanings construction process: an analysis of undergraduates’ written productions in Language Portuguese/Spanish. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Estudos Linguísticos (Língua Espanhola), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

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object. Thereby, the sensitivity of students lies on the verb forms: many students produced differences between passive forms and/or used a passive form and active form. This also tell us that the non-recognition of passive forms in a metalinguistic way was not an obstacle for many students producing them. In addition, it was also analyzed the students conceptions about discourse genres. These discourses revealed as “ungenred” ones in the sense of showing regularities that allude to the discursive formations of common sense by setting them up as empty and abstract tendencies which do not consider the specificity of a Foreign Language nor the materialization through a particular genre. The results of analysis were in favor of our first hypothesis that subjects who are traversed by a relationship of contact and empathy / afectivity to the universe of Foreign Language are more “sensibilized” to the differences between the languages and so are able to produce them, while subjects farther away from Foreign Language, conceive it as if the difference between Portuguese and Spanish was only in lexical level. On the other hand, it was also observed students who assumed a (self) discourse of proximity, but not were “sensibilized” nor produced the focused differences, which gives us clues that in this case these subjects mobilized the sphere regards the statement of a self in a Foreign Language, however, in the sphere with regard to linguistic and enunciative regularities these students still perform movements of confrontation and resistance with respect to this process of subjective inscription.

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RESUMEN

MARINHO, Priscila da Silva. Discurso y proceso de construcción de sentidos: un análisis de producciones escritas de licenciandos en Letras Portugués/Español. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Estudos Linguísticos (Língua Espanhola), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

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lado, no se fijó solamente en una diferenciación léxica y por otro no produjo diferencias que se refieren a las asimetrías del sujeto y el objeto. De esta manera, la sensibilidad de los estudiantes recayó sobre las formas verbales y así muchos produjeron diferencias entre las formas pasivas y/o utilizaron una forma pasiva y una forma activa. Esto también nos dice que el no reconocimiento de las pasivas de manera metalingüística no se presentó como un obstáculo y así muchos estudiantes las produjeron. Además, también se analizaron las concepciones de los estudiantes acerca de los géneros discursivos. Tales discursos se revelaron “desgenerizados”, en el sentido de presentar regularidades que hacen referencia a las formaciones discursivas del sentido común, al establecer tendencias vacías y abstractas que no consideran la especificidad de una lengua extranjera, ni la materialización a través de un género en particular. Los resultados del análisis de los corpora fueron favorables a nuestra primera hipótesis que nos dice que los sujetos marcados por una relación de mayor contacto y empatía/afectividad con el universo de la lengua extranjera están más sensibilizados para las diferencias entre las lenguas y así son capaces de producirlas, mientras que los sujetos más alejados de la lengua extranjera, la miran como si la diferencia entre el portugués y el español se produjera solamente en el nivel léxico. Por otro lado, también se observó a los estudiantes que tomaron un (auto) discurso de proximidad, pero no se sensibilizaron ni produjeron las diferencias enfocadas, lo que nos da pistas de que en este caso tales sujetos movilizaron la esfera que se refiere a la afirmación de un “yo” en lengua extranjera, sin embargo, en la esfera en la que se refiere a las regularidades linguísticas y enunciativas todavía realizan movimientos de afrontamiento y resistencia con respecto a este proceso de inscripción subjetiva.

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SUMÁRIO

01. Introdução……….…..…14

Objetivo Geral...18

Objetivos Específicos...18

A Pesquisa-Piloto...19

02. Fundamentação Teórica...22

2.1. Estudos Discursivos...22

2.2. Estudos Linguísticos e Descritivos...39

2.3. Perspectiva Discursiva da Escrita...66

2.4. Os Gêneros “Desgenerizados”...73

03. Metodologia...79

04. Análise de Dados...86

4.1. Análise dos Questionários...87

4.2. Análise de Produções Escritas da prova...103

4.2.1. Discursos “desgenerizados” sobre os gêneros...103

4.3. Análise da Atividade Comparativa...121

4.3.1. Sensibilização para as diferenças...122

Trecho 1.1...123

Trecho 1.2...129

Trecho 1.3...142

Trecho 1.4...151

Balanço geral de todos os trechos...160

4.3.2. Produção das diferenças...164

4.4. Cotejo de Dados...177

05. Considerações Finais...187

06. Referências...190

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1. INTRODUÇÃO

O embrião desta pesquisa surgiu a partir dos resultados de um trabalho realizado em situação de estágio obrigatório da disciplina de Prática de Ensino de Português/Espanhol (2011), integrante da grade curricular para a obtenção da licenciatura do curso de Letras Português/Espanhol, oferecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Naquela ocasião, foram observadas aulas de Espanhol/Língua Estrangeira (E/LE) em turmas de Ensino Médio de uma dada instituição da rede pública. A assistência às aulas fazia parte do estágio obrigatório e, ao final da atividade, foi aplicada uma questão de produção escrita na prova bimestral dos alunos, desenvolvida em situação de co-participação entre o professor regente das aulas e a estagiária. Como efeito da atividade escrita analisada, foram detectados certos imaginários por parte dos aprendizes brasileiros com relação à língua espanhola.

Dessa maneira, foi perguntado aos referidos alunos se eles haviam sentido dificuldades no momento de produzir um texto em espanhol que versava sobre um tema que estava sendo trabalhado em classe. A proposta era que, diante de uma imagem de uma família, os estudantes produzissem um texto utilizando os vocabulários estudados, tais como: membros da família, cores, roupas e aspectos físicos e de caráter. Em resposta à questão indagada, que foi realizada via enquete oral com alguns alunos após a prova, obtivemos respostas que refletem certos imaginários, que podem ser resumidos na seguinte sequência: “conhecendo o vocabulário da língua > posso ‘amarrar’ o texto > logo foi fácil”. Associado a esse pensamento, muitos relataram também que escreveram em sua língua materna (LM) e em seguida foram traduzindo os termos para a língua estrangeira (LE) solicitada. Tal imagem nos remete à sequência formulada por María Teresa Celada (2004) acerca de estereótipos fortemente cristalizados por aprendizes brasileiros no que concerne ao espanhol, quando a estudiosa enuncia: “espanhol – língua parecida – língua fácil” (op. cit., p.45).

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da LE aos de sua LM, de forma tradicionalmente linear. Em face desses imaginários, aludimos às reflexões tecidas por Christine Revuz (1998), quando sublinha que o processo de aprendizagem de uma LE suscita um distanciamento do eu construído na e pela LM. Dessa forma, a autora francesa ressalta que muitos aprendizes, evitando distância desse eu da primeira língua, recusam todo contato direto com a LE, restringindo a aquisição de tal língua a procedimentos lógicos podendo somente compreender um enunciado em LE se cada termo for traduzido em língua materna (cf. Revuz, 1998, p.225). A teórica francesa salienta, assim, que para esses aprendizes, tem-se a sensação de que “todo tatear” da intuição revela-se insuportável, e por isso, “o sentido deve ficar escrupulosamente limitado às fronteiras das palavras em língua materna” (Ibidem).

Nossa proposta, no tocante à presente pesquisa, é examinar como se dá a relação entre o discurso e o processo de construção de sentidos em E/LE, tendo como base aulas observadas em uma turma de ensino superior de uma universidade pública do Estado do Rio de Janeiro. Dessa maneira, focalizaremos discentes que se encontram no final da graduação do curso de licenciatura em Letras Português/Espanhol. Almejamos identificar os diferentes processos de inscrição dos sujeitos nas discursividades da língua-alvo (cf. Serrani, 1997a), que ocasionam distintas formas de produção escrita discente, às quais lançaremos um olhar que visibilize suas heterogeneidades constitutivas (cf. Corrêa, 1997, 2004), além de enfocarmos as relações mútuas estabelecidas entre elementos linguísticos tanto da LM quanto da LE. Com isso, colocamos em evidência o conceito de “formações discursivas”, desenvolvido originalmente por Michel Foucault (cf. 2014), contemplado aqui também pela perspectiva elaborada por Silvana Serrani (cf. 1997a, 1997b, 2010), em seus estudos sobre Análise do Discurso, enquanto “modos predominantes de construir sentidos discursivamente em cada língua” (Serrani, 2010, p. 109).

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Guiando-nos pelas Orientações Curriculares Para o Ensino Médio (OCEM) (cf. MEC, 2006) concordamos que a aprendizagem de uma LE possibilitará, em linhas gerais: I) aumento do conhecimento sobre linguagem que o aluno construiu sobre sua LM, por meio de comparações com a LE em vários níveis; e II) possibilidade de o aluno, ao se envolver nos processos de construção de significados nessa língua, constituir-se em um ser discursivo no uso de uma LE. Acreditamos que relacionar a produção discursiva com a interpretação de sentidos sociais (cf. Serrani, 2010) é um caminho para a conscientização da linguagem, na medida em que se entrelaçam a reflexão e a intervenção didática e social. Reflexões como essas enfatizam uma sensibilização sobre a discursividade. Simultaneamente, tais análises proporcionam um questionamento de professores e alunos acerca de seus próprios modos de enunciar e acerca de outros possíveis em situações equivalentes. Para isso, entendemos que a relação entre língua e discurso não só trará benefícios para o trabalho de leitura e produção de textos em sala de aula, mas também para que as disciplinas de LE cumpram com sua finalidade de expansão de capacidade discursiva, bem como ampliação de capacidade de linguagem sobre a própria LM e, desse modo, proporcionem uma educação linguística mais integral ao cidadão.

A proposta desta pesquisa é, portanto, analisar, à luz da Análise do Discurso, as ressonâncias discursivas que são evocadas no momento em que o aprendiz se inscreve nas discursividades de uma LE, observando o intercâmbio e a interação que se estabelecem entre elementos linguísticos e formações discursivas da LM e da LE por meio do exame de produções textuais. O objetivo é solicitar ao alunado que leia e redija acerca de um mesmo assunto tanto em PB quanto em E/LE. O intuito da escrita em LM é propiciar uma tomada de consciência sobre tendências enunciativas na própria expressão e uma interrogação sobre as transformações eventuais da enunciação ao produzir em LE. Pretende-se investigar de que maneira a discursividade vai se construindo, ao mesmo tempo em que entram em jogo as constituições subjetiva, ideológica e cultural que definem o aprendiz. Nesse sentido, recorremos a uma fala de Serrani, que, ao nosso ver, sintetiza as ideias apresentadas:

Assim, no atual contexto em que tanto se escutam declarações sobre a necessidade de desenvolver "competências" em outras línguas, é preciso que se leve seriamente em conta que línguas diferentes não são, obviamente, meros reservatórios de palavras diversas para as mesmas significações e, portanto, a análise da discursividade é profícua para desvendar os processos de sentido em jogo (Serrani, 1997b, p. 17).

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sedimentações interlinguísticas, como a manifestação da heterogeneidade de formações discursivas e ressonâncias enunciativas advindas da relação entre a LM e a LE.

Estudos comparados entre línguas próximas como o PB e o Espanhol têm demonstrado, por exemplo, que tais línguas apresentam comportamentos “inversamente assimétricos” (González 1994, 1998 e 2008; Sebold 2005; Araújo 2014; Fanjul 2014) no que diz respeito à realização de pronomes pessoais. Sendo assim, de acordo com o estudo de González (1994), com relação à ocorrência de pronomes pessoais em posições argumentais, o PB tende ao preenchimento da posição de sujeito e ao não preenchimento na posição do objeto. No que tange ao espanhol, verifica-se o oposto, ou seja, sujeitos nulos e objetos plenos. No recente artigo escrito por Pinheiro-Corrêa (2014) acerca de um estudo comparado entre as referidas línguas, observaram-se manchetes de notícias publicadas por jornais brasileiros e argentinos. Sendo assim, sua investigação também apontou este padrão assimétrico entre as línguas: as construções do português tendem a exibir sujeito e omitir objeto, enquanto que com as construções do espanhol se dá o contrário, isto é, omissão de sujeito e exibição de objeto.

Levando-se em consideração a interface entre LM e LE no contexto de aulas de Espanhol com alunos brasileiros de ensino superior, guiamo-nos pelas perguntas:

1) quais sujeitos produzem mais, ao escrever em E/LE, esses modos de enunciar diferentes, característicos da inversa assimetria entre tais línguas?

2) a partir disso, qual seria a proposta de sensibilização didática para o reconhecimento e a produção desses modos diferentes de enunciar?

As hipóteses que defendemos no intento de respondermos a tais perguntas são as seguintes:

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uma conversão de palavras, como se a diferença entre o português e o espanhol se desse apenas em nível lexical sem atentar para as diferenças enunciativas. Dessa maneira, esses sujeitos evitam distância em relação ao eu da LM, rejeitando todo contato direto com a LE.

2) Nossa proposta de intervenção didática, com vistas à promoção da sensibilização dos sujeitos para os modos diferentes de enunciar, será realizada por meio de uma atividade de análise comparativa de textos em um mesmo gênero discursivo, tanto em português quanto em espanhol. Assim, os alunos realizarão a leitura de notícias sobre um mesmo assunto em cada língua, após isso, será realizada uma comparação buscando os pontos de (des)encontro, isto é, o que aproxima e afasta ambos os textos, suas semelhanças e diferenças, por meio de pistas em nível intradiscursivo (focando léxico, ortografia, morfossintaxe e pragmática) e interdiscursivo (memória histórica e funcionamento sociocultural) (cf. Pêcheux, 1988), sensibilizando assim para os modos de enunciar diferentes. A partir dessa atividade, os alunos desenvolverão uma proposta de produção escrita. Eles produzirão, em português e espanhol, um comentário para cada texto lido, comportando-se como leitores de notícias que deixam suas opiniões em sites jornalísticos, por exemplo.

Dessa maneira, pretendemos desenvolver, a partir desta proposta, uma tentativa para promover a sensibilidade aos diferentes discursos, levando em consideração “a heterogeneidade social, linguística ou subjetiva, inerente a todo fenômeno verbal” (Serrani, 2010, p. 31), observando assim os “modos predominantes de construir sentidos discursivamente em cada língua” (op. cit., p.109).

Com relação aos objetivos que norteiam nossa pesquisa, apresentamos:

Objetivo Geral

Identificar, por meio da descrição, os diferentes processos de inscrição em discursividades da LE (Espanhol), por alunos de ensino superior, que geram distintas leituras e modos de interpretabilidade, observando os intercâmbios que se verificam entre elementos linguísticos e formações discursivas tanto da LM para a LE, quanto da LE para a LM, priorizando-se, como principal fonte de dados, produções escritas realizadas por esses estudantes.

Objetivos Específicos

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 Observar de que maneira se dá a influência do PB na produção escrita em E/LE e discutir aspectos referentes à proximidade entre as línguas;

 Debater o entendimento dos alunos acerca da LE a que estão expostos, levando em consideração a heterogeneidade discursiva de suas produções escritas, o processo de subjetivação e de interação que as atravessa, bem como a proposta da instituição de ensino na qual a pesquisa foi desenvolvida.

A Pesquisa-Piloto

Antes de nos orientarmos para a turma de discentes de ensino superior que formou a base do corpus desta pesquisa, foi acompanhada uma turma de ensino médio de uma dada instituição pública federal situada na cidade do Rio de Janeiro. As aulas observadas em tal ambiente escolar ocorreram entre Agosto a Novembro de 2014. Tratava-se de uma turma do 3º Ano do Ensino Médio em que foram assistidas as disciplinas de Espanhol, realizadas uma vez por semana com duração de 1hora e 40 minutos, em horário matinal.

Sendo assim, o público contemplado era composto por adolescentes e jovens, em sua maioria na faixa etária de 17-19 anos. De maneira geral, a presença de tais alunos era relativamente baixa. A lista de presença contava com 21 nomes, porém a presença efetiva em aula não ultrapassava 15 alunos, no máximo, sendo que esse número foi reduzindo gradativamente até o final do período de assistência às aulas. No semestre observado, estava sendo abordado o tema “Negritude na América Latina”, sendo assim o docente trazia variados textos sobre esta temática, em que buscava promover uma discussão entre os discentes, além de explorar a materialidade linguístico-discursiva.

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além da pouca presença de discentes em aula, os que estavam presentes, no geral, demonstraram muito pouca participação.

Desse modo, o corpus gerado e coletado nesta primeira experiência foi consideravelmente escasso e, cruzando-se todos os instrumentos (questionários, atividades comparativas e entrevistas) obtivemos apenas 3 alunos que haviam participado de todas as etapas. Em razão disso, consideramos que os dados recolhidos apresentaram-se muito insuficientes na medida em que não conseguiríamos extrair tendências e, assim, preferimos não abordá-los.

Refletindo acerca dessa experiência vivenciada, salientamos que a turma assistida configurava-se como a única em que ofertava Espanhol na modalidade de disciplina para Ensino Médio e, assim, de acordo com as políticas educacionais e internas pelas quais vinha passando tal instituição pública, a turma aludida seria a última também a disponibilizar tal idioma em dita modalidade, já que a partir de 2015 o espanhol não seria mais oferecido no caráter de disciplina, e sim apenas no de oficinas.

Assim, a oferta de Espanhol em tal instituição pública estava vigente desde Agosto de 2005, em virtude da Lei nº 11.161/2005, conhecida como a “lei do espanhol”. Essa oferta vigorou até o currículo do ano 2013, quando devido a uma nova matriz curricular, o espanhol foi retirado da grade curricular obrigatória, permanecendo somente o inglês como LE. Com isso, a partir de 2014 o espanhol passou a ser ofertado no formato de oficinas de matrícula optativa. Dessa forma, a realidade encontrada por nós na observação das aulas no segundo semestre de 2014 referia-se à última e única turma que ainda tinha o espanhol na qualidade de disciplina, enquanto as outras modalidades de oferta de tal idioma já se davam todas, a esta época, enquanto oficinas.

Mediante isso, podemos refletir que o aparente descaso e desmotivação dos discentes para com as aulas mencionadas pode ter se dado devido a esse momento de transição com relação ao espaço da língua espanhola, que migrou do status de disciplina para oficinas, fato que pode ter fomentado, talvez, esse olhar desinteressado dos alunos para com tal idioma...

Com isso, resolvemos nos apoiar, de maneira integral, apenas sobre o corpus gerado na turma da instituição pública de ensino superior mencionada, que revelou resultados mais abundantes e satisfatórios de acordo com os objetivos de nossa pesquisa.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Estudos Discursivos

De acordo com Mikhail Bakhtin (2002) (1895-1975) em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, “(...) compreender um signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos já conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos” (Bakhtin, 1929 [2002], p.24). Um signo, em termos bakhtinianos, é algo vivo móvel, dinâmico. É a personificação do ideológico. Tal ideologia, por sua vez, está relacionada à formação de ideias, à maneira própria de pensar de um indivíduo e/ou grupo de indivíduos. Sendo assim, os signos são dotados de ideologias e significados e a palavra – entendida como faculdade de expressar ideias – constitui um signo ideológico por excelência. Dessa forma, no processo de construção de conhecimento linguístico em uma língua estrangeira o aluno tenderá, de maneira natural e inicial, a associá-la à sua língua materna, de modo que o processo de construção enunciativa nessa interface linguística será uma resposta a um signo por meio de signos, conforme assinala Bakhtin. Assim na aprendizagem de uma LE, toda a cadeia de criatividade e de compreensão ideológicas já apreendidas em sua LM deslocar-se-á de signo em signo para um novo signo, de forma única e contínua. Tais signos são criados nas relações sociointeracionais, processo que molda as crenças e valores do indivíduo, sua identidade, suas atitudes e seu papel de ser social no mundo. Desse modo, no processo de ensino/aprendizagem de uma LE, o aluno percorrerá novamente o processo sociointeracional de construir conhecimento linguístico, bem como aprender a usá-lo, percurso que já foi experienciado no desafio de adquirir1 sua LM. No desenrolar desse processo sociointeracional, Bakhtin adverte: “a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais” (op. cit., p. 26). Assim os signos funcionam como fatores condicionantes para o desenvolvimento da consciência individual; funcionam como uma substância que visa nutri-la.

Com relação ainda à natureza sociointeracional da linguagem, Beth Brait (1997), pautando-se na concepção bakhtiniana, sugere que a produção estilística é fruto do dialogismo, da atividade de interação, rejeitando a priori a individualidade. Bakhtin concebe a natureza da linguagem como essencialmente dialógica, isto é, a linguagem tem uma natureza

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interdiscursiva. Como assinala Brait (1997, p. 98), “[a linguagem tem uma natureza discursiva na medida em que diz respeito] ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, que existe entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade.” Assim, orientando-se por essa esfera dialógica, Bakhtin não dissocia o discurso verbal da situação social que o provoca, entendendo que referido discurso não existe de forma particular ou isolada, já que faz parte do fluxo social em um contínuo processo de interação e troca com outras formas de comunicação.

No que tange à relação entre LM/LE, Bakhtin diz que a língua materna não se transmite. Trata-se de um processo evolutivo e contínuo, isto é, os indivíduos não recebem a língua pronta para ser utilizada. Eles mergulham na corrente da comunicação verbal e é justamente quando penetram em tal corrente que sua consciência desperta e começa a operar (2002, p. 193). Assim, ao entrar em contato com uma língua estrangeira, a consciência já está constituída − graças à língua materna − e então se depara com uma língua pronta, embora em estado permanente de mudanças e deslocamentos. É nessa situação de contato com uma LE que ocorrerá o processo de aquisição, visto que a consciência individual já está formada graças à LM e ao se defrontar com uma língua pronta sua tendência é a de assimilar. Dessa maneira, para Bakhtin os sujeitos não adquirem a língua materna, pois “é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência” (op. cit., p. 102). No que diz respeito a esse “despertar da consciência”, em termos bakhtinianos, ele se traduz como o processo pelo qual a criança assimila sua língua materna. Dito processo se dá “pela integração progressiva da criança na comunicação verbal. À medida que essa integração se realiza, sua consciência é formada e adquire conteúdo” (p. 102).

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uma LE que se procura encontrar para cada palavra uma palavra equivalente na própria língua, isto é, os alunos, em estágio inicial de contato com uma LE procuram converter as palavras de uma dada língua às correspondentes em sua língua nativa. Bakhtin, então, reitera que a significação não está na palavra, nem na alma do falante ou do interlocutor. A significação bakhtiniana resulta “do efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro (...). Só a corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação” (ibidem).

Em seu artigo intitulado “Formações discursivas e processos identificatórios na aquisição de línguas”, Silvana Serrani (1997a) discute a perspectiva de Christine Revuz (1991 apud Serrani, 1997a) acerca do processo de aquisição de segunda língua. A autora francesa afirma que durante o processo de aprendizagem de uma LE as bases da estruturação psíquica são solicitadas e, portanto, a primeira língua.

(...) durante o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira são as bases mesmas da estruturação psíquica que são solicitadas e, com elas, aquilo que é, a um mesmo tempo, o instrumento e a matéria dessa estruturação: a linguagem, a língua chamada materna ( Revuz apud. SERRANI, 1997, p.4 [tradução da autora]).

Guiada por uma abordagem transdisciplinar, Serrani articula categorias da Análise do Discurso e da Psicanálise a partir de perguntas provindas da Linguística Aplicada. Para falar uma LE2, a pesquisadora explica que tal processo tem implicações muito profundas para o

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sujeito da enunciação3, pois são solicitadas simultaneamente três esferas existenciais básicas (Revuz, 1987 apud Serrani, 1997a) na constituição da subjetividade. Elas dizem respeito:

1) à relação do sujeito com o saber: refere-se ao componente relativo à aprendizagem de regras linguísticas e regularidades enunciativas, ou seja, da língua na condição de objeto de conhecimento (Serrani, 1997a);

2) ao corpo: a autora salienta que a dimensão de corpo entendida aqui não é meramente biológica, mas sim compreendida “enquanto suporte da subjetividade, que é predominantemente inconsciente” (p.2). Serrani explica que ao se tentar pronunciar sons, entoações e ritmos até então desconhecidos, ou ao realizar gestos novos, “o aparelho fonador e a movimentação muscular são requeridos pela quebra de automatismos fonatórios e de expressão gestual” (ibidem);

3) à relação do sujeito com ele próprio: essa terceira esfera existencial constitutiva da subjetividade refere-se à afirmação do eu enquanto sujeito que se autoriza a falar em primeira pessoa. De acordo com Serrani, essa relação tem implicações para a constituição do sujeito (entendido como posição de enunciação, já que a autora não está trabalhando com a noção de indivíduo falante) e também para a representação desse sujeito enquanto ego que se apresenta como locutor, “dono de seu dizer” 4

em uma outra língua (op. cit., p.3-4).

Por meio dessa perspectiva, a estudiosa relata que a língua não é entendida como “código”, uma vez que códigos são explícitos. Em lugar disso, a língua é compreendida como estrutura verbal simbólica, “cujas marcas formais ganham sentido ao se realizarem em processos discursivos, historicamente determinados, e determinantes na constituição do sujeito” (p.4). Por conseguinte, a autora defende o emprego do conceito de formação discursiva, desenvolvido originalmente por Michel Foucault5 (1969 [2014]), argumentando que operar com tal noção

3

Serrani explica que a noção de sujeito com a qual opera enquadra-se em uma concepção não subjetivista, ou seja, trata-se de “uma concepção de sujeito enquanto posição-efeito de regularidades enunciativas, historicamente constituídas, e possuidor de um inconsciente”(Serrani, 1997a, p.3). Assim, a concepção de sujeito é entendida, nas suas palavras, “enquanto posição de enunciação, pois não estou operando com a noção de indivíduo falante” (op. cit., p.4).

4

A autora esclarece que o uso das aspas sugere que tal afirmação é válida apenas no registro da ilusão necessária à existência da discursividade (Serrani, 1997a, p. 14).

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possibilitará superar a mera descrição de realizações linguísticas e levará a formular hipóteses explicativas sobre jogos de implícitos e efeitos de sentido no processo de produção em L2, entendido como processo de inscrição do sujeito de enunciação em discursividades da língua alvo (ibidem).

Em vista disso, a autora define formações discursivas como “condensações de regularidades enunciativas no processo – constitutivamente heterogêneo e contraditório – da produção de sentidos no e pelo discurso, em diferentes domínios de saber” (op. cit., p. 5). Dessa forma, não são abarcardas perspectivas que entendem as formações discursivas enquanto espaços discursivos fechados, constituídos a partir de posições homogêneas e excludentes. Pelo contrário, as formações discursivas são compreendidas como heterogêneas e contraditórias, convivendo em um espaço de tensão em relação às formações discursivas maternas e as novas, advindas do contato com a língua estrangeira.

Diante desse panorama, considerando-se os estudos realizados em Análise de Discurso de linha francesa (Foucault, Pêcheux, Revuz) por Serrani, compreendemos que as formações discursivas construídas em LM só poderão ser modificadas por meio do processo de identificação e ressubjetivação, que se inicia a partir do aumento do contato do aprendiz com textos produzidos na LE. Dessa forma, a aquisição se dá devido ao processo de (re)inscrição subjetiva em discursividades da LE. Esse processo abriga diversas fases, mal-entendidos e não prevê uma chegada absoluta. Além disso, são ressaltadas questões afetivas, subjetivas e ideológicas envolvidas nas etapas do processo, o qual ocorre como um constante e contínuo deslocamento do sujeito da linguagem no (inter)discurso.

Com a finalidade de lançar um olhar analítico para a relação entre o discurso e o processo de construção de sentidos em discursividades da LE, Serrani (2010), em seu estudo “Compreensão e mal-entendidos na leitura: ressonâncias discursivas”, examina formações discursivas presentes no português e no espanhol. Na pesquisa em questão, alunos brasileiros de Espanhol deveriam emitir suas opiniões acerca de uma carta em tal língua, que versava sobre um acordo comercial entre uma empresa argentina e uma brasileira. Nessa carta, a empresa argentina pedia à brasileira que cumprisse os prazos nas entregas dos produtos, a fim de que pudessem continuar com o acordo, e que a rapidez era tão importante quanto a qualidade e o preço, dentre outras observações. Nas produções escritas dos alunos brasileiros relatando o que entenderam da carta em espanhol ressoaram construções discursivas associadas à falta de polidez do substantivo “exigência” como “urgência”, “pressão”,

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“rispidez”, “dureza”, “severidade” e “rigidez”. A maioria dos estudantes brasileiros atribuiu ditos termos para qualificar a carta, entendendo que a empresa argentina fazia pressão e até mesmo ameaças à empresa brasileira. A pesquisadora também analisou sequências enunciativas em que estes mesmos estudantes brasileiros deveriam assumir o papel da empresa brasileira enviando referida carta à empresa argentina, em contexto equivalente. Nesta configuração foram verificadas, majoritariamente, ressonâncias do modo de enunciar afirmativo, isto é, expressões que contêm mais “delongas”, “rodeios” no modo de dizer, soando mais atenuadoras, quase eufemísticas, e que se referem a construções verbais e adverbiais afirmativas utilizadas inclusive para expressar críticas ou observações com efeito de sentido negativo.

Diante desse quadro, visualizamos dois tipos de formações discursivas. As formações discursivas caracterizadas por abrupções, que aparecem mais forte e marcadamente no contexto hispânico, são constituídas de enunciações com agente determinado, frases curtas e categóricas, que no grau mais marcado de abrupção podem conter enunciados de indignação, vindo a produzir um efeito de sentido punitivo para o destinatário. Além disso, essas construções são marcadas por um modo de enunciar negativo, que é materializado linguisticamente por diversas construções verbais e adverbiais de negação, e ausência de expressões amenizadoras ou elogiosas para o destinatário. O outro tipo de formação discursiva alude à caracterizada por transições enunciativas. Nestas, verificadas na maioria das produções escritas no português brasileiro, predominam construções modalizadas com agente indeterminado, subordinadas causais e coordenadas explicativas. No grau mais marcado de transição, a enunciação da negativa é produzida por inferência a partir de numerosas transições decorrentes de causas desvinculadas do evento em questão. Há ainda ressonâncias de enunciações amenizadoras, que apresentam construções com modalizações apreciativas e abundante adjetivação elogiosa, inclusive para a introdução de críticas ou questionamentos do destinatário.

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realização verbal (...), pois há exemplo dos dois tipos de formações discursivas em ambas as línguas consideradas(...).”

Tecendo alguns comentários sobre polidez enunciativa e identidade cultural, a pesquisadora conclui que a questão da polidez enunciativa é algo peculiar e intrínseco a cada variedade linguística e tem a ver com a identidade sociocultural. Sendo assim, cada cultura tem seu próprio funcionamento conceitual de polidez que nem sempre tem de coincidir com a teoria universal do conceito. Assim os modos de enunciar em variedades do português e em espanhol entendidos, respectivamente, como abruptos e por transições, mais do que serem compreendidos apenas como “presença” ou “ausência” de polidez, devem ser pensados também, e, sobretudo, como marcas de regularidades enunciativas e de memórias discursivas. Diante desse panorama, Serrani (2010, p.98) diz que “(...) essas regularidades condicionam a produção e a compreensão verbais do sujeito do discurso (...). Essas marcas integram a constituição subjetiva, ideológica e cultural que o definem.” Desse modo, a violação de normas por desconhecimento nas relações interculturais pode ser um indicativo do funcionamento ideológico e subjetivo das memórias discursivas em cada língua-cultura.

Em seu artigo intitulado “A língua estrangeira – entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio”, Christine Revuz (1998) lança um questionamento inicial, chamando a atenção para o que ela denomina “paradoxo da aprendizagem de línguas”: como o sujeito, tão frágil física e intelectualmente, tem sucesso na façanha de aprender a falar sua língua em um tempo recorde, ao passo que lhe é tão difícil repetir essa proeza quando, já crescido, autônomo, dotado de uma enorme quantidade de saberes e de instrumentos, se depara com uma outra língua?

A autora argumenta que “esse estar-já-aí da primeira língua é um dado ineludível” (Revuz, 1998, p. 215). Assim, essa língua primeira está presente em toda a parte da vida do sujeito, isto é, é tão “onipresente”, que se tem o sentimento de jamais tê-la aprendido e é o efetivo encontro com uma LE, essa outra língua, que se apresenta como uma experiência concreta e totalmente nova. Contudo, a autora salienta que a novidade que a LE evoca não está necessariamente no encontro com o fenômeno linguístico, e sim nas modalidades de tal encontro.

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de todo o aparelho fonador. A autora defende que a aprendizagem de uma LE mobiliza, necessariamente, uma interação entre dimensões da pessoa que muitas vezes não colaboram, nem mesmo convivem de forma harmônica. Dessa maneira, o sujeito deve tornar disponível à expressão do seu eu“um vaivém que requer muita flexibilidade psíquica entre um trabalho de corpo sobre os ritmos, os sons, as curvas entoacionais, e um trabalho de análise e de memorização das estruturas linguísticas” (op. cit., p. 217). Acompanhando essa linha de raciocínio, a autora levanta a hipótese de que muitos insucessos na aprendizagem de uma LE podem ser analisados como uma incapacidade de relacionar essas dimensões.

De acordo com o que foi discutido pelo artigo de Serrani (1997a), quando esta se pautou pela perspectiva de Christine Revuz, o exercício requerido pela inscrição numa LE se apresenta de maneira tão delicada porque se solicita, ao mesmo tempo, nossa relação com o saber, nossa relação com o corpo e nossa relação com nós mesmos, na qualidade de sujeito-que-se-autoriza-a-falar-em-primeira-pessoa (Revuz, 1998). Sendo assim, segundo Revuz, quando a aquisição de uma LE mobiliza concomitantemente a articulação dessas dimensões do sujeito, são solicitadas “as bases mesmas de nossa estruturação psíquica e, com elas, aquilo que é, a um mesmo tempo, o instrumento e a matéria dessa estruturação: a linguagem, a língua chamada materna” (op. cit., p. 217). Assim, nossas bases de estruturação psíquica, formadas na e pela LM, entram em tensão quando o processo de subjetivação com uma LE entra em cena. Em outras palavras, “toda a tentativa para aprender uma outra língua vem perturbar, questionar, modificar, aquilo que está inscrito em nós com as palavras dessa primeira língua” (ibidem). A língua é o objeto fundador de nosso psiquismo e de nossa vida relacional, muito antes de ser objeto de conhecimento. Assim, “se não se escamoteia essa dimensão” (ibid.), não podemos conceber a língua como um simples instrumento de comunicação. A autora francesa defende que justamente pela razão de a língua não ser apenas um instrumento que o encontro com uma outra língua é tão problemático e, assim, suscita reações tão vivas, diversificadas e enigmáticas. Tais reações podem ser esclarecidas um pouco quando se considera “que o aprendiz, em seu primeiro curso de língua, já traz consigo uma longa história com sua língua. Essa história interferirá sempre em sua maneira de abordar a língua estrangeira” (ibid.).

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relacionou com a língua é ela mesma sintomática de sua estruturação psíquica. Entretanto, ressalta Revuz que “o universo das formas linguísticas e o do psiquismo individual são, um e outro, complexos demais para que se possa estabelecer paralelismos ou correspondências estáveis entre os dois” (ibidem). Salienta-se que não se trata de encontrar o sinal de algum modo de relação com a LM nas formas singulares que cada sujeito desenvolve na aquisição de uma LE. Trata-se, pois, de ao menos encontrar onde e como surgem os obstáculos e, a partir disso, elaborar uma hipótese explicativa “de que isso constitui um indício de alguma coisa do funcionamento psíquico do sujeito” (ibid.).

Em lugar de emitir interpretações acerca das dificuldades encontradas pelo aprendiz, o mais plausível seria ajudá-lo a superar tais dificuldades por meio da análise de seu funcionamento para que assim se possa remetê-las não a um estado de fato, isto é, a uma afirmação com caráter de verdade absoluta, mas a um sentido, a uma história singular com a língua. Dessa maneira, analisar o funcionamento do aprendiz na LE, isto é, como ele produz em tal língua, significa buscar um sentido, uma explicação, levando em consideração a história do sujeito com essa língua, ao invés de classificar suas produções tão-somente enquanto “erros”.

Dois momentos, considerados como privilegiados, são apontados para observar o modo como a língua estrangeira incide na relação amplamente inconsciente que mantemos com nossa língua materna, isto é, nossa língua “fundadora”. Cada um desses momentos coloca o sujeito diante de uma diferença, seja no que diz respeito aos universos fonéticos, seja no que se refere às maneiras de construir significações.

Com relação aos universos fonéticos, começar o estudo de uma LE é retornar ao estágio de bebê, de não saber falar e se expressar. Assim, a aquisição focaliza, inicialmente, um esforço marcadamente oral, pondo em evidência sons e ritmos. Pronunciar alguns sons específicos de uma determinada língua6 provoca no aparelho fonador novos movimentos e novas sensações. Devido à inaturalidade desse trabalho de apropriação bucal, alguns se negam energicamente a alcançar essa habilidade (o que se entende pela ameaça inconsciente de “afogamento nesse banho de sons”, já que, para eles, sair dos automatismos fonatórios da língua materna revela-se uma tarefa difícil e assim não conseguem repetir as sequências mais simples). Em contrapartida, outros passam a produzir longas frases de acordo com a

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musicalidade da língua (efeito comum às crianças) e, por conseguinte, em seu esforço por pronunciar, realizam inspirações-expirações demasiadamente exageradas, isto é, desproporcionais em face das necessidades. Para tais aprendizes o sofrimento ameniza quando ocorre a passagem à escrita, uma vez que o acesso a enunciados completos e dotados de sentidos torna menos árduo o corpo-a-corpo com a dimensão fonética. Essas pessoas constroem para si mesmas um sistema fonético pessoal, híbrido e intensamente alicerçado no da LM.

O problema, com relação a esse aspecto fonético, não reside em uma incapacidade funcional na produção de qualquer som que seja estranho à primeira língua (ou pelo menos, esse não seria o problema fundamental), nem as dificuldades são minimizadas quando a sequência sonora abriga somente fonemas da LM. Para a autora, a essencial dificuldade consiste em uma incapacidade de lidar de maneira diferente com a acentuação, sons, ritmos e entoações, mesmo aquelas conhecidas. Assim, a pesquisadora francesa entende que “há alguma coisa de impossível, isto é, de perigoso, nessa tomada de distância, e a intelectualização e racionalização pelo recurso à escrita se apresentam como uma proteção contra alguma coisa que parece ao mesmo tempo regressiva e transgressiva” (op. cit., p.222).

No que diz respeito ao modo de produção de significações, na aprendizagem de uma LE existe todo um tempo de nominação, isto é, a etapa correspondente à nomeação de objetos ou imagens por parte do aprendiz. Esse momento corresponde àquele que a criança pequena experimenta ao nomear aquilo que a rodeia, sob o olhar do adulto. Em LM, a operação de nominação é ao mesmo tempo uma operação de predicação. Christine Revuz cita P. Aulagnier para argumentar que a operação de nominação em LM está imbuída de carga afetiva, uma vez que tal operação aponta o referente enquanto existente e como ele existe na psique do porta-voz. Desse modo, o recorte que a LM opera no referente está sempre provido de uma carga afetiva, marcada pelo desejo do porta-voz. Isso se dá porque na tarefa do adulto, o porta-voz, de nomear para a criança, por exemplo, partes do corpo, partes “pudendas” (partes íntimas), por neologismos, perífrases ou por seu nome canônico, a voz que nomeia declara ao ouvinte o prazer, desprazer ou indiferença que ela sente ao falar tais funções, órgãos e partes. Sendo assim, a criança recebe a mensagem sobre o conforto e/ou desconforto, a inquietude, que o nomeado e sua função causam em seu porta-voz, ou seja, a criança recebe a carga afetiva impregnada nos referentes nomeados.

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significação em diversos momentos esvaziados em relação à carga afetiva. Dessa maneira, ao se entrar em contato com a LE, o que cai por terra é a ilusão de que existe um ponto de vista único sobre as coisas, é a ilusão de uma possível tradução termo a termo, de uma adequação da palavra à coisa. Nas palavras da própria autora: “Pela intermediação da língua estrangeira se esboça o descolamento do real e da língua. O arbitrário do signo linguístico torna-se uma realidade tangível, vivida pelos aprendizes na exultação...ou no desânimo”(ibidem).

A LE ao promover o deslocamento do vínculo entre o referente e os signos linguísticos da LM, inaugura um espaço a outras significações, a outros enunciados, que identificam o sujeito cujo porta-voz original não pode mais ser a fonte. Um certo número de enunciados (relativos ao sexo, idade, aspecto físico, jeito de ser) “são renovados pela/na língua estrangeira”. Desse modo, “o eu da língua estrangeira não é, jamais, completamente o da língua materna” (p. 225).

Revuz destaca ainda que nem todos estão prontos para essa experiência com a LE e assim alguns aprendizes evitam de fato aprender a língua. Dessa maneira, estes sujeitos lançam mão de certas estratégias, tais como: estratégia da peneira (eles aprendem, mas por um contato superficial, não retendo quase nada ou muito pouco); outros memorizam frases-tipo, conseguindo razoavelmente exprimir-se em áreas bem específicas (como vocabulário técnico), mas não possuem nenhuma autonomia na compreensão ou na expressão (estratégia do papagaio). Para outros aprendizes, a autora define a “estratégia do caos”: a LE é vista como um acúmulo de termos não organizados por regra alguma, o que os condena a um galimatias7 pseudo-infantil mais ou menos eficaz. A estudiosa francesa destaca ainda aqueles aprendizes que evitam toda distância em relação ao eu da LM, recusando todo contato direto com a LE. Em relação a esses últimos aprendizes, a autora os rotula como “frequentemente apaixonados pela gramática”, já que reduzem a aquisição da língua a procedimentos lógicos e apenas podem compreender um enunciado em LE se cada termo for traduzido em LM. Limitados à definição de uma palavra por outras palavras da LE, dificilmente conseguem assimilar palavras que não tenham equivalente em LM. Para se expressarem, recorrem ao mesmo processo, isto é, convertem as palavras de sua LM às da LE, em um processo, conforme assinala Revuz, “extenuante e ineficaz” (p.225). Para esses aprendizes, a autora diz que “tem-se então o sentimento de que todo tatear da intuição é insuportável, e de que o

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sentido deve ficar inescrupulosamente limitado às fronteiras das palavras da língua materna” (ibidem).

No trecho seguinte, a autora resume essa ideia de um aprendiz cindido entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio, ou seja, entre essa tensão de ficar preso ao eu da língua materna ou se inscrever de forma efetiva nas discursividades da língua estrangeira:

Tudo se passa como se a tomada de distância em relação à língua materna, que resulta de falar corretamente uma língua estrangeira, fosse impossível. Esse impossível não tem a mesma fonte, nem a mesma significação para cada pessoa mas, parece-me, está sempre ligado à ruptura e ao exílio. Segundo a pessoa, essa ruptura pode ser temida e evitada, pode ser procurada por ser salvadora, ou pode ser tensão dolorosa entre dois universos (Revuz, 1998, p. 226).

Assim, uma vez que não há uma correspondência “termo a termo”, isto é, uma relação unívoca na construção de sentidos entre as línguas, “aprender uma língua é sempre, um pouco, tornar-se um outro” (id. ibid., p.227). Para dar início ao processo de ressubjetivação, a LE requer um distanciamento do eu construído na e pela LM.

A experiência de ruptura ou perda e de descoberta ou apropriação evocada pela LE embora seja mais violentamente forçosa em uma situação de uma ruptura real (através de uma estada no exterior ou emigração, por exemplo), também existe nas aprendizagens mais esparsas e escolares, ainda que de maneira mais latente.

Diferentemente do que ocorre na LM, o aprendiz não tem a cabeça repleta de frases feitas, expressões idiomáticas. Desse modo, para falar, produzir frases, ele se encontra impelido a um trabalho de expressão, a uma constante indagação acerca da adequação daquilo que diz àquilo que quer dizer.

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A autora alude então à noção da contradição do sujeito para tratar dos movimentos que esse processo implica. Sendo assim, tal contradição, que constitui a relação do sujeito com uma LE, refere-se ao assujeitamento. Ou seja, esta noção fundamenta-se na ideia de que o funcionamento da LE exigirá que o sujeito se submeta ao dizível, isto é, à memória do dizer nessa língua para se transformar, desse modo, em “dono do seu dizer” (por efeito de uma ilusão que, por sua vez, é efeito do próprio processo). Assim, servindo-se de uma formulação pecheutiana, entende-se que o sujeito deverá resultar de uma rede de significações como “causa de si” (op. cit., p. 39). Em resumo, a autora expõe a noção de assujeitamento dizendo que para constituir-se sujeito de uma língua estrangeira, deve-se sujeitar-se a ela, pois em suas próprias palavras, “ser sujeito da língua implicará estar sujeito à língua”(op. cit.).

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Por meio das marcas que vai evidenciando e discutindo, Celada fala do deslocamento de uma posição simbólica, ao observar enunciados orais e escritos em espanhol com forte influência da LM do aprendiz (português brasileiro) e que, desse modo, não são realizáveis em língua espanhola atual nem na escrita, nem na oralidade.

A pesquisadora vai avaliar que, frequentemente, no processo de ensino/aprendizagem do espanhol, a exposição ao funcionamento de dita língua faz com que apareçam enunciados que expressam determinadas antecipações imaginárias, isto é, a circulação de imaginários associados à ideia de que o espanhol é “una língua correta, detalhista, redundante, complicada, rebuscada, formal, mandona”(p.45). Essa série de imagens estereotipadas traz à luz o registro do imaginário fortemente cristalizado no Brasil e que se pode resumir, mediante as sequências: espanhol - língua parecida - língua fácil. Assim, de acordo com essa perspectiva, a formulação desse imaginário deu, e continua dando, corpo à posição simbólica definida e defendida pela autora como “ilusão de competência espontânea”(cf. Celada, 2004). Essas antecipações imaginárias dão, pois, materialidade ao gesto que implica o deslocamento de uma posição. Tais antecipações não supõem apenas uma simples repetição, transporte ou transferência de fragmentos de uma LM, já que “es posible pensar que hay ahí un movimiento o una agitación en las redes de la memoria de un sujeto en su proceso de filiarse a las redes de la memoria de la lengua española” (p.45).

Dando continuidade às análises das marcas, examina-se um enunciado (recolhido dos estudos de González, 1998) em que se observa um caso de aparição de um pronome tônico ao invés de um átono (“Me solicitó que acompañara ella al baño”). Assim, em espanhol a ocorrência do pronome “ella” não é possível, nem esperada, na posição de objeto. Defende-se, desse modo, que o gesto que dá corpo ao enunciado em questão provém de uma posição sujeito de oralidade ligada à LM.

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se é sujeito pelo assujeitamento à língua na história (...), portanto, sujeitar-se às formas de dizer de outra ordem simbólica, em potência, implicará movimentos-sujeito, implicará uma subjetividade sendo solicitada e tomada em redes de memória – o que dá lugar a filiações identificadoras (Celada, 2007, p.359).

Examinar as marcas produzidas nesse processo significa desvelar pontos da cadeia significante nos quais não se realiza a identificação simbólica e, assim, interpretar quais processos discursivos delimitam a resistência de um sujeito (por sua própria constituição) a subordinar-se à “forma material – linguística e discursiva – do novo simbólico que o interpela” (op.cit., p.360).

Com o propósito de reflexão sobre tais noções, são tecidas algumas observações acerca do “modo de acontecimento” da enunciação em LE. Assim, é compartilhada a concepção de que “a enunciação é um acontecimento e o Locutor está dividido no acontecimento” (Ibidem). O locutor encontra-se então “dividido” visto que “falar, enunciar, pelo funcionamento da língua no acontecimento, é falar enquanto sujeito” (Ibidem). Sendo assim, “o sujeito que enuncia é sujeito porque fala de uma região do interdiscurso” (Ibidem). Saber algo através da língua pressupõe, necessariamente, que na dimensão subjetiva ocorram identificações com saberes interdiscursivos.

Defender que o funcionamento da língua reside na interdiscursividade, e não no sujeito, quer dizer que “enunciar é o pôr-se a língua em funcionamento ao ser afetada pelo interdiscurso, portanto, a enunciação é um acontecimento e é também o funcionamento da língua, no acontecimento” (Ibidem). Assim, por meio dessa formulação acerca do sujeito da enunciação, advém a complexidade essencial e específica que requer o processo de enunciar em uma LE. Sendo assim, esse processo é marcado por uma injunção, isto é, uma espécie de pressão, obrigação imposta, que determina uma dinâmica e causa uma tensão. Tensão que pode ser expressa por meio da injunção a que o sujeito ocupe uma posição no discurso e, por este motivo, ponha a língua em funcionamento, fato que implica que esta é afetada pelo interdiscurso.

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continuidade da língua materna”(Idem, p.364). Essa língua materna (o português brasileiro) é entendida como “língua de colonização” na medida em que se opera com a ideia de que no Brasil falar de tal noção solicita falar da relação da língua portuguesa com a língua geral e com as línguas indígenas. Assim, argumenta-se que a memória dessas línguas e os processos de exclusão que sofreram estão inscritos no funcionamento do português brasileiro (Ibidem).

Em Celada (2008a) é resgatada uma fala de Revuz (1998) segundo a qual a língua materna “se encontra nas bases mesmas da estruturação do sujeito, ao mesmo tempo como instrumento e como matéria dessa estruturação”. Assim, além de reafirmar a proposta da pesquisadora francesa, a perspectiva adotada também se propõe a distinguir os termos que aparecem nessa afirmação: “matéria” e “instrumento”. Desse modo, por matéria, Revuz entende os conteúdos formais próprios de cada língua, como, por exemplo, “o fato de a palavra “sol” ser masculino ou feminino numa ou outra [língua], e de essa palavra configurar certa relação do sujeito com o referente” (Celada, 2008a, p. 147). No que concerne ao termo “instrumento”, este é entendido enquanto dispositivo “que funciona em qualquer língua na medida em que proporciona mecanismos de configuração simbólica, certos quadros de representações, que torna possível o fato mesmo de que sujeitos saibam algo através de uma língua” (op. cit., p. 148). Assim, enunciar que a LM é matéria e instrumento da estruturação psíquica é entender que essa língua reveste o psiquismo tanto em sua forma física e, portanto, material, através de formas linguísticas, quanto em sua forma imaterial, isto é, abstrata, que é efeito de um simbólico, associada a uma dada maneira de pensar e de produzir representações por meio dos quais se materializam as línguas através dos conteúdos e formas disponíveis.

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metáfora da imagem do espelho, entendendo que essa imagem funciona como um atalho, um caminho, já que permite ao indivíduo pensar que reconhece um reflexo e, então, produzir-se aí uma identificação. Isso ocorre a partir da posição que delimita a memória da própria língua portuguesa (como “língua modelar”, “língua de colonização” e “língua oral”). Por meio dessa perspectiva do brasileiro, entende-se, pois, que há no espanhol memória(s) do português. Memórias de um português clivado, isto é, dividido, em sua heterogeneidade linguística.

A consequência desse “juego de espejamientos” (op. cit., p.4) resulta na formulação, por parte do aprendiz brasileiro, de antecipações sobre tal LE, dizendo que “é fácil” por ser muito parecida. Contudo, à medida que entra no processo de aquisição vai conhecendo tal língua, vai concluindo que é difícil, porque, em geral, o espanhol ressoa como uma “língua modelar” e, assim, por meio desse imaginário, conclui que tal língua é correta, detalhista, rebuscada, redundante, formal (cf. Celada [2002, 2004]). Essas nomeações são geradas a partir da posição de um sujeito afetado pela descontinuidade e pelas relações de sentido que se produzem devido à sistematização do igual/diferente. Fala-se, então, de um sujeito que enuncia seus comentários a partir de uma posição simbólica, segundo a qual essa outra língua é vista como extensão da própria. Assim, designações como “detalhista”, “rebuscada”, “redundante”, “correta”, para qualificar a língua estrangeira, podem ser interpretadas como posição de sujeito afetado por uma tensão entre vazio/falta e excesso; desse modo, aquilo que em uma língua é necessário dizer até atingir o detalhe, o requinte e a redundância, na outra não seria. Esses comentários parecem querer dizer que há algo “de mais” no espanhol, uma ideia de excesso, em relação ao que na língua do brasileiro não estaria marcado. Tais imaginários tornam tardia a possibilidade de que o aprendiz brasileiro ocupe posições relativas a essa LE e, assim, perdure atrelado às rotinas do dizer referentes à sua LM.

2.2. Estudos Linguísticos e Descritivos

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embora configure uma audácia transdisciplinar, proporciona-nos explorar as materialidades linguístico-discursivas de modo mais heterogêneo e abrangente, por meio da observação de categorias linguísticas, que já vêm sendo descritas por estudiosos de português e de espanhol, e suas relações com os discursos nos quais se inserem.

Sendo assim, trataremos de um artigo de González (2001) em que são tecidas considerações acerca do processo de ensino/aprendizagem de LE enfocando as assimetrias estudadas na tese de doutorado da pesquisadora e, em seguida, abordaremos também o estudo doutoral de Sebold (2005).

Em seu estudo intitulado “La expresión de la persona en la producción de Español Lengua Extranjera de estudiantes brasileños: perspectivas de análisis”, González (2001), com o intuito de “intentar comprender, desde un punto de vista único, el complejo fenómeno que es adquirir una lengua extranjera y hacerla objeto de una práctica” (op. cit., p. 239), articula de modo também transdisciplinar – o que nos serve de inspiração – campos teóricos distintos: Linguística Cognitiva, Análise do Discurso e Gramática Gerativa. Assim, tecendo alguns comentários acerca do modelo cognitivista, a autora argumenta que não é possível compreender mais a aprendizagem de línguas apenas como um processo no qual os maiores problemas ocorreriam por conta da “transferência”, quase mecânica, de estruturas da primeira língua à língua meta, referindo-se, respectivamente, ao português brasileiro e ao espanhol. Em face disso, a autora alude à sua tese de doutorado (cf. González, 1994). Nessa tese, ao assumir que na aprendizagem de espanhol por parte de aprendizes brasileiros, no que concerne às formas pronominais (pronomes pessoais), se dá um fenômeno de transferência, González explica que não se pensa numa transposição mecânica de estruturas da LM à LE, mas sim na ideia de que tal LM funciona como um mecanismo cognitivo em tal processo, cuja função “es filtrar y seleccionar los datos a los que están expuestos los estudiantes” (op.cit., p. 240). Assim, enfocar a LM enquanto um mecanismo cognitivo significa não considerar simplesmente que o aprendiz preserva as formas de maneira automática. Ao invés disso, trata-se de entender que a interlíngua 8 reflete uma seleção ativa e atenta por parte do aprendiz, que

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pode incluir, assim, reestruturação de regras “con cierta dilación en la secuencia de aprendizaje, transferencia de la organización tipológica, diferentes caminos de adquisicion, sobreproducción de ciertos elementos, e inhibición de otros” (González, 2001, p. 252).

Em seguida, a pesquisadora dirige-se a outro modelo interpretativo da aquisição de línguas, ou seja, o discursivo, que, embora defenda o papel crucial da LM em tal processo não dá peso ao modelo estritamente cognitivista. Nesta perspectiva, prefere-se falar em “processos de inscrição do sujeito da enunciação em discursividades da língua alvo” (cf. Serrani, 1997a), já que na aquisição se estabelece uma relação com uma nova rede de prevalências significantes que “acontece filtrada pelas regularidades proponderantes na primeira língua” (Serrani, 1997a apud González, 2001, p. 241). Também é salientada aí uma fala de Revuz (1998) ao se enfatizar que o encontro com uma língua estrangeira “faz vir à consciência alguma coisa do laço muito especifico que mantemos com nossa língua” (Revuz apud González, 2001, p.241).

Tecidas tais considerações, a autora encaminha-se à perspectiva gerativista, sobre a qual deposita maior ênfase. De maneira sintética, são discutidas algumas questões investigadas no estudo doutoral da pesquisadora, que aludem às distintas assimetrias do português brasileiro e do espanhol. Por meio de um enfoque prioritariamente sintático, a autora buscou analisar os processos de significação entre o português (LM) e o espanhol (LE), observando, segundo a perspectiva teórica na qual se insere, “suas produções interlinguísticas”. Desse modo, concluiu-se que ditas línguas apresentam comportamentos inversamente assimétricos (cf. González [1994, 1998, 2008]) no que tange à produção de pronomes pessoais. Essa distinta assimetria tem a ver com o preenchimento ou não das posições argumentais de sujeito e objeto e com o privilégio do emprego de formas tônicas ou átonas. A autora relata que essa “distinta asimetría” pode esclarecer, basicamente: que ambas línguas são assimétricas, isto é, empregam formas plenas para a expressão fonética/ortográfica de um dos argumentos (sujeito ou complemento), contudo, em sentidos opostos; que em ambas línguas, quando se altera tal assimetria, são produzidas formas marcadas, isto é, raras, cujos efeitos para as relações interlocutórias e de sentido são consideráveis. Sendo assim, a depender da língua, têm-se sujeitos e objetos plenos ou nulos, isto é, realizados foneticamente/ortograficamente ou não. No intuito de elucidar algumas

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