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CAPÍTULO 1 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS

1.3 PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA DA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

Uma atividade tão complexa tal como avaliar exige a superação de concepções estruturalistas17 e positivistas18 sobre a avaliação, e no intuito de que as

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As concepções estruturalistas têm seus princípios baseados no Estruturalismo, enfoque que se propõe a investigar a estrutura de determinados fenômenos sociais. Esta abordagem científica, que surgiu no século XX, representou uma rejeição aos modelos positivistas e evolucionistas, e caracterizou-se pelo apoio nas áreas exatas, como Matemática e Física. Esta aproximação faz com que o Estruturalismo rejeite o sentido histórico dos sujeitos, assim como suas contradições. Tem como principais representantes autores como Saussure (na Linguística), Lèvy-Strauss (na Etnologia) e Vigotsky e Piaget (na Psicologia). (TRIVIÑOS, 1987).

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As concepções positivistas têm sua origem nos estudos de Comte, caracterizando-se como uma corrente filosófica que busca o conhecimento humano a partir daquilo que pode ser observado e experimentado, preconizando assim a concepção dos fatos sociais como “coisas” e estabelecendo uma visão própria da sociedade, que passa a ser vista como um organismo vivo que evolui gradativamente. (COMTE, 1978). Este paradigma, quando atrelado à avaliação, restringe o

análises e reflexões acerca do tema sejam feitas de forma a considerar fatores mais abrangentes como as questões sociais, históricas, políticas e econômicas.

Adquirindo cada vez mais centralidade nas políticas públicas, a questão da avaliação tem se tornado rica fonte de reflexões e análises, e nesse aspecto, Afonso (2009) contribui ao indicar as modalidades de avaliação (com seus níveis de sistema e tipos de avaliação), numa perspectiva sociológica. As modalidades de avaliação se baseiam na ideia de avaliação normativa e avaliação criterial.

A avaliação normativa, que geralmente utiliza testes padronizados, toma como referência os resultados obtidos por sujeitos que pertencem ao mesmo grupo, conferindo-lhes uma natureza competitiva e seletiva; é possível estabelecer um comparativo entre resultados de alunos de mesma turma, entre resultados de turmas da mesma escola, de escolas de um mesmo país ou de escolas entre países diferentes.

A avaliação criterial verifica a aprendizagem de cada aluno em relação aos objetivos previamente definidos. Tem como principal característica a observação do grau de alcance dos objetivos do ensino, a partir do desempenho individual dos alunos, e não da sua comparação com os demais, sendo realizados através de testes construídos com preocupações técnicas e metodológicas, com o “selo” de validade e fidedignidade. (AFONSO, 2009).

Por essa razão, a possibilidade de avaliação criterial produz efeitos de mercado no sistema educativo, uma vez que, com a divulgação de resultados ao nível do sistema educativo nacional é possível se fazer o diagnóstico das dificuldades apresentadas e a organização das atividades para a superação destes problemas, e permitir maior controle por parte do Estado. Consequentemente, a nova configuração do papel do Estado (pós-crise do Estado de Bem-estar), conjugadas com “as numerosas combinações possíveis de financiamento, fornecimento e regulação tornam possível a ampla série de mecanismos de „mercados‟ educacionais” (DALE, 1994, p. 111), acaba por colocar a educação numa base comercial.

A educação, e consequentemente seus elementos integrantes, tais como programas, currículos, avaliações, etc., acabam sendo, de certa forma, limitados e influenciados por essas relações comerciais que se colocam, “isto porque as entendimento do processo educativo como um todo, uma vez que desconsidera a historicidade do sujeito e as suas relações com aspectos econômicos, políticos e culturais.

decisões para introduzir a disciplina de mercado em educação são, evidentemente, decisões políticas”, e, conforme Dale19

(1994), é possível esperar, a partir dessa lógica, pelo menos quatro constrangimentos e influências no estabelecimento de mercados educacionais, apresentados como a probabilidade de „falhanço de mercado‟ em educação, a existência de custos significativos para o estabelecimento destes mercados educacionais, a restrição de tendências monopolizadoras e a necessidade de se manter o controle do Estado sobre produtos e serviços prestados neste mercado educacional.

Esta reorganização da lógica capitalista levou ao surgimento do chamado “quase-mercado”; ou seja, termo que denota a combinação da “regulação do Estado com a lógica de mercado na oferta e gerenciamento de serviços públicos, não havendo contraposição entre as duas lógicas”. (BAUER, 2008, p. 565).

Dale (1994, p. 113) afirma que

[...] o mercado, ele próprio, tem de ser „promovido‟; o ideal tem de ser „vendido‟ a, ou imposto sobre, aqueles que nele estarão envolvidos. Há aqui dois factores-chave. Um, o econômico, envolve a criação duma série de condições institucionais para serem instalados mercados em educação e nas quais possam florescer; o outro fator, político, envolve o estabelecimento do nível mínimo de credibilidade e aceitabilidade, se não legitimidade, para mercados, numa área, da qual, em muitos países, estiveram, mais ou menos, totalmente ausentes.

Diante dos pressupostos apresentados, é possível perceber, no cotidiano das instituições escolares, a preocupação e ação administrativa de muitos gestores no que se refere ao enquadramento nas exigências advindas do sistema, traduzidas na forma de participação obrigatória das avaliações externas ou mesmo na divulgação dos resultados obtidos pela escola.

Para assegurar-se da suposta “qualidade de ensino”, os atores escolares (gestores e professores) lançam mão do uso de diversas formas de avaliação (muitas vezes impostas pelo próprio governo ou previamente definidos em acordos com agências internacionais), a fim de prestar contas e (indiretamente) manter o controle estatal sobre os serviços educacionais ofertados na escola pública.

O documento denominado “Educación y conocimiento: Eje de la Transformación productiva con equidade”, elaborado pela Cepal e Unesco (1992, p.

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Para conhecer mais sobre outros temas abordados por Roger Dale, recomenda-se a leitura de DALE, R. A promoção do mercado educacional e a polarização da educação. Educação, Sociedade e Culturas, Porto, n. 2, p. 109-139, 1994.

177) enfatiza essa visão da necessidade de avaliação para se garantir a gestão dos processos educativos com eficiência e eficácia:

i) Establecimiento de sistemas de medición. Deben establecerse sistemas para evaluar periódicamente el cumplimiento de las metas curriculares centrales y la eficiencia interna del sistema en los establecimientos de enseñanza básica y media. Tales mediciones harán más factible que los directivos de establecimientos asuman públicamente la responsabilidad por su gestión y permitirán, a la vez, identificar potenciales problemas y deficiencias y, eventualmente, buscar soluciones en el marco de las instancias de administración local. Em consecuencia, son el mejor instrumento para incentivar una gestión eficaz de los establecimientos educativos.20

A avaliação se consolida, então, como ferramenta capaz de promover a mudança nos padrões de gestão postos quando não atinge os resultados previstos pelo sistema político-econômico vigente, e como consequência, abre a possibilidade de um redirecionamento no olhar dos “consumidores” desse serviço (pais, alunos e comunidade), voltado para os rankings nos quais as escolas são classificadas como melhores ou piores em quesitos como qualidade, produtividade, eficiência e/ou eficácia no ensino.

No caso da avaliação criterial, a mesma pode acontecer no nível mega (internacional), visando comparar resultados de diferentes escolas ou grupos de alunos entre países diferentes, como por exemplo, o PISA21. Caracteriza-se pela dificuldade de estabelecer objetivos educacionais consensuais devido à heterogeneidade organizativa dos sistemas educativos e por tornar “os sistemas educativos em instrumentos políticos privilegiados de construção e reforço das identidades nacionais, tendendo a acentuar as dissemelhanças, muito mais do que as semelhanças, em termos de projectos e objectivos educacionais”. (AFONSO, 2009, p. 37).

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O estabelecimento de sistemas de medição. Devem ser estabelecidos sistemas para avaliar periodicamente a conformidade com as metas curriculares centrais e a eficiência interna no ensino primário e secundário local. Tais medições irão torná-lo mais provável que os diretores de estabelecimentos públicos assumam a responsabilidade pela sua gestão e permitirão, ao mesmo tempo, identificar potenciais problemas e falhas e, possivelmente, encontrar soluções no âmbito dos órgãos do governo local. Em consequência, é o melhor instrumento para incentivar a gestão eficaz dos estabelecimentos de ensino. (Tradução nossa).

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PISA – do inglês, a sigla significa Programme for International Student Assessment (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Caracteriza-se como uma rede mundial de avaliação de desempenho escolar, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o objetivo de melhorar as políticas e resultados educacionais. Foi realizado pela primeira vez em 2000 no Brasil, sendo repetidos a cada três anos.

Quando a avaliação criterial acontece no nível macro (nacional), as informações sobre o sistema educativo, recolhidas através dos testes, podem ser divulgadas para a opinião pública, e aumentar a desejabilidade social e política desta ou daquela determinada escola.

No nível meso (organizacional/ escola), a avaliação criterial se baseia nos objetivos definidos por órgãos de coordenação e gestão pedagógica de instâncias superiores, o que implicaria no uso de metodologias mais complexas para o conhecimento da própria instituição. Dessa maneira, a escola fica à mercê de resultados obtidos apenas pela utilização de testes estandartizados, sem a possibilidade de conhecer-se em profundidade, e muitas vezes, desconsiderando os interesses das comunidades locais e que deviam estar contempladas no projeto educativo da escola.

No nível micro (sala de aula), a avaliação criterial exige a definição prévia de objetivos educacionais a serem atingidos pelo próprio aluno; por isso, é comum que este nível da avaliação criterial seja confundido, muitas vezes, com a avaliação formativa, embora não possam ser tratadas como sinônimas.

Diante das diferentes modalidades de avaliação apresentadas por Afonso (2009), é possível observar que os sistemas educativos e suas respectivas formas de avaliação estão associados às concepções políticas e contextos sociais de cada país, visto que as políticas educacionais formuladas tomam por base esses contextos e deixam transparecer em suas ações pedagógicas os objetivos a que se propõem e a concepção de avaliação que possuem.

Em síntese, procurou-se neste capítulo apresentar os principais pressupostos que norteiam a compreensão sobre avaliação, com destaque para pontos que versaram sobre o panorama histórico e suas respectivas gerações de concepção de avaliação, e as relações estabelecidas entre a avaliação de políticas educacionais, programas ou projetos e os contextos políticos, econômicos e sociais que as influenciam.

Pelo exposto neste capítulo, parece ficar evidente a evolução das concepções de avaliação educacional e dos pressupostos teóricos que a fundamentam, bem como a ampliação de seus objetos: avaliação da aprendizagem, avaliação de currículos, avaliação de escolas, avaliação de sistemas educacionais, avaliação de politicas, programas e projetos.

Entendendo a relevância da avaliação educacional de políticas, programas e projetos educacionais, no próximo capítulo serão discutidos alguns aspectos das políticas de formação continuada de professores e as possibilidades de avaliação de seus programas e projetos.

A formação continuada de professores, tão importante e garantida por lei, garante aos docentes momentos específicos de estudos teórico-práticos, assim como a possibilidade de reavaliar suas ações a partir de processos avaliativos. Faz- se necessário, assim, entender os contextos políticos, econômicos, históricos e sociais que incidem sobre as políticas educacionais de formação continuada de professores, suas influências e consequências no ciclo de vida dessas políticas, questão a ser discutida no próximo capítulo.