• Nenhum resultado encontrado

Catarina Doutor

(cdoutor@ualg.pt)

RESUMO: Esta investigação centra-se numa reflexão acerca da aprendizagem e o mundo do tra- balho, cujo objetivo principal consiste em identificar e compreender as aprendizagens desenvolvi- das em contexto de trabalho. Pretende-se ainda identificar ações de formação frequentadas e, por conseguinte, compreender o papel desempenhado pela formação nos percursos profissionais dos indivíduos. Para alcançar os objetivos, foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas a adultos. O estudo revelou que autonomia, responsabilidade, organização, capacidade de traba- lhar em equipa são algumas das aprendizagens adquiridas em contexto de trabalho. Constata-se ainda a participação em ações de formação como reflexo da atual importância da formação para responder às necessidades e exigências do mercado de trabalho. Estas aprendizagens são, portanto, fundamentais para o desenvolvimento pessoal, social e profissional dos entrevistados. PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; Trabalho/Emprego; Reconhecimento, Validação e Certifi- cação de Competências.

INTRODUÇÃO

Partindo do interesse pelo contexto de trabalho, procuramos identificar e compreender as aprendizagens em contexto de trabalho e ainda compreender o papel da formação no desem- penho da atividade profissional dos adultos. Tendo por base uma discussão teórica acerca da aprendizagem em contexto de trabalho, pretendemos responder às seguintes questões:

• Quais as aprendizagens ocorridas em contexto profissional?

• Qual o papel da formação no desempenho da atividade profissional?

No que concerne à estratégia metodológica, esta baseia-se numa abordagem qualitativa, que utiliza o método biográfico por se considerar que este é adequado para compreender as aprendizagens dos adultos em contexto de trabalho.

A aprendizagem em contexto de trabalho constitui uma dimensão fundamental da Edu- cação de Adultos em Portugal, principalmente para o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC). Face aos baixos níveis de escolaridade e de qualificação, este sistema foi criado em Portugal, em 2001. O principal objetivo deste sistema consistia em

Investigação em Educação Social – prática e reflexão

reconhecer as competências adquiridas pelos adultos ao longo do seu percurso pessoal e profis- sional. Para além da melhoria dos níveis de certificação escolar e de qualificação profissional, este sistema incentivava ao prosseguimento de estudos, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida. As aprendizagens realizadas em contexto de trabalho representam, nitidamente, uma mais-valia para os indivíduos, as empresas e o mercado de trabalho. São, na realidade, relevantes para o desempenho profissional bem como para o desenvolvimento pessoal dos indivíduos (Pires, 2002).

Atendendo aos objetivos mencionados anteriormente, foram realizadas quatro entrevistas biográficas a adultos que se encontravam a frequentar o processo de RVCC.

APRENDIZAGEM EM CONTEXTO DE TRABALHO

O contexto de trabalho tem assumido, nos últimos anos, uma visibilidade social crescente fruto das transformações tecnológicas, sociais e culturais, nomeadamente, o aumento do de- semprego, a precarização do mercado de trabalho, o crescente sentimento de insegurança e a constante exigência por parte dos empregadores, entre outras. Para Jarvis (2004), o trabal- ho é fundamental para o desenvolvimento humano, assim como para o bem da sociedade. No entanto, devido à rápida mudança social, o trabalho já não é um fenómeno permanente para muitas pessoas, uma vez que é exigido, cada vez mais, a aquisição e o desenvolvimento de novos conhecimentos e competências para que os indivíduos se tornem empregáveis. Numa perspetiva crítica face ao atual contexto de profundas transformações, Guimarães, Sancho e Oliveira (2004) mencionam que a qualidade, a competitividade, a produtividade e a flexibilidade são entendidas, em boa parte, como alicerces fundamentais no mercado de trabalho.

É certo que o emprego para toda a vida tem vindo a perder sentido e, por isso, os níveis de desemprego são preocupantes pelo impacto significativo que desencadeiam na vida das pes- soas. Na verdade, vivemos num contexto de crescimento do desemprego e de precariedade contratual em que os percursos profissionais dos indivíduos são, constantemente, marcados por interrupções e afastamentos da atividade profissional (Alves, 2012; Guerreiro & Abrantes, 2007). Nas últimas décadas, a relação entre o trabalho e a formação sofreu profundas alterações, constatando-se, assim, que estamos a “viver uma situação de profunda crise quer do mundo da formação quer do mundo do trabalho” (Correia, 2005, p. 61). Neste contexto, a abordagem crítica do autor revela-nos que a formação tornou-se “num dever de adaptação às transfor- mações tecnológicas dos contextos de trabalho” (Idem, p. 64). A verdade é que a formação não visa transformar os indivíduos para os adaptar ao trabalho, mas sim a transformação do próprio contexto de trabalho. Desta forma, a formação procura “induzir situações em que os in- divíduos se reconheçam nos seus saberes e [que] sejam capazes de incorporar no seu património experiencial os próprios saberes produzidos pelas experiências de formação” (Correia, 1997, p. 37). Ora, em boa verdade, a importância atribuída à formação só poderá ser plenamente compreendida se estudarmos os percursos de vida, os contextos de trabalho e as aprendizagens dos indivíduos. Atualmente, o mercado de trabalho exige que os trabalhadores aprendam novas ferramentas e competências com o propósito de enfrentar as transformações tecnológicas e

69 sociais. Estas competências requerem não só conhecimentos científicos, tecnológicos e outros relacionados com a organização e funcionamento das organizações, como também espírito de iniciativa, autonomia, responsabilidade, capacidade de trabalho em equipa, capacidade de tomar decisões e de solucionar problemas, capacidade de comunicação, entre outras.

Neste sentido, Canário (2000) é bastante crítico face ao entendimento do trabalho e dos trabalhadores pelo sistema capitalista, uma vez que “novos modos de pensar e de organizar o trabalho fazem apelo a novos tipos de saberes, nomeadamente: trabalhar em equipa, pensar à escala da organização no seu todo [e] agir estrategicamente a partir de raciocínios de anteci- pação” (p. 44). A promoção destas competências exige, portanto, mais formação, continuada e contextual contribuindo para uma mudança refletida das organizações, bem como para a preparação de trabalhadores num contexto marcado pela mobilidade profissional. Perante esta segmentação, aposta-se em quatro domínios fundamentais, nomeadamente: atualização dos trabalhadores altamente qualificados, numa lógica de «promoção da excelência»; formações curtas e muito «instrumentais» para os ativos empregados menos qualificados; ações de inser- ção profissional dos recém-formados; formação para a inserção social, incidindo especialmente nos desempregados e nos contextos sociais em situação problemática. (Rothes, 2009, p. 144)

Este é, a nosso ver, um aspeto marcante do pensamento crítico de Rothes (2009), em que a formação passa a ser um mercado e, por conseguinte, são criados segmentos de procura e oferta consoante os interesses do mercado de trabalho, assim como do funcionamento da sociedade. Como se pode depreender, vários autores (Canário, 2000; Correia, 2005; Rothes, 2009) criticam o sistema capitalista, sobretudo, a forma como este entende o trabalho, os trabalhadores e, em última instância, a sua formação. À semelhança destes autores, consideramos que o mais importante são as pessoas e não o sistema financeiro.

Em síntese, o local de trabalho ou a vida profissional têm sido definidos como uma “área central” da aprendizagem ao longo da vida (Olesen, 2004, p. 24). Quer isto dizer, que o mundo do trabalho constitui, sem dúvida, um espaço privilegiado de educação, uma vez que se trata da aprendizagem de um conjunto de aptidões, saberes e competências. Nesta linha de pen- samento, Gelpi (2001) defende que a natureza do trabalho é essencial para o desenvolvimento humano e social do indivíduo.