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Perspectivas Temas da Contem poraneidade do desenho

4.1

Toda a análise artística, ao longo da história, é feita por referência a algo anterior. Esta metodologia referencial assenta, portanto numa metodologia comparativa. O que é datado do presente é avaliado relativamente ao que aconteceu previamente. Tal acontece devido à necessidade humana de ordenar para ordenar o conhecimento numa tentativa de o controlar, de o domesticar. Do mesmo modo, a dife- rença ocorre quando determinada continuidade é interrompida. Da perturbação da passividade brota algo fortemente contrastante. O que existe neste mo- mento não pode mais ser julgado segundo os mode- los aplicados outrora. Assim, cada novo fenómeno exige o surgimento de um corpo normativo paralelo. É segundo estes parâmetros que se dão as transfor- mações criativas, segundo o conceito de ruptura. No período posterior à Segunda Guerra Mundial ocorreu uma efusão diversa de caminhos artísticos: Pop Art, Performance, Minimalismo, Arte Conceptu- al, Land Art, entre outros. Cada uma destas propos- tas amplificou a definição da arte. No entanto por volta dos anos setenta as alterações estabilizaram. Os artistas viraram-se para o questionamento dos conceitos de arte. A crítica passou a ser, também, um dos elementos a ter em conta para a constitui- ção duma obra completa. Todo este contexto propi- ciou uma reflexão sobre o término do modernismo e conduziu a um novo impulso criativo com uma forte vertente experimental. O media de eleição passou a ser o desenho. Depois de um momento de crise o re- nascimento da criação assinalou-se pela tradução, de modo mais imediato, das ideias do artista. Assim, revelaram-se uma série de trabalhos em papel.

O desenho enquanto obra de arte possui metodolo-

gias, técnicas e estilos plurais.

O que acontece com a matéria do nosso estudo – o desenho, advém das mutações ocorrentes na prática criativa. Quando determinado modo de fazer é validado pela comunidade artística, rapidamente, ao mesmo, se manifestam oposições, rupturas, questionamentos, reacções. Portanto a avaliação é equacionada em constantes reformulações. Pode-se dizer que a História da Arte se denuncia através da história do desenho. Os paradigmas modificam-se levando ao acto de repensar a forma de utilizar esta linguagem, acção, ou serão os questionamentos experienciados pelo seu exercício que condicionam a alteração dos modelos?

Pelas palavras de Tony Godfrey: « These changes are difficult to gauge precisely: they are obviously not merely technical (the use of felt-tipped pens), nor merely stylistic (the recent prevalence of long, loopy lines), but, more significantly they are responses to problems in culture at large. »1

Contribuindo e, paralelamente a estas alterações, encontra-se o ambiente externo ao mundo da arte e a movimentação do artista no mesmo.

São variadas as recorrências e os apontamentos a preocupações de âmbitos diferentes. Os autores sempre conceberam interpretações de alguma coisa. Para a percepção da obra de arte contemporânea revela-se essencial o conhecimento do seu contexto. Na actualidade o discurso artístico não é unica- mente da ordem do sensível, motivo pelo qual o fosso entre a arte e o público não instruído, neste campo, é tão grande. A apreensão da obra não pode ser feita sem apoio por parte de um léxico, de outra ordem que não a meramente visual. A tarefa artísti- ca de auto-sublimação do Homem vai implicar uma reflexão sobre questões do foro mais transcendental procurando uma articulação com o tipo de lingua- gem expressiva utilizada.

Defronte das dificuldades comunicativas da arte, a crítica de arte vai procurar funcionar como veículo interpretativo, fornecendo hipóteses de decifra- ção ao observador. No entanto a leitura não será atingida como se duma tradução se tratasse, tal o grau de complexidade das componentes envolvidas.

Na elaboração da obra e no discurso sobre a mesma muitos problemas se levantam. A obra rege-se se- gundo um código específico e a teoria procura qualificar e dizer o indizível. Ambas tarefas árduas. O acto de dese- nhar conjuga atitudes contraditórias, de alheamento e de intimidade, como refere o artista inglês Ian McKeever:

«One is using an activity that is full of contradic- tions, in that like a Mirror, a drawing allows aliena- tion and intimacy to co-exist.»2

Claudia Betti e Teel Sale dizem-nos que o desenho tem uma componente democrática, pois pela sua simplicidade e humildade, é acessível a toda a gente. Segundo as autoras, a sua avaliação, no entanto, não é feita através do seu grau de aces- sibilidade, mas pela sua intimidade e potenciali- dade para trabalhar ideias. A isto chamam “visual thinking”. A chamada “literacia visual” provém da prática de fazer e observar o meio gráfico3. A crítica vai ter também um papel de avaliação sobre a obra. Para tal procura observar através duma decomposição assente numa série de facto- res. Na actualidade cumpre um papel que finaliza a obra. Sem um discurso com coerência histórica e estética não seria possível legitimar a manifesta- ção artística, ou antes, ela não seria considerada artística. Tendo estes factos como dados assentes, parece-nos importante apontar as ditas considera- ções críticas. São realizadas apreciações que carac- terizam a obra em função do seu contexto histórico. A comparação existe relativamente às alterações histórico-sociais e às possibilidades oferecidas por cada época, o que aconteceu antes e, no caso de haver distanciamento suficiente, que influências provocou. Outra perspectiva pode ocorrer através duma apresentação da obra de modo a facilitar o acesso ao seu conteúdo. Resultado dum estudo crítico sobre determinado objecto é emitido um juízo de valor proveniente de um conjunto de reflexões e argumentos. Será este entendimento que permitirá, ou não, validar o feito e determinar o seu nível de pertinência. A linguagem crítica pode, também, aclarar aspectos que possam não ser de percepção imediata. Uma vez esclarecida a função da crítica e identificada a sua responsabilidade revela-se

importante ressalvar a sua responsabilidade ética, no sentido de serem evitados comprometimentos condicionadores.

O desenho é a técnica que permite uma maior rapi- dez na transferência do impulso criativo mental para o papel. Ele materializa o que era da ordem do mental. O acto físico pode constituir-se de modo premeditado ou enquanto experiência processual compositora sem planeamento. Neste último caso a obra constrói-se ao ritmo da acção de desenhar. O desenho possui a capacidade de servir situações de maior controlo e outras, onde o acaso é o prin- cipal interveniente. Entre estes pólos principais existe uma variedade de gradações que enriquecem o potencial do desenho. Na actualidade a importân- cia do desenho consiste também na preferência da parte dos autores contemporâneos por determina- dos media, e ainda pela quantidade e variedade de tipologias adoptadas.

As suas características frágeis são motivo da sua fraca perenidade. O papel, enquanto suporte do de- senho mais comum, é sensível à luz, logo não resiste à erosão do tempo.

É acima de tudo a primeira marca humana, regis- ta a permanência do gesto. O desenho é comum e acessível a todos: «It is accessible to everyone; it is literally at the tips of your fingers.»4

Seja qual for o momento histórico em que nos encontremos, ou o grau de evolução tecnológica, ele nunca deixa de ser a forma de expressão que permite maior flexibilidade. O desenho convoca sentimentos primordiais que testemunham a rela- ção entre o Homem e o espaço apelando ao carácter metafísico da criação.

«It is possible to envision a time when there wasn’t oil painting (before the fifteenth century), or vi- deo art (before 1964), but drawing seems to have been with us always. »5 Revela-se assim enquanto primeiro contacto entre o Homem e o suporte. Testemunha a existência do corpo físico deste e as relações exteriores que estabelece.

Desde a segunda metade do séc. XX foram surgindo determinadas perspectivas teóricas que vieram acompanhar o desenvolvimento da expressão grá- 2 Ibidem, p. 17.

3 BETTI, Claudia e Sale, Teel, Drawing: A Contemporary Approach, 4th ed. , Wadsworth, 2003, p. 4. 4 Ibidem, p. 33.

fica. Cada uma delas veio contribuir para a amplifi- cação do conceito de desenho. Cada uma enalteceu certas particularidades em detrimento de outras. Em 1976, no MOMA, realizou-se a exposição Dra-

wing Now, enquadrada por Bernice Rose. A abor-

dagem da autora ao desenho fala do ponto de vista da criação. Todo o discurso teórico assenta numa perspectiva cronológica – de uma vertente mais autográfica a uma vertente mais conceptual. O desenho foi caracterizado como media principal de expressão. Em comunhão com a sua alegação, em Nova Iorque realizaram-se as exposições: American

Drawing: 1963–73, no Whitney Museum of Ameri-

can Art e Twentieth-Century American Drawing:

Three Avant-Garde Generation, em 1976 no Solo-

mon R. Guggenheim Museum. A ocorrência destas exposições quase em simultâneo veio demonstrar um esforço institucional para salvaguardar a produção gráfica e demarcar a sua presença futura. Contudo, nesta situação, os artistas apresentados eram aqueles já firmados no campo artístico, não se arriscando ainda a presença de jovens autores. Constatamos que o desenho tem vindo a ser obser- vado de pontos de vista diferentes que vêm contri- buir para a atenção sobre o assunto ser constante- mente retocada. Aos poucos deixou de ser um servo de outras áreas para passar a ser considerado por si só. Acompanhando esta emergência multiplicaram- -se os escritos. A nossa intenção sequente passa pela abordagem das leituras, a considerar mais rele- vantes, para a afirmação do desenho contemporâneo. Na maioria dos casos serão assinaladas exposições, eventos ou publicações fundamentais para o estudo do tema. Este processo de estudo visa a justificação cronológica e ideológica do modo como se foi dando a conquista do lugar que hoje ocupa.

4.1.2