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Pesquisas brasileiras a partir das teorias de gênero

Segundo Rojo (2005), no Brasil, desde 1995, o campo da Linguística

Aplicada11 tem dado atenção às teorias de gênero (de textos/do discurso), especialmente ao

ensino de línguas estrangeiras e materna. A partir de um levantamento baseado em teorias de gênero de extração francófona e apresentado em julho de 2000 no XV Encontro Nacional da ANPOLL sobre trabalhos do Programa de Pós-Graduação da LAEL/PUC-SP, a autora afirma que é possível “dividir esses trabalhos em duas vertentes metateoricamente diferentes”, às quais denominou como “teoria de gêneros do discurso ou discursivos e

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O autor se refere a: GEE, J. P. 1996. Social Linguistics and Literacies: Ideology in Discourses. 2nd edition. London:Falmer.

10 Tradução livre minha: “Compreender letramentos a partir de uma perspectiva sociocultural significa que a

leitura e a escrita apenas podem ser entendidas no contexto das práticas sociais, culturais, políticas, econômicas, históricas (...) das quais fazem parte. Esse ponto de vista está no cerne do que Gee (1996) chama de “novos” estudos do letramento, ou estudos do letramento social. (...) não há leitura ou escrita em qualquer sentido significativo de cada um desses dois termos fora da prática social.”

11 Na presente tese, o interesse pelos estudos sobre gêneros está principalmente em pesquisas da Linguística

Aplicada, mas, como afirma Bhatia (2001:1), “o interesse pela teoria dos gêneros e suas aplicações não se restringe mais a um grupo específico de pesquisadores de uma área em particular ou de um setor qualquer do globo terrestre, mas cresceu a ponto de assumir uma relevância muito mais ampla do que jamais foi imaginado”.

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teoria de texto ou textuais” (p. 185). Segundo a autora, ambas as vertentes apoiam-se em diferentes releituras das publicações de Bakhtin: a primeira centra-se principalmente no “estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio- históricos”; a segunda focaliza a descrição da materialidade textual, ou seja, centra-se na “descrição da composição e da materialidade linguística dos textos no gênero”. (op. cit.). De acordo com a autora:

(...) embora os trabalhos adotassem vias metodológicas diversas para o tratamento dos gêneros – uns mais centrados, como vimos, na descrição das situações de enunciação em seus aspectos sócio-históricos; outros, sobre a descrição da composição e da materialidade lingüística dos textos no gênero –, todos acabavam por fazer descrições de “gêneros”, de enunciados ou de textos pertencentes ao gênero. Entretanto, para fazê-lo, adotavam também procedimentos diversos e, logo, recorriam a diferentes autores e conceitos para a seleção de suas categorias de análise. Os trabalhos que estou classificando como adotando uma Teoria de Gêneros de Texto tinham tendência a recorrer a um plano descritivo intermediário – equivalente à estrutura ou forma composicional – que trabalha com noções herdadas da Lingüística Textual (tipos, protótipos,

seqüências típicas etc.) e que integrariam a composição dos textos do gênero. A

outra vertente, a dos Gêneros Discursivos, tendia a selecionar os aspectos da materialidade lingüística determinados pelos parâmetros da situação de enunciação – sem a pretensão de esgotar a descrição dos aspectos lingüísticos ou textuais, mas apenas ressaltando as “marcas lingüísticas” que decorriam de/produziam significações e temas relevantes no discurso. Com isso, para fazê- lo, tinha tendência a recorrer a um conjunto de autores e conceitos variados de base enunciativa.

(ROJO, 2005:185-186; grifos em itálico da autora)

Esse levantamento foi feito sobre um total de 95 trabalhos com base teórica nos estudos de gêneros e, destes, 64 eram dedicados ao campo da “linguagem na educação” propondo discussões sobre:

a) práticas escolares;

b) formação de professores;

c) práticas de letramento e

d) avaliação ou elaboração de materiais didáticos.

Segundo Bunzen (2009), as pesquisas brasileiras se inseriram em três escolas que defendem um trabalho baseado na Teoria de Gêneros para o ensino de língua materna:

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a Escola de Sydney, a Escola de Genebra e a Escola Norte-Americana. Motta-Roth (2008), entretanto, baseando-se em Bathia (2008), também considera a Escola Britânica de ESP (English for Specific Purposes). A partir de referenciais teóricos diferentes, essas escolas delinearam o enquadramento dos estudos brasileiros com base em teorias de gênero e, de

modo sucinto, poderíamos destacar as seguintes características12 de cada uma delas:

1. Escola de Sydney: nas décadas de 1970 e 80 e baseada em postulados da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) propostos por Halliday, buscou realizar estudos sobre sociologia da educação e práticas de letramento escolar principalmente em escolas primárias e secundárias australianas. Segundo Bunzen (op. cit.), estudos partiam de projetos de aplicação de LSF em contextos educacionais e tinham como foco muitos textos produzidos por crianças em diversas disciplinas, os quais, ao longo de sete anos, foram analisados e categorizados segundo seus propósitos comunicativos e com base em diferenças léxico-gramaticais e escolhas semântico-discursivas. A proposta era um ensino explícito dos gêneros e suas características textuais e linguísticas.

2. Escola Suíça ou Escola de Genebra: a partir da década de 1980 e de estudiosos como Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e A. Pasquier, desenvolveu pesquisas sobre a constituição do interacionismo sócio-discursivo e sua aplicação no ensino de francês com língua materna. O foco dessas pesquisas está nos textos como unidades de análise segundo uma perspectiva sócio-interacionista, ou seja, considerando a seleção e o tratamento dos textos utilizados na escola para a “socialização do aluno” (BRONCKART, 1991). É uma perspectiva fortemente ligada ao interacionismo psicológico de Vygostsky e, assim, irá trabalhar com a noção de gênero de texto segundo o princípio de que os gêneros são

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instrumentos/ferramentas para a comunicação e o desenvolvimento de funções cognitivas dos alunos e sua participação em diversas atividades. 3. Escola Americana ou Nova Retórica: está representada nos trabalhos de

pesquisadores norte-americanos e canadenses como Caroline Miller, Charles Bazerman, Aviva Freedman, Anne Freadman, Peter Medway, Richard Coe e Russel Hunt. Seu foco recai sobre as inter-relações existentes entre o texto e o contexto, assim como considera o gênero a partir de seu caráter dinâmico e instável.

4. Escola Britânica de ESP (English for Specific Purposes): representada pelos trabalhos de Swales e Bhatia, tornou-se um dos modelos dominantes de ensino de produção textual no Reino Unido. Através da análise de gêneros proposta por Swales, busca desenvolver o ensino de inglês com foco na organização retórica dos tipos de textos, suas propriedades formais e seus objetivos comunicativos, considerando a aprendizagem a partir do contexto de práticas específicas de trabalho.

Segundo Motta-Roth (2008:345), as “pesquisas desenvolvidas no Brasil na década de 90 identificam-se em grande escala com essas quatro escolas e originam um pensamento voltado para as práticas pedagógicas de linguagem”. A partir dessas quatro escolas, temos um arcabouço teórico que, como a autora ressalta, servirá, por exemplo, de base para políticas públicas como os PCNs, cuja influência procede do Interacionismo Sócio-Discursivo (ISD) e da teorização de Mikhail Bakhtin, ou para reformas curriculares, como a do Curso de Letras-Inglês da UFSM que, em 2004, baseou-se na sociorretórica americana e na linguística sistêmico-funcional australiana.

Essas tendências das pesquisas brasileiras com base nas teorias de gênero são marcadas, em âmbito nacional, pelo surgimento de eventos acadêmicos voltados para a apresentação e discussão de estudos teóricos e aplicados sobre gêneros textuais e

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discursivos13 e segundo diferentes vertentes teóricas, como é o caso do I Simpósio

Internacional de Linguística Contrastiva e Gêneros Textuais (I SILIC & GET), um dos eventos pioneiros com o objetivo de reunir pesquisadores do Brasil e de outros países. Realizado em 2003, na Universidade Estadual de Londrina, esse simpósio é considerado a primeira edição do que hoje chamamos SIGET (Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais). A partir de 2005, em sua 3ª edição e realizado em Santa Maria, Rio Grande do Sul, no campus da Universidade Federal de Santa Maria, passou a ser um evento internacional organizado a cada dois anos.

1.4 SIGETs e pesquisas sobre escrita acadêmica, gêneros acadêmicos, letramentos