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2.3 Crise Financeira: Causas e Consequências

2.3.1 Pesquisas sobre as Consequências de Crises

Ao examinar a relevância do valor dos lucros e o valor contábil em quatro países na Ásia, Indonésia, Coréia do Sul, Malásia e Tailândia, no período em torno da crise financeira asiática (1996-1997), a partir de dados da Datastream, Davis-Friday, Eng e Liu (2006) encontraram indícios de que a crise financeira (dummy para o ano de 1997) e o valor contábil negativo e o lucro negativo estão associados à menor relevância do valor contábil do PL e dos lucros.

Ao incluírem uma variável de indicador de crise financeira, interações da crise financeira com o valor contábil do PL e com os lucros, interação de um indicador de valor contábil negativo com o valor contábil do PL, e a interação de um indicador de lucro negativo com lucro na análise da relevância do valor, os resultados indicaram que os coeficientes nas interações são significativamente negativos. Seria esperado que a incidência de valor contábil do PL negativo e lucro negativo estivesse correlacionada com a crise financeira. Em suma, os resultados refletiram que a crise reduziu os valores de mercado em geral (DAVIS-FRIDAY; ENG; LIU, 2006).

Rosner (2003) procurou estudar se empresas (excluídos setores regulados e de serviços financeiros) em dificuldades exibiam sinais de manipulação nos relatórios financeiros antes da falência mais do que empresas saudáveis, baseado em dados das bases Compact DSEC Disclosure, Lexis/Nexis e Compustat, entre 1985 e 1997. Ela relata que as empresas que se tornam falidas ex post, mas não parecem sob stress ex ante, usam técnicas de GR que aumentam a renda reportada, elevando a magnitude dos accruals em anos que antecederam a falência em comparação com empresas saudáveis.

Chen, Chen e Huang (2010) examinarem o comportamento de gerenciamento de resultados de empresas listadas em dificuldades financeiras na China para o período 2002-2006, e constataram que essas empresas empregam técnicas de GR para aumentar lucros para evitar uma ameaça de exclusão de seu registro na Bolsa chinesa e um monitoramento especial por parte do governo, além de identificarem que setores menos regulados tem uma maior motivação para se envolver em GR do que setores altamente regulados.

Ao analisar mais de 50 países que estariam em recessão em 2009 (países com taxas reais de crescimento do PIB negativas), Claessens et al. (2010), consideram que, semelhante à uma epidemia, os países que tiveram vínculos mais próximos com o sistema financeiro dos EUA ou exposição direta a títulos lastreados em ativos foram os primeiros a serem afetados; os países com vulnerabilidades domésticas, que exibiam características como rápido crescimento do crédito e alta alavancagem, bolhas de preços de ativos e grandes desequilíbrios em conta corrente, foram os mais gravemente afetados; e países que tinham mais espaço para intervenção política conseguiram se recuperar relativamente mais cedo e mais rapidamente do que outros.

Habib, Bhuiyan e Islam (2013) examinaram empiricamente as práticas de gerenciamento de resultados gerenciais de empresas com dificuldades financeiras com ações

na bolsa de valores da Nova Zelândia entre 2000 e 2011, e se essas práticas mudaram durante a recente crise financeira global (CFG), fornecendo evidências de que as empresas com dificuldades financeiras manipulam os lucros para baixo, e essa associação não é alterada significativamente durante o período da CFG. Durante o período sem crise o mercado considera os accruals discricionários informativos, mas durante o período de crise, o mercado parece perceber os DA como oportunista e atribui menos peso a esse componente dos lucros.

Em pesquisa sobre o impacto da crise econômica sobre o conteúdo informacional das informações contábeis baseadas em IAS-IFRS, no contexto francês que adotou as IAS-IFRS desde 2005, Boumediene, Nafti e Boumediene (2014) buscaram analisar a relação entre accruals discricionários e dados contábeis e financeiros publicados por 220 empresas listadas no mercado de ações francês num período pré-crise 2006-2007 e pós-crise 2009-2010-2011, a partir de dados em painel com efeitos fixos e análise de correlação.

Os resultados indicam que antes da crise, a adoção das IAS-IFRS afetava negativamente a relação entre o rendimento e a proporção do giro de ativos das empresas. O que pode ser explicado por investimentos significativos, com o aumento tanto no valor dos ativos quanto das despesas comerciais, o que resultou em uma redução significativa no lucro operacional dessas empresas no decorrer da transição para os padrões internacionais. Após a crise, as empresas procuraram vender mais a crédito para aumentar suas receitas e reduzir sua dívida de curto prazo para manter o mesmo nível de desempenho, lucros e dividendos. Por fim, o nível informacional (R²) das variáveis contábeis diminuiu de 35,51% do yield pré-crise, para 15,82% pós-crise (BOUMEDIENE; NAFTI; BOUMEDIENE, 2014).

A crise financeira teve consequências significativas no nível de atividade econômica. Filip e Raffournier (2014) relatam que, apesar da diminuição do gerenciamento de resultados observada ao analisar a União Europeia (UE) como um todo, nem todos os países mostram a mesma tendência. De fato, eles encontraram um aumento no GR somente na Áustria, Bélgica, França, Noruega e Portugal.

Por seu turno, o trabalho de Persakis (2018) investigou a influência da crise financeira de 2008 sobre o custo do capital, a qualidade da auditoria e a qualidade dos lucros, em empresas de capital aberto em 34 países avançados, de acordo com o nível de proteção do investidor, com apoio de dados obtidos das bases Datastream, the Euro Stat, WorldBank, World Economic Forum e Osiris, para os anos de 2005 a 2012. Dentre os resultados destaca-se que durante a crise financeira, a qualidade dos lucros é reduzida, e que a deterioração na qualidade dos lucros

parece ser mais severa entre o grupo de países com normas de proteção do acionista de nível médio ou fraco.

Como forma de lidar com a recessão, os gestores têm um incentivo para escolher um conservadorismo mais agressivo, diminuir a previsibilidade de lucros e contabilizar mais accruals. Ao passo que a qualidade da auditoria é menor durante a crise financeira em todos os grupos e a crise financeira de 2008 teve impacto positivo no custo de capital próprio e no custo da dívida (PERSAKIS, 2018).

Ao analisar o gerenciamento de resultado nas empresas abertas com ações nas bolsas de valores dos países do G20 durante os eventos de crises financeiras entre 2001 e 2014, com dados da Eikon®, Menezes Junior (2017) investigou a reversão dos accruals discricionários, ou seja, de elementos das contas de resultado, utilizados no cálculo do lucro líquido, mas que não resultam em movimentação de disponibilidades e que são utilizados com objetivo de deslocar resultados de um período para outro e que em algum momento serão revertidos.

Dentre os achados, os países do G20, quando analisados em conjunto, incorreram em aumentos nos seus níveis de accruals discricionários (proxy para o gerenciamento de resultado) durante períodos de crise financeira. E que o nível de GR’ dos países emergentes é maior do que quando comparados a países avançados, fruto possivelmente do maior conservadorismo das empresas do bloco das economias avançadas e um menor nível de proteção dos acionistas comum aos países emergentes (MENEZES JUNIOR, 2017).

No contexto brasileiro, Costa, Reis e Teixeira (2012) examinaram a relevância da informação contábil das empresas listadas na BM&FBovespa, em períodos de crises financeiras (1997-99, 2002 e 2007-08) em relação ao lucro líquido e ao patrimônio líquido por meio de dados em painel no período entre 1997 e 2010, com dados da Economatica®. As evidências apontam que as crises afetam, positivamente, a relevância do patrimônio líquido e, negativamente, a do lucro líquido.

Também, Figlioli, Lemes e Lima (2017) investigaram a relação entre os níveis de sincronicidade das ações negociadas no mercado à vista da bolsa de valores brasileira [B]3 e o processo de convergência para as IFRS no Brasil, com dados da Economatica®, entre 2005 e 2015. O termo sincronicidade mede a amplitude em que informações específicas da empresa e de mercado estão refletidas nos preços das ações. O valor econômico de uma empresa será melhor refletido nos preços das ações, quanto mais conteúdo informacional advir de

informações específicas das empresas (maior sincronicidade), do que de informações do mercado. Ao testarem períodos de crise financeira, 2008-2009 (crise mundial) e 2014-2015 (crise nacional), há evidências de redução da relevância da informação contábil, mesmo após a adoção dos padrões internacionais de contabilidade.