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3 TEATRO: AMOR E FRACASSO

3.1 PIRANDELLO ENCENADOR

Eu me transformei na marionete da minha paixão: o teatro. Luigi Pirandello263 Pirandello dirigiu o Teatro de Arte de Roma entre 1925 a 1928. Como diretor artístico, e encenador, de uma companhia privada, o dramaturgo estreitou seus laços com o fenômeno cênico e com a práxis concreta do fazer teatral. Roberto Alonge analisa sua dramaturgia sob dois grandes períodos: antes e depois de suas experiências com o Teatro de

Arte. O crítico ainda observa que a última estação pirandelliana é a mais atenta, a mais sensível às exigências da cena. Como exemplo, a questão do espaço: não se tem mais aquele salão compacto e plenamente iluminado das peças precedentes, mas um novo salão, inesperado, com ângulos de luz e jogos de claro-escuro264. Claro que Sei personaggi já tinha significado uma revolução formal do gênero, pois pela primeira vez um texto teatral foi concebido como matéria de reflexão sobre as características, limites e significados da cena teatral265. Com a fórmula do “teatro no teatro”, o dramaturgo não só formaliza sua

262 Luigi Pirandello, Escritos sobre teatro, in Ensayos, op. cit., p. 284. 263 En confidence, in Le Temps, Paris, 20 de julho de 1925.

264 Cf Roberto Alonge, Introduzione, in Pirandello, il meglio del teatro, op. cit., p. XXIV.

265 A comédia estreou no Teatro Valle de Roma, em maio de 1921, pela companhia de Dario Niccodemi, e

não obteve sucesso, muito pelo contrário. O primeiro e o segundo ato não foram tão mal, apesar dos sinais de incômodo da platéia. Agora, com o final do terceiro uma verdadeira batalha explodiu entre o público, “talvez a mais violenta de que se lembra o Valle”, anotava um crítico. De um lado, uma minoria de satisfeitos, de outro uma grande massa de espectadores que, vaiavam, gritavam em coro: “manicômio, manicômio!”. Apesar disto, o sucesso de Sei personaggi in cerca d’autore seria confirmado alguns meses depois pelo público milanês, em 27 de setembro no Teatro Manzoni. Após a turbulenta estréia, o texto se difundiu pela Europa e

condenação ao mundo teatral como também, ao transformar esta operação em uma representação teatral que se desenvolve concretamente no palco, em frente aos olhos do público, propõe algumas coincidências que colocam em risco a convencional fronteira entre

teatro e vida, transbordando assim os limites entre realidade e ficção. O lugar imaginado pelo texto e o lugar real, o palco onde se desenrola a ação, são idênticos. A peça descreve uma representação teatral que se desenvolve no teatro, e é no teatro que esta ação será representada. E, principalmente, os atores possuem a mesma identidade do eu espetacular: os atores representam a si mesmos, isto é, representam atores. Em princípio nada muito diferente de todo teatro que se utiliza desta fórmula. Porém, em Pirandello, existe um dado a mais que se pode extrair para além do artifício dramatúrgico, e que o aproxima das vanguardas, como também das propostas do Teatro Novo266.

Enquanto o texto proclama a existência de uma fratura inconciliável entre o mundo fantástico da arte e o mundo real da cena, com uma perda irreparável da potencialidade e da qualidade do primeiro, se este vem a ser representado sobre o palco, sua estrutura indica instigantes pontos de contato e de fusão entre estes dois mundos: entre o teatro e a cena imaginada pelo autor. Esta tensão interna, entre o texto e o procedimento pelos Estados Unidos. Mas assim mesmo não deixou de sofrer perseguições. Em Londres, novembro de 1922, a peça estreou em um clube privado porque o Lorde Chamberlain vetou sua execução pública por considerar a história escabrosa. Em dezembro estreou em Nova York, no Fulton Theatre. Mas foi em abril de 1923 que a peça conquistou Paris, graças a memorável encenação de Georges Pitoëf. (in Claudio Vicentini, Pirandello, il

disagio del teatro, op. cit., p. 70).

266 A aproximação entre teatro e vida, que está na base das vanguardas do início do século XX, repousa sobre

dois principais pontos: negação de um teatro concebido só como ficção e como representação; negação da divisão clara entre atores e espectadores. Marco de Marinis propõe nomear o conjunto de experiências e propostas teatrais que surgiram nos Estados Unidos e na Europa entre 1947 e 1970, em oposição ao teatro oficial e institucionalizado, como “Teatro Novo”. A defesa do termo, em substituição aos de uso mais freqüente como “teatro experimental” ou “teatro de vanguarda”, explica, corre em duas vias: primeiro porque o termo, em relação aos outros, é menos condicionado ideologicamente e, em segundo lugar, seu uso se deu naturalmente entre os homens da prática teatral. O novo, neste caso, significa a linha de orientação totalmente inédita que fenômenos como o happening ou os espetáculos do Living Theatre, nos anos sessenta, introduziram no horizonte teatral. A busca de novas alternativas tanto no plano da linguagem, das formas e dos estilos, como, e principalmente, no plano da produção, culminou em um processo radical de

desteatralização teatral. A aproximação entre teatro e vida, que está na base das vanguardas ao início do século XX, se radicaliza com as experiências de vanguarda do segundo pós-guerra: ator e personagem se mesclam em uma espécie de presença que torna o personagem tão real quanto o primeiro. O ator, dentro deste processo de criação, cria uma alteridade (personagem) tão forte e “real” que atinge (por contágio) de modo profundo o público. A distinção entre vida e ficção fica muito tênue, o espectador acaba por vivenciar uma possível identidade entre o criador e a criatura. (Cf Marco de Marinis, El nuevo teatro, 1947-1970, Barcelona, Paidós Ibérica, 1988).

dramatúrgico, indica, ainda que de forma embrionária, já que o dramaturgo não visualizava um modelo alternativo ao paradigma do dramático, um possível ponto de contato entre o universo material da realidade do palco (o teatro) e o reino da arte (vida superior): a sobreposição do palco imaginário com o palco real, e com atores que se auto-representam, é uma tentativa, sem dúvida nenhuma, de aproximar teatro e vida. Mas que tipo de vida seria esta? De maneira nenhuma se trata da vida cotidiana ou da realidade social, totalmente condenável como inautêntica, pouco sincera e artificial; a realidade superior, de que fala Pirandello, são as máscaras teatrais, isto é, os personagens do drama. O teatro pode coincidir com o mundo imaginado pelo autor, quando, por um prodígio, conseguir ser vida, isto é, quando se projetar como espaço-tempo da autenticidade e da sinceridade, desmascarando com sua verdade as mentiras do dia-a-dia. Esta “revelação” se anuncia com a chegada dos seis personagens. Contrapondo sua “realidade superior” com a vida cotidiana, com o espetáculo da aparência, eles fazem cair, mesmo que temporariamente, as máscaras da hipocrisia, revelando assim a “verdade” do indivíduo ou da comunidade que eles fazem parte; que no caso de Sei personaggi se trata da própria comunidade teatral.

Com Sei personaggi, analisa Vicentini, a dificuldade do dramaturgo em aceitar o teatro toma um novo rumo. A peça se transforma numa espécie de “manifesto” do teatro pirandelliano: a condenação do mundo material da cena e dos atores, traduzida em texto teatral, liberta o dramaturgo para a atividade dramatúrgica. Ao mesmo tempo em que se apresenta como uma paradoxal justificativa de si mesmo, a obra testemunha a aceitação do próprio Pirandello em relação à contradição que percorre sua atividade de dramaturgo. Esta contradição interna constitui o caráter único e exclusivo de seu teatro, é aquilo que lhe determina as características. O desenvolvimento desta concepção de teatro, de um teatro que pode “coincidir” com aquela realidade autêntica que existe no mundo imaginado, e que na vida real nos é negada, o levará em direção a uma visão do teatro enquanto espaço- tempo sacro; onde I giganti della montagna parece ser o êxito final deste percurso (visão que o aproxima de Antonin Artaud267). O fato é que depois de Sei personaggi Pirandello termina por se render ao ambíguo fascínio do mundo teatral:

267 Em maio de 1923, no número 24 da revista La Criée, Antonin Artaud publica sua crítica ao espetáculo Sei

Em 1921 escreve Enrico IV, depois Vestire gli ignudi e La vita che ti diedi, [...]. Em 1923 termina Ciascuno a suo modo. E em abril do ano consecutivo, sua rendição ao mundo do teatro, ao ambíguo fascínio pelos instrumentos “materiais” da cena, parece completa: Entrevistado em Milão, durante os ensaios da peça, divulga sua intenção em se colocar à frente de uma empresa teatral, um “teatro de arte”, onde se ocupará não apenas da escolha do repertório, mas também da encenação e da direção dos atores268.

A idéia de fundar uma Companhia estável em Roma não foi propriamente sua, mas de seu filho Stefano Landi, Orio Vergani e de outros jovens intelectuais; entre os quais Massimo Bontempelli e Corrado Alvaro. O projeto teatro d’eccezione (como foi chamado inicialmente), idealizado em outubro de 1923, objetivava ser um celeiro para jovens autores e diretores teatrais. Era uma nova tipologia de companhia teatral que se firmava na época: guiadas por um dramaturgo-encenador, estas companhias contrastavam com o tipo dominante no panorama teatral italiano: companhias teatrais nômades e centralizadas na figura do ator. Fundar um teatro de arte também não foi uma idéia pioneira, em quase todas as capitais da Europa já se encontrava bastante difundido esse tipo de atividade, e a Itália começava a dar seus primeiros passos em direção a esta nova tendência do teatro europeu269. Convocado a aderir ao projeto, Pirandello não só irá patrociná-lo, como também se empenhará pessoalmente na fundação e na direção artística do novíssimo Teatro

de Arte. Em 1925 declara: “Para mim não foi suficiente escrever peças de teatro, fazendo-as serem representadas. Hoje sou diretor e encenador de uma Companhia dramática. Os senhores devem acreditar, ainda que seja absurdo”270. Por que absurdo? Precisamente porque Pirandello sempre sustentou em seus argumentos teóricos que o teatro não seria nada mais do que uma ilustração do texto dramático, e que o ator, por sua vez, seria um parece mais pertinente ao entendimento da “visão” pirandelliana do teatro como vida (ainda que por uma via negativa de rejeição ao teatro – que na verdade era o teatro de sua época). A contraposição entre os Atores e os Personagens pareceu a Artaud como o desencontro entre, de um lado, um teatro, que se propõe o falso problema de “reteatralizar o teatro”, contaminando-o com a vida cotidiana, e, do outro, um teatro que se confronta com o problema real de “reencontrar” a vida, mas não a vida no teatro, e sim a vida do teatro (Cf Franco Ruffini, Pirandello e Artaud. Una nota, in La passione teatrale, Roma, Bulzoni, 1997).

268 Claudio Vicentini, Pirandello, il disagio del teatro, op. cit., p. 71.

269 As primeiras realizações de um teatro de arte na Itália ocorreram em Bolonha, com o Teatro Sperimentale;

em Milão, com a Sala Azzurra dos Tumiati e a Piccola Canobbiana; em Roma, com Independenti de Bragaglia, Teatro di Villa Ferrari e o Teatro Moderno de Mario Cortesi.

270 Luigi Piradello, En confidence, in Le Temps, Paris, 20 de julho de 1925. Reportado por Alessandro

D’Amico e Alessandro Tinterri, Pirandello capocomico: La compagnia del Teatro d’Arte di Roma, 1925-

terceiro elemento incômodo, infelizmente indispensável, entre o poeta e o público. Então, porque se envolver tão de perto com o fenômeno cênico, fundando uma companhia teatral? Talvez para dar às suas obras uma “concepção” cênica mais próxima possível da autoral, já que o autor sempre deixou muito claro o seu descontentamento em relação ao teatro de sua época.

Em uma entrevista ao jornal L’Impero no dia 11 de abril de 1925, Pirandello declara que ele mesmo pretende encenar com sua companhia boa parte de suas peças, inclusive àquelas que ainda não tinham sido montadas, para que finalmente entendessem como ele desejaria que elas fossem representadas271. Mas, muito mais do que se “rebelar” contra a má interpretação de suas obras, suas atividades no Teatro de Arte foram uma escola para o dramaturgo. O dia-a-dia do palco, o convívio diário com cenógrafos, eletricistas, técnicos e atores, deram ao escritor uma maior consciência cênica. Como observa Alonge, a superação dos velhos preconceitos não foi para Pirandello algo espontâneo ou tumultuadamente imediato, foi o fruto de um crescimento intelectual relativamente lento, correspondente ao amadurecimento de uma prática profissional. Sobre este ponto escreve Leonardo Bragaglia:

Além de se rebelar contra os arbítrios de algumas encenações das próprias peças, pelas quais Luigi Pirandello, com o “Teatro de Arte de Roma”, se inventou “teatrólogo militante”, encenador, dramaturgo e Poeta de Companhia, ele adquiriu consciência – noite após noite – da absoluta autonomia do Teatro, da Obra de Arte no Teatro, “que não é mais o trabalho de um escritor, que se pode sempre salvaguardar do resto, mas um ato de vida a se criar, instante por instante, com a adesão do público que se deve alegrar”272.

Com o Teatro de Arte, o Maestro deu os primeiros passos em direção ao entendimento da especificidade do fenômeno teatral: um “ato de vida”, conclui Pirandello, construído diante do público e que está muito além da página escrita273. Conclusões que jamais seriam possíveis se o dramaturgo permanecesse “do lado de fora” do mundo do

271 Cf Alessandro D’Amico e Alessandro Tinterri, Pirandello capocomico: La compagnia del Teatro d’Arte di

Roma, 1925-1928, Palermo, Sellerio, 1987.

272 Cf Leonardo Bragaglia, Carteggio Pirandello-Ruggeri, Fano, Biblioteca Comunale Federiciana, 1987, p.

51. As cartas selecionadas correspondem aos anos de 1932 a 1936 (a última parte do texto entre aspas é uma citação de Pirandello). A declaração de Pirandello do teatro como “ato de vida” comparece na sua introdução ao La storia del teatro italiano de Silvio D’Amico (Milano, Bompiano, 1936, p. 26).

273 Esta sua opinião, do teatro como “ato de vida” se manifesta de forma prática na peça Ciascuno a suo

palco. Foi necessário experimentar a função de encenador e de diretor de uma companhia teatral para Pirandello ver o teatro como arte, como espaço de criação artística, e abandonar o preconceito que lhe fazia enxergar o teatro como um mero mundo postiço e convencional pelo qual a obra dramática perderia inevitavelmente sua “verdade ideal e superior”. Alonge observa que apesar de não ter conseguido, objetivamente, se transformar em um verdadeiro homem de teatro, passando definitivamente de dramaturgo a encenador, sua experiência (quase três anos e meio à frente de uma companhia de teatro) foi capital para mudanças em sua linguagem dramatúrgica, pois o que se verifica nesta dramaturgia tardia é a “imersão surpreendente, mas tonificante no mundo da cena, na materialidade do fazer teatral274”. O

Teatro de Arte foi sem nenhuma dúvida a mola propulsora para o dramaturgo buscar novas formas de escritura:

A dedicação na direção acelera a educação teatral de Pirandello e o impele, de um lado, em direção às conclusões que a vanguarda européia já havia chegado há muito tempo, e, de outro lado, incide duravelmente sobre toda a sua produção posterior, inclusive sobre aquela que parece distante dos movimentos da trilogia e inclusive nos textos que parecem – erradamente ou com razão – mais sensíveis a um retorno aos módulos tradicionais da dramaturgia275.

Em setembro de 1924 o Teatro Odescalchi em Roma torna-se disponível para abrigar a companhia de Pirandello. Vittorio Podrecca (dono do Odescalchi) decide transferir sua companhia para o exterior: um acordo estabelecido entre Vergani e Romano Fidora (sócio de Podrecca) fará do teatro a futura sede do Teatro de Arte. Em sua primeira entrevista como diretor de uma companhia teatral, em novembro de 1924, o dramaturgo anuncia que o diferencial de sua companhia em relação aos outros teatros de arte com proposta também experimental, se comparado especialmente ao Indipendenti de Bragaglia (ativo desde janeiro), seria o cuidado com a produção e a preparação artística de cada peça. Segundo o Maestro, cada espetáculo seria trabalhado em sua particularidade artística e técnica (cenografia, iluminação, figurino, e por ai vai); a companhia seria formada por um elenco numeroso (quatro primeiras atrizes, três primeiros atores), justamente para facilitar na escolha do ator mais apropriado ao papel. Sobre a preparação dos atores, Pirandello pretendia realizar um maior número de ensaios à mesa, sua idéia era proporcionar uma

274 Roberto Alonge, Pirandello, op. cit., p. 76. 275 Ibidem, p. 77.

maior familiaridade do ator com o texto e assim dispensar a presença do ponto. Como se pode notar, desde o início do projeto se vê, além da preocupação com o repertório e com a excelência da produção artística, uma expectativa quanto à interpretação dos atores. Este é o primeiro sintoma de uma tomada de consciência (que irá aumentar cada vez mais) sobre a importância do ator para a produção de sentido de uma obra teatral.

Em relação à composição do elenco, em fevereiro de 1925 a companhia já estava praticamente completa: Lamberto Picasso (primeiro ator), Lia Di Lorenzo (partes primárias), Gino Cervi (primeiro ator jovem), Jone Morino (primeira atriz jovem), Maria Morino (atriz jovem), Enzo Biliotti (brilhante), Egisto Olivieri (característico). No entanto, para a primeira atriz Pirandello ainda não tinha um nome certo, ele perambulava entre os nomes de Helena Wnorowska (que atuou na companhia apenas na peça Il calzolaio di

Messina de De Stefani), Maria Laetitia Celli (co-fundadora e sócia do Teatro de Arte) e Emma Gramatica. No último momento chega de Milão a notícia do sucesso de uma jovem atriz, Marta Abba. Sem nem mesmo conhecê-la Pirandello encarrega Guido Salvini de contratá-la como primeira atriz de sua companhia. A estréia de Marta Abba no Teatro de

Arte foi em 22 de abril de 1925 com a peça Nostra Dea de Bontempelli. Um clamoroso sucesso que por várias vezes entrou em cartaz no Odescalchi. Até o fim de sua vida Pirandello irá receber muita influência de Marta Abba, inspiração de sua última estação dramatúrgica. Para Marta, mais ainda do que foi para outros atores da companhia, como Picasso, Marchi, Salvini, trabalhar com Pirandello foi uma etapa fundamental e decisiva na sua carreira artística. Sobre a atriz e sua relação com o Maestro dedicamos os capítulos quatro e cinco da tese.

Como diretor do Teatro de Arte, coube a Pirandello a escolha do repertório, a direção geral das montagens teatrais e a escolha do pessoal artístico: cenógrafos, iluminadores, elenco. Para a primeira temporada Pirandello previu um repertório constituído de 20-25 peças inéditas: “de muitos jovens italianos, de alguns jovens expressionistas alemães; entre os franceses, Vildrac e Romains. Um ou dois húngaros, um ou dois pós-bolchevistas”276. Como se vê, um repertório eclético, constituído com obras de

276 Luigi Pirandello in Alessandro D’Amico e Alessandro Tinterri, Pirandello capocomico: La compagnia del

autores italianos e estrangeiros277. No entanto, com a montagem de Sei personaggi em 1925, encenação de Pirandello para a turnê de Londres e Paris, se processa uma mudança radical em relação ao repertório da companhia278. Se até aquele momento o Maestro permanecera fiel ao projeto inicial de encenar textos de outros autores, um pedido explícito feito pelo empresário inglês Cochran lhe obriga a mudar seus propósitos e a preparar rapidamente um programa exclusivamente pirandelliano. Para a primeira turnê internacional, foram apresentados os seguintes textos de Pirandello: Sei personaggi,

Henrique IV, Così è (se vi pare), Il piacere dell’onestà. Alessandro Tinterri observa que se inicialmente esta mudança foi uma condição imposta, logo se transformou numa tendência. Registra-se que em três anos de atividade o Teatro de Arte realizou 770 representações pirandellianas contra 210 de outros autores, um número que não deixa dúvidas quanto às modificações operadas sobre o projeto original idealizado por Orio Vergani e Stefano Landi.

Quanto a sua arquitetura, o Teatro Odescalchi de Roma foi totalmente reformado e reestruturado por Virgilio Marchi para ser a sede do Teatro de Arte. O projeto de Marchi, que já tinha em seu currículo a criação da Casa d’Arte Bragaglia e o anexo

Teatro degli Indipendenti, era bem diferente do clima vanguardista exigido por Bragaglia. Pirandello não queria um teatro “experimental” e tampouco “desalinhado”, mas sim uma sala aconchegante, funcional, bem aparelhada. Em harmonia com o clima de oficialidade

277 Sobre a escolha do repertório do Teatro de Arte consultar: Alessandro Tinterri, Autori italiani e stranieri

nelle scelte di Pirandello capocomico (1925-1928), in Pirandello e la drammaturgia tra le due guerre, Agrigento, Centro nazionale studi pirandelliani, 1985, pp. 61-77; Claudio Vicentini, il repertorio di

Pirandello capocomico e l’ultima stagione della sua drammaturgia, in Pirandello e la drammaturgia tra le

due guerre, Agrigento, Centro nazionale studi pirandelliani, 1985, pp. 79-98.