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Pistas de fronteiras de sintagma fonológico (ϕ)

No documento carolinagarciadecarvalhosilva (páginas 41-46)

2 PROSÓDIA E PROCESSAMENTO LINGUÍSTICO

2.4 PROSÓDIA E PROCESSAMENTO: EVIDÊNCIAS EXPERIMENTAIS

2.4.2 Pistas de fronteiras de sintagma fonológico (ϕ)

O sintagma fonológico é um constituinte prosódico que estabelece uma relação estreita com o componente sintático. As informações prosódicas nesse domínio são relevantes tanto para a segmentação do fluxo da fala quanto na percepção e na compreensão dos enunciados (GOUT & CHRISTOPHE, 2006; MILLOTTE et al., 2007).

Com o objetivo de verificar como a sensibilidade às pistas prosódicas pode restringir o processamento sintático de sentenças, Millotte et al. (2007) investigaram se, em situações de ambiguidade lexical temporária no francês, em que palavras homófonas pertenciam a categorias lexicais diferentes (V e Adj), a fronteira de sintagma fonológico restringiria a análise sintática. Primeiramente, foram criados pares de sentenças como:

V - [J’ai vraiment l’impression]φ [que les pommes]φ [durent plus longtemps]φ [que les bananes]φ14;

Adj - [J’ai vraiment l’impression]φ [que les pommes dures]φ [font des meilleures tartes]φ.15

Os pesquisadores analisaram acusticamente as sentenças e encontraram diferenças significativas para a f0 e a duração nos finais de fronteira de sintagma fonológico. Posteriormente, cortaram as sentenças, de tal modo que os estímulos auditivos terminassem na palavra ambígua (durent/dures – V: duram; Adj: duras).

Os autores utilizaram a técnica off-line de completar sentenças, a fim de verificar se as diferenças acústicas seriam identificadas pelos falantes, restringindo a análise sintática do termo ambíguo. Os participantes ouviam o início da sentença e posteriormente escreviam a continuação da sentença. A partir das respostas escritas, os pesquisadores computaram o número de respostas que mostravam a identificação da palavra ambígua como Adj ou como V. Na condição “Prosódia Adj”, os participantes deram um número maior de respostas indicando a identificação da palavra ambígua como adjetivo. De igual modo, na condição “Prosódia V”, os participantes deram um número maior de respostas indicando a identificação da palavra ambígua como verbo. Ou seja, os sujeitos interpretaram a palavra ambígua como pertencentes à categoria V ou à categoria Adj em função apenas das pistas prosódicas. Portanto, tais resultados sugerem que as pistas prosódicas foram usadas pelos falantes na “desambiguação” das categorias lexicais V e Adj.

Millote et al. (2008) ampliaram o estudo anterior, apresentando resultados de dois experimentos. Foi abordado o mesmo tipo de ambiguidade com as categorias Adj e V: [le petit chien mort]φ (o pequeno cão morto) e [le petit chien]φ [mord] (o pequeno cão morde). As sentenças foram gravadas por um falante treinado, sendo cada uma lida com dois tipos de prosódia: maximamente informativa (realçada) e minimamente informativa (o mais neutra possível). No experimento (1), assim como em Millote et al. (2007), foi utilizada a técnica de completar sentenças. Igualmente ao resultado encontrado no trabalho anterior, verificou-se que os participantes deram um número maior de respostas indicando a identificação da palavra ambígua como adjetivo na condição “Prosódia Adj” e verbo na condição “Prosódia V”, nos dois tipos de prosódia (minimamente informativa e maximamente informativa). Além

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“Eu realmente tenho a impressão de que as maçãs duram mais tempo que as bananas.” 15

disso, constatou-se um efeito também significativo dos dois tipos de prosódia, i.e., houve um número de “acertos” comparativamente maior quando a prosódia era maximamente informativa.

No experimento (2), utilizou-se a tarefa on-line de detecção de palavra16, com vistas a investigar o potencial das fronteiras de sintagma fonológico durante a análise sintática. Foram utilizados os mesmos pares de sentenças do experimento anterior, gravados com prosódia minimamente informativa e maximamente informativa. Para cada par, foram criadas sentenças controle, sem ambiguidade. Para cada item de uma dada condição (tipo de prosódia), o participante ouvia as quatro frases (duas ambíguas e duas controle):

Sentenças com verbo:

Ambígua: Le petit chien mord la laisse qui le retient.17

Controle: Parfois on se mord la langue quand on mange trop vite.18

Sentenças com adjetivo:

Ambígua: Le petit chien mort sera enterré demain.19

Controle: Maintenant qu’il est mort, les batailles d’héritage vont commencer.20

Além das frases controle, havia também pares de sentenças distratoras, com substantivos. A tarefa do participante consistia em detectar, durante a escuta da frase, a palavra informada previamente. Era esclarecido a cada sujeito que a palavra seria dada de modo abstrato: o verbo seria apresentado na forma infinitiva (mordre) e poderia aparecer na frase de forma conjugada. Os adjetivos eram apresentados em pequenas sentenças (il est mort). Os tempos de reposta foram medidos a partir do onset da palavra alvo. A análise dos tempos de reação mostrou, segundo os autores, que os ouvintes foram capazes de decidir se a palavra era um verbo ou um adjetivo, mesmo antes de ouvir o restante da frase, sobretudo quando a prosódia era maximamente informativa.

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Mais especificamente, Millote et al. (2008) denominam a técnica experimental de “detecção de palavra abstrata”, pois a palavra-alvo a ser detectada pelo participante era apresentada de modo diferente da que aparecia no estímulo, conforme será explicado mais adiante na descrição do experimento.

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“O pequeno cão morde a coleira que ele retém.” 18

“Às vezes, morde-se a língua quando se come muito rápido.” 19

“O pequeno cão morto será enterrado amanhã.” 20

Em síntese, nos trabalhos de Millote et al. (2007; 2008), os ouvintes foram capazes de diferenciar as duas estruturas, tendo como pista apenas a prosódia. Além disso, o efeito do tipo de prosódia foi relevante, ou seja, a taxa de “desambiguação” foi maior na condição de prosódia maximamente informativa, o que evidencia o papel crucial da prosódia no processamento.

Com base na pesquisa de Millote e colaboradores (2007), propusemos, em trabalhos anteriores, experimentos no PB (SILVA, 2009; SILVA & NAME, 2011), partindo da hipótese de que o contorno prosódico facilitaria a identificação da categoria do elemento ambíguo. Foram desenvolvidas duas atividades experimentais a fim de se cumprirem dois objetivos principais. O primeiro objetivo foi verificar as diferenças acústicas que sinalizavam diferentes estruturas prosódicas em situações de ambiguidade lexical e o segundo, buscar evidências que sustentassem a hipótese de que as pistas prosódicas encontradas nestas situações seriam fortes o suficiente para guiarem o processamento sintático e permitirem a identificação das categorias V e Adj.

Foram criadas sentenças com palavras ambíguas na condição Adj – [a menina limpa]φ – e na condição V – [a menina]φ [limpa...]. Deste modo, havia duas possíveis posições para a fronteira de sintagma fonológico: depois da palavra ambígua (na primeira condição) e antes da palavra ambígua (na segunda condição).

No experimento (1), após a análise da gravação de sentenças feita por 10 participantes, verificaram-se diferenças acústicas entre as duas condições nas fronteiras de sintagma fonológico. Mediram-se os valores da duração, da frequência fundamental e da intensidade nos finais das fronteiras prosódicas. A análise destes valores revelou que há diferenças prosódicas que sinalizam a existência de fronteira de sintagma fonológico. Além disso, verificou-se que as categorias lexicais N, V e Adj têm comportamentos distintos na estrutura prosódica. No experimento (2), diferentemente do de Millote et al. (2007), os sujeitos deveriam completar a sentença oralmente, e não por escrito, imediatamente após ouvirem o preâmbulo. Os resultados sugerem que, dependendo apenas do contexto prosódico, os participantes foram capazes de identificar as categorias sintáticas dos elementos ambíguos a partir da escuta dos preâmbulos gravados no experimento (1).

Tomados em conjunto, os resultados apresentados nesta seção 2.4 sugerem que tanto as fronteiras de sintagma fonológico quanto as de sintagma entoacional parecem ser pistas relevantes para o processamento sintático. Defende-se, portanto, que a prosódia forneceria pistas possíveis para a construção da árvore sintática.

Entretanto, o que diferencia esta tese dos demais trabalhos que também discutem essa questão? Nos estudos que partem da análise de sentenças como as de Millote et al. (2007) ou ainda de sentenças clássicas Garden Path, nas quais o ponto de ambiguidade está no meio das frases, pode-se pensar em uma explicação alternativa para o processamento: duas estruturas em paralelo são motivadas sintaticamente, com a informação prosódica inibindo uma das duas - mas não seria possível defender que a prosódia estaria, desde o início da sentença, acessível ao parser para a construção da árvore sintática. Por outro lado, no processamento das frases com oposição entre as estruturas de Tópico e de SVO, objetos de estudo desta tese, não seria possível haver duas estruturas em paralelo, uma vez que a informação prosódica precisa ser usada imediatamente no início do processamento. Porém, antes de apresentarmos especificamente os experimentos desenvolvidos nesta tese, surge uma questão: como seria possível incluir a interface prosódia-sintaxe no curso do processamento sintático? Para responder a tal pergunta, selecionamos três modelos teóricos, que serão apresentados no próximo capítulo, com diferentes abordagens sobre o papel da prosódia no curso do processamento linguístico.

No documento carolinagarciadecarvalhosilva (páginas 41-46)