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Planeamento operacional em companhias de transporte público

Programação integrada de veículos e motoristas: uma visão geral

2.1 Planeamento operacional em companhias de transporte público

De acordo com Manheim (1980) um sistema de transportes é composto pelos passageiros e bens a serem transportados, pelos veículos que efectuam estes deslocamentos e pela rede de infra-estrutura de transportes que permite a operação do sistema. Nesse contexto, a Engenharia de Transportes prima por planear, projectar, construir, operar, manter e gerenciar sistemas de transportes.

O transporte urbano refere-se ao transporte realizado nas cidades ou em áreas metropolitanas, seja ele de passageiros ou de cargas. Já o transporte público diz respeito ao transporte de passageiros, o qual geralmente é organizado em linhas regulares, com rotas e horários pré-estabelecidos.

O planeamento dos transportes públicos é composto pelas seguintes principais etapas (SOUSA et al., 2000; DIAS et al., 2001; CEDER, 2002): definição da rede de transportes, definição da tabela de horários, afectação dos veículos às viagens e afectação das tripulações aos veículos. Weider (2007) divide o planeamento dos transportes públicos em duas grandes fases: o planeamento estratégico, que compreende o projecto da rede de transportes, o planeamento das linhas e a definição da tabela de horários; e o planeamento operacional, o qual consiste na programação dos veículos, na afectação de serviços e na rotação das tripulações. Na Figura 2, é ilustrado, de forma esquemática, o processo de planeamento de transportes públicos.

Figura 2: O processo de planeamento de transportes públicos.

O projecto da rede consiste na definição das rotas a serem seguidas pelos veículos, de forma a satisfazer uma procura prognosticada. O planeamento das linhas

Projecto da rede de transportes Planeamento das linhas Planeamento das paragens Definição da tabela de horários Planeamento das viaturas Planeamento das tripulações Rotação das tripulações

consiste na definição das rotas entre pontos de origem-destino para satisfazer a procura estipulada, assim como as freqüências associadas a cada rota. O planeamento das paragens consiste na determinação de pontos intermédios, nos quais os passageiros irão embarcar e desembarcar nos veículos. A definição da tabela de horários vai transformar rotas, freqüências e a topologia da rede em viagens. O planeamento das viaturas consiste na afectação de veículos às viagens definidas na tabela de horários. O planeamento das tripulações ou dos motoristas consiste na afectação de tripulantes aos veículos que irão efectuar as viagens planeadas, gerando um conjunto de serviços. Por fim, o planeamento das rotações das tripulações consiste na determinação do plano de trabalho de cada tripulante ao longo de um período, seja uma semana ou um mês de trabalho, por exemplo.

Estes problemas são de natureza diferente, visto que o planeamento das linhas, das paragens e a definição da tabela de horário são problemas em um nível estratégico e a programação dos serviços de viaturas e tripulações, bem como as rotações, são problemas em um nível operacional.

Apesar do processo apresentado na Figura 2 ser sequencial, o planeamento de sistemas de transportes públicos possui retro-alimentações (feedbacks) entre cada elo e os demais, pois todas estas etapas estão interligadas, umas mais fortemente do que outras. Deste modo, torna-se importante efectuar um planeamento integrado de todas estas etapas, com vistas a obter um sistema de transportes mais eficaz e eficiente.

Ceder (2002) destaca os seguintes dados a serem levantados, no que se refere ao planeamento operacional de transportes públicos:

 Topologia da rede de atendimento: (i) número de rotas; (ii) nós, paragens e tempos em uma rota; (iii) padrões (sequências de nós em uma rota).

As rotas (linhas) consistem em itinerários efectuados pelas viaturas. O tempo decorrido entre o início e o término de uma viagem é denotado tempo de ciclo. Uma rede de transportes possui diversos pontos de interface com a procura, tais como as paragens ou as estações. A sequência de nós em uma rota envolvem tanto as paragens quanto as estações.

 Procura de passageiros e nível de serviço: (i) carregamentos de passageiros entre dois pontos adjacentes em uma rota; (ii) número desejado de passageiros a bordo do veículo em trânsito; (iii) política de freqüência dos veículos.

A quantidade de passageiros entre dois nós adjacentes em uma rota é um indicador da qualidade do serviço prestado. Outro indicador de nível de serviço é o headway, o qual consiste na freqüência do serviço oferecido, ou seja, no tempo decorrido entra a passagem de dois veículos da mesma rota em um dado nó da rede de transportes.

 Características dos veículos: (i) tipo de veículo; (ii) capacidade do veículo; (iii) tempo de viagem do veículo entre pontos notáveis de uma rota.

As viaturas podem ser de diversos tipos, com características distintas, tais como dimensões, capacidade, velocidade ou combustível requerido para operação. Cada tipo de veículo possui um tempo de autonomia, no qual pode operar sem a necessidade de reabastecimento.

 Características das viagens: (i) tempos de escalas (layovers) máximos e mínimos; (ii) tolerâncias nas partidas das viagens (atraso de partida máximo e adiantamento de partida máximo).

Em sistemas de transporte público, um layover representa a paragem de um motorista e/ou veículo no fim de uma viagem antes da operação da rota reversa ou da próxima viagem. Podem ser estipulados valores máximos e mínimos para a duração dos layovers, bem como podem ser tolerados atrasos ou adiantamentos.

 Informações sobre viagens em vazio (deadheads): (i) nome e localização das garagens; (ii) lista dos locais de início e término das viagens; (iii) tempos de viagens em vazio a partir da garagem para os locais de início das viagens (pull-

outs); (iv) tempos de viagens em vazio dos locais de término das viagens para a garagem (pull-ins); (v) matriz de tempos de viagens em vazio entre todas as origens e destinos das viagens.

As viagens podem ser classificadas como produtivas, quando os veículos efectuam o transporte de passageiros, ou improdutivas, caso contrário.

 Informações sobre pontos de rendição: (i) localização dos pontos de rendição; (ii) tempos de viagens entre os pontos de rendição.

Um ponto de rendição é um local no qual pode a ocorrer a troca de motoristas, na execução de um serviço. A rendição pode ocorrer no início de uma viagem, ou, em alguns casos, durante a mesma.

 Restrições nos serviços de pessoal tripulante: (i) tipo de serviço; (ii) duração do serviço; (iii) número de mudanças de veículo em um serviço (changeovers); (iv) intervalos para refeição; (v) composição do serviço; (vi) outras regras de regime de trabalho.

Cada empresa de transportes públicos pode permitir a ocorrência de diferentes tipos de serviços. Por exemplo, podem-se permitir serviços contínuos (sem interrupções) ou serviços com paragens. Uma questão importante no que se refere aos tipos de serviços se refere à jornada de trabalho. Geralmente as legislações laborais impõem que, quando a duração de um serviço excede a um dado valor padrão de jornada de trabalho, o funcionário seja remunerado com horas de trabalho extraordinário. A legislação trabalhista também impõe, de forma usual, que o funcionário tenha direito a um intervalo para refeição, não remunerado, durante a sua jornada de trabalho.

 Prioridade de tripulantes e regras de rotação: (i) lista dos tripulantes por nome e tipo; (ii) prioridade do tripulante ou regras de igualdade; (iii) descrição da jornada de trabalho.

A rotação (rostering) se refere ao planeamento das actividades dos tripulantes durante um determinado período. Trata-se de um problema mais amplo do que o

crew scheduling.

Huisman (2004) analisa as diferenças entre planeamento de transportes públicos de autocarros, aviões e comboios e conclui que o planeamento de autocarros e aviões tem o mesmo grau de dificuldade, enquanto que o planeamento do transporte ferroviário é muito mais complexo do que as demais modalidades de transporte mencionadas. A complexidade do planeamento do transporte ferroviário diz respeito às restrições operacionais dos veículos, que dificultam sua programação.

É importante salientar que cada uma destas componentes do processo de planeamento operacional de sistemas de transportes públicos é extremamente complexo. Diante deste facto, considerar todas as etapas em um processo de planeamento integrado

tornaria tal prática praticamente inviável. Portanto, o planeador deve sempre gerir o

trade-off entre os ganhos de efectividade advindos da integração e a complexidade do sistema a ser planeado.

No que concerne à afectação de veículos e de tripulantes, a prática recente tem demonstrado os ganhos ao se considerar uma abordagem integrada. Na secção 2.3 do presente Capítulo serão detalhados os benefícios desta abordagem.

Ceder (2001) apresenta uma metodologia para integrar, de forma eficiente, a definição das tabelas de horário e a programação dos veículos. No estudo citado, a geração de tabelas de horários de modo a impor uma correspondência do tempo de partida das viaturas com a procura por parte dos passageiros, pode implicar na redução dos recursos de frota empregados.

Tendo em vista que decisões estratégicas envolvem outro nível de recursos, é muito difícil realizar modificações da rede de transportes de um sistema de transportes públicos, pois tal procedimento envolve custos com remoção e/ou adição de paragens, alteração de tabelas de horários, construção de novas facilidades e elaboração de campanhas publicitárias para informação dos passageiros sobre as mudanças.

Deste modo, a retro-alimentação entre os planeamentos operacional e estratégico de sistemas de transporte público é bastante restrita sob o ponto de vista prático. As possibilidades de integração residem na sua realização no início da concepção do sistema de transporte ou em um processo contínuo de retro-alimentação no planeamento das etapas do planeamento operacional.

As programações de veículos e de pessoal tripulantes são alvos de inúmeras investigações devido à potencialidade de redução de custos advinda de sua optimização (DADUNA e PAIXÃO, 1995; WREN e ROSSEAU, 1995, FRELING et al., 2003; WEIDER, 2007). A seguir, estes dois problemas serão analisados isoladamente, como introdução ao processo de suas integrações.