• Nenhum resultado encontrado

2.2 MODELOS E ESCALAS NO DEBATE DO DESENVOLVIMENTO

2.2.2 Planejamento, localismos e escalas

A crise de superprodução de 1929 e a Segunda Guerra Mundial mostraram inúmeras debilidades de organização e de coordenação dos mercados. Os esforços de planejamento e de enfrentamento de guerra, assim como a crise vivida no momento anterior, são peças chave. Com isso, economia e tecnologia passam a ser os eixos da intervenção desse período.

Diferentemente das políticas públicas que se conhecem hoje – tratadas de forma sistêmica pelo Estado – e mesmo no início do século XX, foram mantidas a ordem e a normalidade para os fins comerciais. Apenas em períodos de guerra é que os esforços eram feitos a fim de alocar recursos direcionados para vencer as batalhas e garantir a vitória fomentando principalmente a indústria bélica.

Uma das grandes questões para essa política é a alocação de recursos que consigam ser usados de forma eficiente e para o bem-estar social. Enquanto no período liberal se colocava que o melhor alocador de recursos é o mercado; no pós- guerra, essa lógica se inverteu e o Estado passou a ser o centro. No mundo, havia se desenvolvido a guerra fria, com grandes planos de financiamento dos países derrotados na guerra. Com isso, as teorias keynesianas organizaram grande parte do mundo capitalista. Por sua vez, sem um grande plano de investimento massivo, o terceiro mundo teve de buscar os seus caminhos.

As principais teses que resultaram numa série de políticas para os países subdesenvolvidos foram as de Raúl Prebisch (2000) e de Hans Singer (1950), que apresentaram de forma independente um novo modelo do comércio internacional que contrariava aqueles que orientavam as políticas públicas na época. Os autores, a partir de evidências empíricas, apontavam que o valor das commodities tendia a cair com referência aos preços dos produtos industrializados, ou seja, existe uma tendência de longo prazo que faz com que países dependentes de produtos primários e de baixo valor agregado tenham uma deterioração dos meios de troca transferindo renda para os países detentores de alta tecnologia e manufatura. Nessa direção, todos os países que eram enclaves de economia primária ou industrialização tardia viam a necessidade de dar esse salto por meio da industrialização de seus países. Na América Latina, isso não seria diferente.

Por mais que governos como os de Cárdenas, no México; de Getúlio, no Brasil; e de Perón, na Argentina tenham avançado nos processos de industrialização

42

e de mudança na cadeia produtiva de seus países, é na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) que a prática ganha mais elaboração política e escopo de uma teoria para o desenvolvimento. O eixo inicial do órgão das Nações Unidas busca potencializar o processo de industrialização a partir da substituição de importações, sendo central para superar o subdesenvolvimento e mudar o país (ARBIX, 2007). Por sua vez, a baixa produtividade e o acúmulo de terras e rendas na América Latina eram resultantes de uma reprodução sistemática das elites. Para os Cepalinos, era fundamental a intervenção do Estado a fim de realocar os recursos de forma que gerasse uma relação positiva entre aumento de produtividade e combate às desigualdades.

Nos Estados Unidos, a revolução keynesiana tocada por Roosevelt encontrou uma grande onda de mobilizações populares. Na região, movimentos feministas, pacifistas e sindicais explodiram, com destaque para o movimento dos Direitos Civis. Toda essa mobilização culminou em diversos programas sociais e de assistência que ficaram conhecidos como Guerra à Pobreza, lema lançado pelo Presidente Lyndon Johnson. A estruturação da vida social e o conjunto de direitos sociais, civis e políticos conquistados naquele momento também fizeram com que aumentasse a taxa de impostos e o Estado organizasse diversas esferas da vida.

No Brasil, esse debate ultrapassou a discussão da divisão internacional do trabalho analisando as desigualdades regionais como problema estrutural. Nesse contexto, o Nordeste, como região problema, foi alvo de estudo e de políticas. O Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), coordenado por Celso Furtado, elaborou o principal documento que busca trabalhar de forma distinta a região. Desenvolvimento industrial, migrações, questão fundiária, entre outros elementos, passaram a fazer parte das alternativas apresentadas pelo estudo. O reflexo deste trabalho foi a criação da Superintendência e Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, em 1959.

A partir da década de 1970, esse modelo de desenvolvimento fordista e planificado entra em crise devido a fatores como: queda da democracia em diversos países na América Latina, novos modelos de produção fortalecendo os países asiáticos no mercado internacional, vários choques no preço do petróleo e aumento dos impostos que reduziam a margem de ganho das empresas para manter um conjunto de direitos sociais do Estado de bem-estar social. Ademais, inflação e desemprego são elementos que corroboram a crise. Com isso, os ideólogos liberais

43

voltam à cena questionando a capacidade do Estado em alocar recursos e o debate sobre a reforma do Estado tem início. No lugar de guerra à pobreza, entra a discussão sobre enxugamento dos gastos, eficácia e eficiência. Assim, muitos dos serviços públicos passam a ser geridos pela iniciativa privada, quando não são privatizados, e o papel do Estado é apenas o de regular a partir de algumas agências.

A crise no modelo de acumulação, seja pela entrada do Japão, seja pelo surgimento dos Tigres Asiáticos, seja pelo choque no preço dos petróleos, tem como principal crítica o modelo planificado de organização do fordismo que impactava na organização da sociedade e do trabalho. Em contraposição a essa forma, surge uma mais flexível, tendo o toyotismo e o modelo japonês como grandes exemplos de reestruturação produtiva e retomada dos ganhos de produção, eficiência e lucro.

Dentre os trabalhos que se destacam nessa área, está Piore e Sabel (1984), que vão estudar como alguns distritos industriais e a conformação de clusters de produção reinventaram a indústria italiana no final da década de 1970 e no início dos 1980. A construção do ideário flexível vem com os arranjos locais. Com isso, fábricas com especialidades diferentes se completam e se tornam competitivas no mercado internacional. Nesse sentido, o Estado nacional perde proeminência no desenvolvimento e a combinação do comércio internacional além dos arranjos produtivos passa a dar a toada na economia.

Ademais, a ideia de toda a macroeconomia estar submetida à regulação dos mercados, sem intervenção qualitativa, faz com que o centro do desenvolvimento perpasse pela microeconomia; e o desenvolvimento, pela capacidade de criar vantagens comparativas locais. Nesse caso, os clusters e as novas formas de gestão do processo de produção e logística entram como elementos importantes a ser explorados.

Para além de mudanças nos modelos organizacionais e dos estudos de aprendizagem territorial, há um elemento que passa a ser central a fim de explicar aqueles que fogem da economia: a ideia de “Capital Social”. Um dos percursores da ideia é Putnam (2002), que vai também ter como foco a Itália moderna, analisando as experiências de desenvolvimento vitoriosas que não poderiam ser explicadas por fatores econômicos. Nesse sentido, o acúmulo de confiança e de solidariedade numa determinada comunidade se transforma em tradição cívica e bem comum.

O impacto das ideias de Putnam (2002) foi tão forte que, quase como de forma normativa, inúmeros estudos sempre remetiam o sucesso de determinados espaços

44

à ideia de bem comum e de capital social. A forma normativa, à qual se referiam os estudos da localidade, passa a buscar elementos que reafirmavam a tese de Putnam de modo aleatório, muitas vezes, sem tomar as especificidades locais. No caso desta tese, a construção de redes e as relações sociais serão chave, menos pela forma normativa como apontam esses estudos e mais para a construção das liberdades substantivas, como se pretende apresentar no tópico seguinte.

A ideia de clusters locais com eficiência produtiva (PIORE; SABEL, 1984) ou cidades mundiais (SASSEN, 1991) são tipos de debates que buscam mostrar como um conjunto de serviços e de empresas, quando próximos territorialmente ou encontrados em grandes metrópoles, cria externalidades e interdependências positivas. O centro não reside mais nas formas de construção e na regulação do mercado nacional, mas em elementos que potencializam a criação de desenvolvimento local e em sua relação quase sem mediação com os mercados globais. É nessa direção que o neoliberalismo entra no debate da globalização.

No que diz respeito à crise nos emergentes, esta se inicia em 1997 e se estende até 2001 na Argentina. Depois da crise internacional de 2008, esses modelos passaram a ser questionados. Nesse processo, a necessidade de regulação dos mercados financeiros e o questionamento da macroeconomia liberal, construída desde a década de 1980, entram em choque e outros modelos passam a ser pensados. A esse respeito, Brandão (2007) recupera o debate de território e crescimento e procura avançar para além dos localismos. Desse modo, o autor propõe que o modelo de desenvolvimento tem de se propor ao debate, não a partir de um único ponto, mas por meio de escalas articuladas, em âmbito local, regional, nacional e internacional. Nesse sentido, o trabalho de Brandão é uma importante inspiração para este estudo. Políticas e programas nacionais e regionais são fundamentais para o desenvolvimento, mas, geridos sem importantes articulações locais por meio de controle social e de decisão, podem, muitas vezes, reproduzir lógicas anteriormente estabelecidas.

Assim como Brandão (2007), outro texto de referência que inspirou a construção das questões desta pesquisa é Autonomia e Parceria, de Peter Evans (2001). Nesse livro, o autor busca compreender o papel do Estado como fomentador do desenvolvimento econômico, em especial, de países industrializados recentemente, como Brasil, Índia e Coreia do Sul. O autor busca compreender a relação entre Estados e sociedade e como ela contribui para o desenvolvimento.

45

Considera-se, assim, que é exatamente a relação entre eles que vai demonstrar as formas distintas da evolução das regiões estudadas. Tratando-se de espaços similares, ambos do semiárido do RN, muitas variáveis são isoladas.

Ademais, Evans (2001) evita entrar na falsa discussão da quantidade de intervenção a ser realizada pelo Estado, nesse caso, pretende analisar a qualidade. Sob essa ótica, as características não são definidas de forma abstrata, pelo contrário, têm a ver com pelo menos dois conjuntos de fenômenos em suas manifestações particulares, quer contextuais, quer históricas: o primeiro são as formas como foram construídas suas estruturas e burocracias; o segundo, suas relações “políticas” com a sociedade, ou seja, o modo como se dava a interação com os outros grupos de interesse. Assim, sua tese é a de que o encontro de uma burocracia com o ethos profissional de determinados grupos de interesse pode levar à ignição de processos bem-sucedidos de desenvolvimento. Logo, para esse autor, as trajetórias de desenvolvimento nunca são neutras; elas sempre ocasionam processos de redistribuição de poder econômico e político, de recursos de bem-estar, dos produtos do próprio desenvolvimento, em última instância.

O trabalho de Evans (2001) foi fundamental para o desenho e os apontamentos desta pesquisa. Assim, passamos a considerar algumas dimensões do problema, tais como: a análise dos aspectos institucionais, legais, regulatórios e organizacionais relativos aos territórios estudados que incentivam ou bloqueiam a implementação de novas agendas de desenvolvimento; a relação dos atores (estatais, cooperativas, associações, políticos e empresários); e a identificação dos seus interesses e suas capacidades de conduzir a política nesses espaços.

Desses elementos de síntese, há conceitos chave para trabalhar a investigação de forma a construir ferramentas analíticas capazes de atuar sobre as regiões a ser estudadas. O primeiro consiste nas diferentes escalas para se pensar os processos de transformação, que serão desenvolvidos mais adiante, como elementos do urbano, do rural e redes; e o segundo diz respeito às instituições como elementos que condicionam histórica e socialmente a interação e o espaço em que se vive, que se desenvolverá mais adiante na última parte da seção. O último debate sobre desenvolvimento tratará das especificidades de urbano-rural, como nas pequenas cidades, além da apresentação da tese do desenvolvimento como liberdade do Amartya Sen (2010).

46