• Nenhum resultado encontrado

Planejamento tributário e a organização sintática e semântica do discurso.

CAPÍTULO 2. Código e enciclopédia.

4.4. Planejamento tributário e a organização sintática e semântica do discurso.

Chamemos de planejamento tributário a ordenação da atividade econômica do contribuinte com a finalidade precípua de reduzir a carga tributária incidente. Como tal, ela pressupõe a intelecção das fontes jurídicas pelo particular – tanto de Direito Tributário como também das normas que regram os aspectos constitutivos do negócio jurídico – na projeção de hipóteses futuras em que serão vislumbrados diversos cenários para a realização do ato econômico pretendido.

O planejamento tributário funda-se nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade econômica próprios da ordem constitucional vigente no país. Através desses princípios, o particular pode organizar sua atividade econômica da forma que melhor lhe aprouver para a consecução dos seus objetivos negociais.

Não é objetivo do presente trabalho deter-se na demonstração dos fundamentos da autonomia da vontade, vez que o planejamento tributário aqui está sendo tomado num aspecto lingüístico, isto é, interessa-nos demonstrar como através dele o particular trabalha os textos legais, interpretando-os para a projeção de hipóteses futuras a partir das quais será concretizado o ato econômico pretendido.76

Da mesma forma, não nos parece necessária a formulação de um direito do contribuinte ao planejamento fiscal, na medida em que ele será tomado aqui como conduta do

76 Para uma exposição a respeito dos fundamentos da autonomia da vontade no planejamento tributário, Cf.

particular, que poderá resultar ou não, de acordo com exame posterior da autoridade fazendária, na incidência da hipótese contida na norma tributária.77

De uma forma geral, a doutrina tende a conceber o planejamento tributário como meio para a lícita economia de tributos, contraposta à organização cujo resultado foi posteriormente qualificado como ilícito. Entretanto, para este estudo essa distinção não se apresenta interessante porque em ambos os casos, a atividade do contribuinte perfaz-se da mesma maneira, residindo sua distinção somente no momento da qualificação do resultado alcançado, posterior e distinto do planejamento.

O planejamento tributário possui um duplo aspecto (TORRES, Heleno, 2003:175): ele pode ser analisado como procedimento, ou seja, como atos organizados que objetivam a redução da carga tributária sobre o negócio jurídico; e como produto, cujo resultado é efetivamente a concretização do ato planejado pelo particular. Interessa-nos, no momento, analisar o planejamento tributário sob o seu primeiro aspecto, isto é, concebendo-o como um processo.

Como processo, o planejamento tributário pressupõe a interpretação, pelo contribuinte, das fontes jurídicas necessárias à organização de seu negócio jurídico. É etapa que precede a realização do ato jurídico pelo contribuinte e que, portanto, ainda não é capaz de operar efeitos78, salvo se for revestido formalmente de consulta à autoridade fazendária, hipótese em que, ao provocar a prévia manifestação do Estado a respeito da matéria submetida, produzirá efeitos.79É evidente que, numa análise mais apurada, podemos afirmar que não é o

77 A mesma qualificação do planejamento tributário foi proposta por PEREIRA, César A. Guimarães (2001:16). 78 Da mesma forma, dispõe TORRES, Heleno (2003:177) “Em outras palavras, impende confirmar a

circunstância concreta do negócio jurídico visado pelas partes, para que se possa falar de licitude ou ilicitude do planejado, motivo pelo qual não é cabível qualquer espécie de preconceito a priori sobre o que seja veiculado como conteúdo de planejamento tributário.”

79 Tome-se o exemplo da legislação do Estado de Pernambuco (art. 60 da Lei Estadual n. 10.654), que prevê a

formulação de consultas pelo contribuinte à autoridade fazendária, com a geração de efeitos jurídicos, inclusive da suspensão da exigibilidade da obrigação tributária durante o prazo de seu processamento.

planejamento tributário como etapa precedente à concretização do negócio jurídico que está produzindo efeitos, mas sim a satisfação da hipótese das normas que regulamentam o procedimento de consulta, que sobre ele incidem produzindo os efeitos especificados na legislação.

Em termos de estudo da linguagem, não basta afirmarmos que o planejamento tributário ocorre mediante a intelecção das fontes do Direito pelo contribuinte: ele compreende uma organização em níveis sintáticos e semânticos do código a partir do qual o contribuinte irá concretizar o ato econômico planejado.

É através do planejamento tributário que o particular primeiro organiza sintaticamente os signos que serão aplicáveis ao seu negócio, selecionando dentre as fontes jurídicas as bases sobre as quais fundará seu discurso. Neste momento é importante compreendermos a noção de obra, trabalhada no capítulo 3 desta dissertação, pois o particular inicialmente terá que definir sobre quais elementos, e estes, por sua vez, de quais fontes originaram-se, irá valer-se para fundar o planejamento de seu negócio jurídico.

Como exposto no capítulo 3, a noção de obra para o Direito permite que trabalhemos num nível sintático, antes de propriamente questionarmos os aspectos semânticos do discurso. A forma pela qual encontram-se espraiadas as fontes jurídicas – bem como a pluralidade de formas em que se manifestam – faz com que, antes de discursar, o falante tenha que organizar seu código, selecionando, dentre as fontes do Direito que reconhece, quais elementos são dele integrantes.

Assim, o particular trabalha não somente com textos jurídicos, mas com a noção de obra que o levará a fundar seu planejamento tributário não somente textos positivados – e dentre estes quais deles foram selecionados – mas também com fontes jurisprudenciais, costumes etc, enfim, todas as fontes necessárias a fundar seu discurso.