• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2. Código e enciclopédia.

2.1. Signos, códigos e inferência.

No capítulo anterior, formulamos uma concepção do signo afastada da equivalência entre significado e significante, substituíndo-a por um modelo de função sígnica baseado na idéia de inferência. O signo não é uma estrutura fixa, de conteúdo objetivamente estabelecido pelos interlocutores: ele é algo dinâmico cujo significado é uma unidade cultural formada ao longo do processo de comunicação.

Alargamos a concepção de que o significante do signo remete ao seu significado, nos moldes da concepção de Saussure, pois entendemos que o conhecimento cognoscível através do signo somente é possível em razão de uma relação de inferência estabelecida a partir do processo de semiose. O signo é, portanto, algo que nos permite comunicar e seu significado é determinado através do processo comunicativo que culturalmente estabelece seu campo semântico. Ele é dinâmico e precário, porque seu significado também será sempre mutável e transitório.

Interessa-nos, agora, estudar o código, estrutura presente em todos os processos comunicativos, que organiza o discurso e torna possível a veiculação de uma mensagem. Vínhamos nos referindo ao termo |código| neste trabalho sem que tivéssemos definido seu

sentido, utilizando-o como sinônimo de processo comunicativo: código da língua, código de vestuário, código arquitetônico etc.

Neste capítulo, apresentamos uma teoria do código na qual concebemos a forma pela qual o discurso é constituído a partir de elementos que se encontram presentes em toda a estrutura do processo comunicativo.

Inicialmente, podemos afirmar que o código está ligado, por um lado, a uma idéia de convenção, ou de acordo social, e, por outro lado, de um mecanismo regido por regras (Cf. ECO, 1984:273). Essa concepção de código, que em si não é incorreta, é assentada na idéia de correlação, reiteradamente utilizada no cotidiano. Assim, falamos em código Morse, código de sinais marítimos, código genético etc, concebendo-os como uma forma de transmitir um significado através de uma estrutura convencional.

Para o direito, o código assume um sentido institucional, como conjunto de regras dispostas num corpo sistematicamente organizado. Neste caso, mais importante do que o sentido correlacional é a função sistematizadora atribuída ao código, que organiza o conhecimento através de um todo formado por partes harmonicamente ligadas.

O uso do código em tais sentidos demonstra o significativo valor social que o termo possui, como também o traço característico da cultura contemporânea em organizar seu conhecimento a partir de uma sistematização que torna possível a sua cognição.43

O conceito de código que utilizado neste trabalho apresenta-se, contudo, mais complexo do que o seu significado usual. Os sentidos a que acima nos referimos reconhecem apenas parte da função por ele exercida na criação de processos comunicativos, consistindo quase num uso metonímico de |código|, com a diferença de que, com ele, também gozam de uma relação de homologia.

43 Umberto ECO (1984:276) afirma que “a irrupção do código diz-nos que a cultura contemporânea quer

construir objectos de conhecimento ou demonstrar que na raiz do nosso funcionar como seres humanos estão objetos sociais cognoscíveis.”.

A teoria do código que utilizamos foi desenvolvida por Umberto Eco a partir da década de 197044. Nela, o código é proposto como uma estrutura que abrange os sentidos usuais a que nos referimos, mas os reformula a partir de uma idéia de inferência característica da significação.

O código, tal qual o signo, não é uma estrutura rígida formada pela equivalência entre suas regras e seu conteúdo. Ele também é dinâmico e mutável porque é formado pela competência sintática, lexical e pragmática de seus usuários, socialmente estabelecidas como unidades culturais.

O principal aspecto da teoria do código é a concepção de um modelo semântico no qual também estejam contidos elementos circunstanciais e contextuais, normalmente restritos ao âmbito da pragmática. O campo semântico desse modelo é elaborado com base numa noção enciclopédica da competência lexical, em lugar da tradicional representação através de dicionário.

A noção de enciclopédia permite a inserção de elementos pragmáticos ao campo semântico, enriquecendo seu modelo de forma a permitir que estudo da competência lexical também contemple instruções contidas no texto para seu uso em contextos diferentes. Assim, é possível entendermos porque uma mesma mensagem, do ponto de vista sintático, pode conter diferentes significados, sem que tal fato seja estranho ao seu campo semântico.

Essa distinção será particularmente útil para o estudo do planejamento tributário, pois possibilita a distinção entre uma mensagem aceita pelo código (elisão fiscal), de uma outra que não foi considerada como pertencente ao campo semântico do discurso (elusão fiscal) e, portanto, rejeitada pelo interlocutor para tanto dotado de autoridade.

44 A teoria do código de Umberto Eco foi inicialmente proposta em sua obra Tratado Geral de Semiótica,

publicado na Itália na década de 1970. Posteriormente, os estudos foram continuados em diversas obras, das quais destacam-se Lector in fábula e Semiótica e Filosofia da Linguagem, escritos no final da década de 1970 e ao longo da de 1980. Mais recentemente, na década de 1990, o autor publicou Os limites da interpretação, em que voltou a abordar alguns aspectos de sua teoria.

Mas a distinção entre ambas as mensagens, conforme abordaremos neste capítulo e mais precisamente no capítulo 5, não é estranha ao conteúdo do campo semântico da norma. Ao contrário: ela é possível justamente pelas instruções contextuais nele contidas que determinam a competência lexical para a formação do discurso.