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2 CICLO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: A JUDICIALIZAÇÃO E SUA PERSPECTIVA

3.4 PLANO DE ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise dos dados, optou-se por realizar a análise de conteúdo dos dados coletados, via análise documental e entrevistas, por considerar que tal metodologia está intimamente relacionada com a escolha epistemológica interpretativista e com a perspectiva qualitativa adotadas, visto a possibilidade de inferência de significados latentes oriundos dos dados por meio da interpretação dos mesmos.

Para Bardin (2006), a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...] destas mensagens”. De forma mais detalhada, essa técnica pode ser dividida em fases e cada uma delas com suas exigências (Figura 4).

Figura 4 – Fases da Análise de Conteúdo, segundo Bardin (2006).

Fonte: Bardin, 2006..

Assim, pode-se detalhar o processo de análise de conteúdo em 3 grandes etapas, independentemente de quais das fontes de coleta de dados seja analisada: fase da pré-análise, de exploração do material e tratamento dos resultados e interpretações.

A primeira fase representa um momento importante da técnica, visto que a partir dela os documentos foram escolhidos e o material foi preparado, tendo para isso a necessidade de realizar leituras flutuantes das bibliografias disponíveis, por meio das quais se torna possível a formulação de hipóteses, de indicadores e dos objetivos de pesquisa. Assim sendo, na presente tese essa etapa se deu com pesquisa dos principais artigos, dissertações e teses. Inicialmente não se definiu o período, visto que pesquisou-se primeiramente trabalhos que tivessem a temática da judicialização e oncologia conjuntamente, entretanto, como o número obtido foi pequeno, então abrangeu-se para pesquisas envolvendo a judicialização da saúde, a oncologia e a implementação de políticas públicas de forma independente e assim foi construída uma biblioteca virtual com os principais trabalhos envolvendo a temática, a fim de subsidiar de forma teórica a proposta analítica da presente tese.

Após isso, os objetivos do presente estudo foram definidos, assim como as dimensões de análise e a escolha pelos documentos de gestão da saúde pública do RN e de entrevistas. Posto isso, os dados já coletados foram preparados de modo a avançar para segunda fase da análise de conteúdo e de modo a obedecer aos critérios de validade da pesquisa (BARDIN, 1977): a) exaustividade na pesquisa dos dados, b) representatividade da amostra de informações escolhidas, c) homogeneidade e coerência na seleção e d) pertinência entre a disponibilidade de informações e atendimento aos objetivos do estudo.

Diante do corpus de dados estabelecidos e coletados, iniciou-se a fase de exploração do material. Essa etapa envolveu a codificação do material escolhido de maneira a ser possível gerar unidades de registro, unidades de contexto e de categorias. Para tanto, fez-se necessário distinguir conceitualmente o significado de cada uma dessas terminologias, a priori: a) a codificação “corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão” (BARDIN, 2006, p. 103), b) unidade de registro, é a unidade de significação codificada, correspondendo, portanto ao segmento de conteúdo a considerar como unidade base, visando à categorização e à contagem de frequências (BARDIN, 2011), podendo ser representado pela transcrição dos principais trechos do documento analisado, c) unidade de contexto, unidade de compreensão para codificar a unidade de registro que corresponde ao segmento da mensagem, a fim de compreender a significação exata da unidade de registro (BARDIN, 2011), podendo ter outras denominações, tais como: código ou nó e d) categorias ou subcategorias, são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos [...] sob um título genérico, agrupando-os de acordo com os caracteres comuns destes elementos (BARDIN, 2011); além disso, são

oriundas do processo de categorização, que equivale a classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos (BARDIN, 2006, p. 117). A Figura 5 apresenta um esquema que mostra cada elemento conceitualmente definido acima.

Figura 5 – Análise documental.

Fonte: Elaboração própria.

Dando sequência na análise de conteúdo, os dados transcritos então foram codificados por meio da codificação do tipo temática com categorização mista. Para Flick (2009), na codificação temática os códigos emergirão prioritariamente da análise dos documentos, sendo, as categorias e subcategorias, definidas com base no modelo teórico. Posto isso, essa fase de exploração do material precisa que sejam utilizados critérios precisos e reprodutíveis para toda extensão da amostra e que as categorias, subcategorias e códigos gerados tenham relação com o referencial teórico, com os objetivos da presente pesquisa e com os princípios e diretrizes da política oncológica.

Com essa definição e considerando o referencial dessa tese, foi feito inicialmente uma análise de quais categorias e subcategorias seriam estabelecidas de modo a atender a esses pré-requisitos, sendo então selecionadas quatro categorias: a) falhas na implementação da política oncológica no RN, b) causas da judicialização, c) consequências, d) alternativas e e) evidências (Quadro 9).

Quadro 9 – Categorias e códigos oriundos do referencial teórico.

Categorias Subcategorias

Falhas na implementação

Disposição dos serviços Recursos Estrutura federativa

Comunicação Causas da

judicialização

Relacionadas a falhas na implementação Outras causas

Consequências Efeitos positivos Efeitos negativos

Alternativas À curto prazo

À longo prazo Evidências Posicionamento dos juízes

Posicionamento dos gestores Fonte: Elaboração própria.

Como a categorização adotada foi do tipo mista, as categorias, subcategorias e códigos foram preliminarmente definidos (32 códigos), contudo com relação aos códigos, esses foram, no decorrer das análises do material, reajustados; ora incluídos, ora excluídos, durante o processo de análise de conteúdo (VERGARA, 2005). Assim sendo, tais ajustes começaram a acontecer na medida em que os dados do teste piloto foram analisados, e terminaram apenas com a análise de todos as entrevistas e decisões judiciais (Quadro 10).

Quadro 10 – Evolução na quantidade e descritivo de códigos para etapa da codificação. Etapas da codificação Quantidade

de Códigos

Alterações, Inclusão, Exclusão e Evidências das subcategorias e códigos 1ª etapa (Referencial teórico) 32 - 2ª etapa (Após as entrevistas) 35 Acréscimos:

 Códigos: Soberania da Prescrição Médica, rede de atenção oncológica, conflito de interesse, judicialização como rotina, judicialização positiva. 3ª etapa

(Após as decisões judiciais)

38

Acréscimos:

 Códigos: Perícia Medica Judicial, recusa do Governo, medicamentos do SUS.

4ª etapa (Finalização do teste

piloto)

37

Evidências:

 código: antineoplásico foi utilizado para selecionar os medicamentos oncológicos de cada decisão judicial, não sendo portanto utilizado para caracterização de trechos codificados.

Exclusão:

 código: saúde baseada em evidência, visto que é equivalente ao código: Falta atualização diante dos novos tratamentos.

5ª Etapa (análise das decisões judiciais e entrevistas)

64

Evidências:

 Foram geradas categoria, subcategorias e códigos, os quais foram detalhados no quadro 11

Esse processo de formação de novos códigos aconteceu até a saturação teórica, a qual indica o momento em que as leituras sequenciais não acrescentam novos códigos e novas categorias analíticas. Ressalta-se que se priorizou que os códigos gerados preservassem as seguintes características: a) exclusão mútua, b) pertinência com o objetivo de pesquisa, c) objetividade e clareza, d) fidelidade ao que se propõe e e) produtividade (BARDIN, 2011). Posto isso, o Quadro 11 apresenta as categorias, as subcategorias e códigos que nortearam a análise de conteúdo realizada no presente estudo.

Quadro 11 – Categorias e códigos oriundos do referencial teórico. Categorias Subcategorias (unidades de contexto) Códigos Falhas na implementação Disposição dos serviços Vazios assistenciais

Inconsistência com os prestadores de serviços oncológicos Dificuldades no acesso dos pacientes aos serviços do SUS.

Falta de contratualização de exames e serviços Precisa-se fortalecer as centrais de regulação É necessária maior integração e planejamento dos serviços Necessidade de incremento de ações com foco nas principais

causas de morbimortalidade Falhas nas relações com o setor privado

Dificuldade no diagnóstico do câncer Inconformidades envolvendo medicamentos Sobrecarga de alguns serviços e subutilização de outros Capacidade de resposta dos prestadores precisa ser ampliada

Burocracia dificultando o atendimento das demandas Dificuldades licitatórias

Recursos

Restrições orçamentárias e financeiras

Recursos humanos escassos e capacidade técnica comprometida Necessidade de ampliar os recursos tecnológicos Estrutura

federativa

Transição política gerando fragilidades e novos desafios para gestão pública

Descumprimento de pactuações firmadas por entes federativos Dupla responsabilidade de gestão gerando impasses Comunicação Falhas na rede de comunicação

Causas da judicialização

Relacionadas a falhas na implementação

Inconsistência com os prestadores de serviços oncológicos Falta atualização dos protocolos clínicos envolvendo

medicamentos oncológicos Dificuldades no diagnóstico do câncer

Dificuldades no acesso dos pacientes aos serviços do SUS É necessário maior integração e planejamento, especialmente no

que se refere a relação entre: referência e contra referência no atendimento

Falta de medicamentos e serviços

Necessidade de tratamento tempestivo e inovação na terapêutica Precisa-se fortalecer as centrais de regulação

Sobrecarga de alguns serviços e subutilização de outros Entraves burocráticos

Princípios do SUS questionáveis na prática Outras causas

Conflito de interesse

Uso indiscriminado dos medicamentos Aumento da rede de proteção aos usuários do SUS

Categorias

Subcategorias (unidades de

contexto)

Códigos

Parceria com o judiciário insuficiente

Consequências

Efeitos negativos

Desajuste orçamentário e financeiro

Prejuízo na prestação dos serviços para a coletividade. Desorganização no fluxo de assistência farmacêutica

Inaplicabilidade do princípio da equidade no SUS Necessidade de adaptações na administração pública para

atender e acompanhar as demandas judiciais Descrença no SUS

Efeitos positivos

Melhorar a assistência prestada aos pacientes que não apresentam alternativas terapêuticas no SUS

Motivar a discussão da temática: novos medicamentos para o SUS.

Alternativas

Apoio técnico para as decisões judiciais envolvendo a saúde pública

Atualização dos protocolos envolvendo oncologia no SUS Fornecimento de medicamentos administrativamente

Compras de medicamentos judicializados de forma centralizadas

Parceria com judiciário Atualização das tabelas do SIGTAP

Criação de registro de preço para medicamentos demandados judicialmente

Linha de cuidado do paciente com câncer bem planejada Consórcios municipais

Evidências

Posicionamento dos juízes

A Responsabilidade no atendimento das demandas de saúde é solidária entre os entes federativos

O governo não pode se recusar a prestar assistência à saúde da população: é direito de todos e dever do estado Integralidade da assistência, incluindo alternativas terapêuticas

quando as que o SUS fornece não têm efeito ou não existem Condições socioeconômica do demandante são consideradas no

momento do deferimento

As normas do SUS também devem ser consideradas nas decisões judiciais.

Prescrição médica é soberana para informar a necessidade do medicamento oncológico solicitado

Escassez legislativa na saúde capaz de subsidiar as decisões judiciais

Posicionamento dos gestores

A judicialização é um problema de saúde pública e de grande preocupação para o judiciário, que precisa ser investigada A judicialização tem aspectos positivos e negativos, mas os benefícios para a gestão pública são poucos quando comparado

com os prejuízos.

Prescrição médica é soberana para informar a necessidade do medicamento oncológico solicitado

A Responsabilidade no atendimento das demandas de saúde, recaí normalmente aos estados

Fonte: Elaboração própria.

Ressalta-se, contudo, que na medida em que as análises dos dados foram sendo realizadas, julgou-se que a categoria: causas da judicialização em sua subcategoria: falhas na implementação de políticas públicas, precisavam ser classificadas de modo a contemplar as

categorias analíticas de Edwards: recurso, disposição, estrutura federativa e comunicação, de modo a facilitar as comparações entre os dados obtidos.

Após essas definições e com a geração de dados provenientes da codificação das entrevistas e decisões judicias, inicia-se a fase de tratamento dos resultados, inferência e interpretação do conteúdo analisado.

A interpretação os dados se deu por meio da construção iterativa de uma análise feita com base em categorias. Para auxiliar nesse processo, foi utilizado um software QSRNvivo, a fim de proporcionar uma análise profunda dos dados e uma sistematização eficaz, rigorosa e precisa das informações disponibilizadas nas duas diferentes formas de coleta (análise documental e entrevista). Tal aplicativo é capaz de disponibilizar os dados a partir de unidades de informação, garantindo qualidade, transparência e agilidade na condução do processo. Segundo Flick (2009) esse software baseia-se em duas abordagens: na grounded

theory e na codificação teórica, sendo por isso classificado no grupo de construtores de teorias

baseadas em códigos, o que possibilita o auxílio em operações textuais e conceituais.