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Plata Quemada e a perda reiterada

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA (páginas 118-148)

“Yo nunca fui a New York no s• lo que es ParŠs vivo bajo la tierra vivo dentro de mi Yo no tengo un espejo no tengo un souvenir

139PIGLIA, 1992, p. 86.

140SANT’ANNA, 1992.

la l„grima me habla y est„ dentro de mi Yo solo tengo esta pobre antena que me transmite lo que decŠs una canci•n, mi ilusi•n, mis penas, y este souvenir...

Y no te olvides nunca que...

Esta canci•n durara por siempre por eso mismo yo la hice asŠ una canci•n sin amor sin dolor la canci•n sin fin.”

Serˆ Girƒn, “Chipi Chipi”

Escrita em meados da d•cada de noventa, a narrativa de Plata Quemada se abre para v„rias quest‘es que apontam para a crise de uma sociedade em declŠnio de seus valores e ideologias.

Como j„ dito nos t•picos anteriores, tratar dessa •poca • abordar um perŠodo de perda de referenciais, no qual, ap•s a queda do Muro de Berlim – fronteira fŠsica e imagin„ria que dividia o mundo em dois blocos, um capitalista e outro socialista – as diferen‚as que se instalaram com o fim da Guerra Fria pareciam ter acabado. Surgia, entƒo, a ilusƒo de um contexto de homogeneidade de direitos e pluralismo.

Sobre esse tema, as reflex‘es de Beatriz Sarlo acerca da massmedia, ou seja, da cultura de massa e da explora‚ƒo midi„tica presente na Argentina e nos paŠses latino-americanos de uma maneira geral, sƒo de extrema importŽncia para se pensar na

“espetaculariza‚ƒo” dos corpos e na transforma‚ƒo dos signos dessa sociedade de consumo em franco desenvolvimento.

Nƒo precisou passar muitos anos ap•s o inŠcio da d•cada de 90 para se perceber que uma nova ordem se instaurava. No sil€ncio e com o apoio publicit„rio que vendia um

perŠodo de igualdade e perda das barreiras de enfrentamento polŠtico-ideol•gico, a globaliza‚ƒo se tornou um signo conhecido mundialmente.

O que para alguns paŠses possibilitou uma ponte comum de interesses comerciais e vantagens, para outros –como os da Am•rica Latina – adquiriu um aspecto problem„tico em rela‚ƒo ‹ domina‚ƒo do capital global. DŠvidas, bloqueios econ•micos e parŽmetros impostos por paŠses - nunca retirados da condi‚ƒo central que os privilegia no cen„rio geopolŠtico – ditam regras que, cotidianamente, provocam perdas e fal€ncias de pessoas que sƒo obrigadas a entrar nesse quadro neoliberal.

Numa id•ia de deslocamento temporal, ao escrever Plata Quemada, Piglia retoma um fato que abalou a Argentina em meados da d•cada de sessenta. Novamente, agentes de uma mem•ria j„ esquecida retornam atrav•s da literatura para, metaforicamente, mostrarem a instabilidade e a precariedade de vidas que se situam ‹ margem e convivem com a impossibilidade de uma mobilidade social que as retire de contextos como o que • representado na narrativa.

A hist•ria • baseada num assalto ao Banco de San Fernando, provŠncia de Buenos Aires em 1965. Diferente de um mero roubo, o que marcou tal epis•dio foi a maneira como ele foi planejado e o destino que foi dado a fortuna de mais de sete milh‘es de pesos: ap•s longos dias de fuga e persegui‚ƒo, os assaltantes queimam o dinheiro.

Numa mistura de delŠrio, perda do referencial ling•Šstico e resgate de tipos narrativos presentes em Roberto Arlt, as personagens elaboram um discurso agonizante, o que permite ao leitor encontra-se com a situa‚ƒo marginal na qual eles se inserem.

Quest‘es que remetem a desvaloriza‚ƒo da vida, em um ambiente onde o capitalismo se reafirma nos corpos das pessoas, estƒo presentes na narrativa de Ricardo

Piglia. Do inŠcio ao final, o autor disserta sobre o motivo que o teria interessado por esse caso presente na hist•ria argentina.

Gaucho Dorda, Nene Brigone, Cuervo Mereles e Malito sƒo os respons„veis pela execu‚ƒo do crime. Extremamente organizado, o assalto era a promessa de fortuna e bem-estar das pessoas envolvidas. Al•m dos quatro citados acima, estavam envolvidas pessoas ligadas ‹ polŠtica, ao ex•rcito e ‹ polŠcia, fora alguns empres„rios que participaram da idealiza‚ƒo.

Nas entrelinhas dessa hist•ria resgatada por Piglia, essas figuras que comp‘em o privilegiado cen„rio p•blico aparecem, apesar de nƒo haver uma afirma‚ƒo explŠcita que as condene. O autor deixa marcas para que o leitor possa preencher as lacunas sobre discuss‘es que permeiam toda a narrativa, como por exemplo, a aquisi‚ƒo do arsenal de armas que os criminosos portavam; armas que somente o ex•rcito ou a polŠcia poderiam fornecer.

A atua‚ƒo da polŠcia na narrativa • vista como uma instŽncia que exerce seus poderes numa perspectiva confusa, que procura esconder suspeitos ou associ„-los a temas que podem servir de “cortina de fuma‚a”, para esconder seu possŠvel envolvimento com os assaltantes. No fragmento abaixo, pode-se perceber dois desses momentos:

“a si t u a ‚ƒ o er a c on fusa ; a pol Š ci a t r at a va de ocul t ar o q u e sa bi a , p a r eci a m est ar desor i en t a dos e t en d i am a l i gar o a ssa l t o c om os g r upos de d i r ei t a do per on i sm o”141

“Ma s a p ol Š ci a ( a r gen t ina ) p r ocur a va a l go m a i s. O m a is p r ov„ vel • que t en h a quer i do m a t „-l os e n ƒ o a g a r r „- l os vi vos p a r a i m pedir que i n cr i min a ssem a os ofi ci a i s que ( s egun do a

141Texto original: “La situaci•n era confusa; la policŠa trataba de ocultar lo que sabŠa, parecŠan estar desorientados y tendŠan a ligar el asalto con los grupos de derecha peronista.” PIGLIA, 1997, p. 65

m esm a fon t e) h a vi a m p ar t i ci p a do secr et a m en t e no oper a t i vo sem r ece ber a par t e do a cor do que h a vi a si do p a ct u a d a ”142.

No entanto, com o desenvolvimento da trama, as polŠcias argentina e uruguaia criam um cerco que nƒo deixa escapat•ria aos ladr‘es. Os que conseguem resistir at• as

•ltimas p„ginas ‹ prisƒo acabam com um final tr„gico: dos tr€s – Dorda, Mereles e Nene – s• o primeiro consegue sobreviver.

A banaliza‚ƒo da vida se reitera e se afirma ao tratar a morte como a saŠda possŠvel quando nƒo se h„ mais para onde fugir.

Em rela‚ƒo ‹ escrita de Plata Quemada, nota-se uma fuga ao estilo naturalista de algumas obras que tratam de epis•dios hist•ricos. Piglia usa uma linguagem na qual o g€nero jornalŠstico se mescla com outros discursos para construir um relato que se encontra numa fronteira entre a fic‚ƒo e a realidade. Elementos falsos ganham o aspecto de reais na trama para apontar a instabilidade de um discurso que se situa num lugar de desconforto e problema.

H„ tr€s referenciais que norteiam o romance: a droga, a sexualidade e o dinheiro, vistos pelo autor como os signos que regem a sociedade atual.

Nessa trŠade, a droga • encarada como uma mercadoria por excel€ncia, um

“lugar” onde a sociedade condensa a rela‚ƒo entre consumidor e produto; como se todas as rela‚‘es tra‚adas pelo mercado buscassem construir figuras viciadas. Repudiada pela sociedade, a droga seria, ao mesmo tempo, sua met„fora mais perfeita. Longe de um car„ter

142Texto original: “Pero la policŠa (argentina) buscaba algo m„s. Lo m„s probable es que haya querido matarlos y no agarrarlos vivos para impedir que incriminaran a los oficiales que (seg•n la misma fuente) habrŠan participado secretamente en el operativo sin recibir la parte del botŠn que habŠa sido pactada”. Idem, p. 141.

moralizante, o que se torna interessante em Piglia • a no‚ƒo de que assim se constitui um paralelo para entender essa transforma‚ƒo social.

O mesmo poderia ser pensado em rela‚ƒo ‹s identidades sexuais. Ao colocar um casal de homossexuais – Dorda e Nene – exibindo gestos de virilidade e machismo e desempenhando atos her•icos, o autor p‘e em xeque a capacidade de haver entre esses homens rela‚‘es sentimentais. Dessa maneira, a cultura gay seria uma esp•cie de espelho do que a sociedade se estabiliza como um tipo de rela‚ƒo normalizada. As personagens do romance fugiriam a esse parŽmetro, ou melhor, elas nƒo se estabelecem em modelos de comportamento ou cultura, o que as (de)formam como figuras descentradas.

E, por •ltimo, o dinheiro, que teria um sentido liter„rio, metafŠsico e metaf•rico, pois ele funciona como o mal, como uma versƒo contemporŽnea do dem•nio.

Piglia, ao colocar esses elementos como base para a constru‚ƒo de seu relato, conta de novo uma hist•ria – a princŠpio simples – que teria sido contada in•meras vezes, no entanto consegue abrir para novos significados que podem ser acrescentados.

Ao ter em mente esse poder derivado do consumo, Piglia insere em sua narrativa v„rios momentos no quais o dinheiro se apresenta como o culpado pela condi‚ƒo das personagens. A epŠgrafe do dramaturgo Bertold Brecht • o mote ilustrativo a id•ia que norteia a dire‚ƒo percorrida pelo romance: “O que • roubar um banco comparado a fund„-lo ”.

A emblem„tica frase de Brecht retira da narrativa a conota‚ƒo moral presente no roubo e aponta para problemas que fazem parte da sociedade, por•m isentos de julgamento. Com isso, permite-se pensar na banaliza‚ƒo da vida em decorr€ncia da super valoriza‚ƒo da moeda no contexto atual.

Nos fragmentos a seguir, esse aspecto • relacionado em paralelo ‹ droga:

“O d i n h eir o • c om o a d r oga , o fun d a m en ta l • tê - l o, sa ber que est „ , i r , t oc„ - l a , r evi sa r n o g u a r d a-r oupa , en tr e a r oupa , a bol sa , ver que h „ m ei o q u i l o, q u e h „ cel m i l m an gos, fi ca r t r an q•il o.

E n t ƒ o, l ogo s e pod e segui r vi ven do” .143

“S e o d i n h eir o • o • n i co q u e ju st i fi ca va a s m o r t es e se o q u e fi z er a m , fi z era m por dinh ei r o e a gor a a quei m am , quer em di z er que n ƒ o t €m m or a l , n em m ot i vos, q u e a t u a m e m a t a m g r at u i t am en t e, pel o g ost o d o m a l , por p u r a m a l d a de, sƒ o a ssa ssi n os de n a sci m en t o, cr im in osos i n sen sŠ vei s , in um an os” .144

“E dep oi s d e t od os e ss e i n t er m in„ vei s m i n u t os n os q u e vi r a m a r der os bi l h et es c om o p „ ssa r os d e fog o fi c o u u m a pi lh a de ci n z a, uma p i lha fun er „ri a dos va l or es d a s oci eda de ( d ecl a r ou n a t el evi sƒ o u m dos t est em u n h a s”.145

A vida aparece como uma condi‚ƒo e um desejo invi„veis. Nesse clima, o aspecto humano • relegado ‹ sorte da sobreviv€ncia, a qual se imp‘e ‹s personagens como uma ordem de resist€ncia para existirem dentro desse contexto. Œs margens, elas constroem alternativas de vidas que nƒo estƒo de acordo com modelos ou regras. O acaso e o azar sƒo os caminhos que as permitem seguir adiante. Perdidas de referenciais e conscientes de seu fatalismo, essas figuras resistem vivendo e sem saber aonde ir:

“ o h a vi a ma t a do por que si m , o Ga •ch o Dor d a , n ƒ o por que o pol i ci a l si g n i fi ca sse u m a a m ea ‚a ” .146

“A m a l d a de – d i z i a Dor d a , m u it o a cel er a do c o m a m escl a d a a n fet a m in a e a c oca – n ƒ o • a l g o q u e se fa ‚a c om a von t a de, • u m a l uz que vem e t e l eva ” .147

143Texto original: “La plata es como la droga, lo fundamental es tenerla, saber que est„, ir, tocarla, revisar en el ropero, entre la ropa, la bolsa, ver que hay medio kilo, que hay cien mil mangos, quedarse tranquilo. Entonces reci•n se puede seguir viviendo”. Idem, p.44

144Texto original: “Si la plata es lo •nico que justificaba las muertes y si lo que han hecho, han hecho por plata y ahora la quemam, quieren decir que no tienen moral, ni motivos, que act•an y matan gratuitamente, por el gusto del mal, por pura maldad, son asesinos de nacimiento, criminales insensibles, inhumanos”. Idem, p.190 P. 190.

145Texto original: “Y despu•s de todos esos interminables minutos en los que vieron arder los billetes como p„jaros de fuego qued• una pila de ceniza, una pila funeraria de los valores de la sociedad (declar• en la televisi•n uno de los testigos)”. Idem, p. 193.

146Texto original: “lo habŠa matado porque sŠ, el Gaucho Dorda, no porque el policŠa significara una amenaza.” Idem,, p.40

“ Ha vi a cer t o fa t a l i sm o em t od o s el es e n i n gu•m podi a i m a gin ar o g i r o i n esper a do q u e i a m t om a r os a c on t eci m en t os. Os q u e vi vem ba i xo p r es sƒ o, em si t u a ‚ƒ o d e e x t r em o per i go, per segui d o s , a c os sa d o s , sa bem q u e o a z a r • m a i s i m por t an t e que a cor a gem par a sobr evi ver a um deba t e” .148

“Nƒ o esp er a m n a d a , s• quer em r esi st ir ” .149

Assim como as personagens do precursor Roberto Arlt, as de Piglia seguem numa perspectiva de surpresa, em que planos ou projetos sƒo signos deslocados de seus destinos.

Erdosain, de o Os sete loucos, ganha sua representa‚ƒo em v„rios momentos da narrativa Plata Quemada. Como sujeitos que habitam as margens porque no centro nƒo h„

lugar para suas exist€ncias, Dorda e Nene t€m suas vidas narradas pela expressƒo da impossibilidade de mudan‚a. Para isso, s• a sorte ou as surpresas podem lhes servir de ajuda, uma vez que nƒo h„ esperan‚a nem ideais que os envolvam numa utopia de mobilidade social:

“s • t i n h am a fa vor a sur pr esa ”.150

“As c oi sa s n u n ca sa em com o u m a s i m a g i n a, a sor t e • m a i s i m por t ant e que a c or a gem , m a i s i m por tan t e que a i n t el i g€n ci a e a s m edi d a s de s egur a n ‚a . O az ar , par a doxa l m ent e, est „ s em p r e a o l a do d a or dem est a bel e ci d a e • (jun t o c om a del a ‚ƒ o e a t or t u r a ) o m ei o p r in ci p a l que t em os i n vest i g a dor es p a r a fech a r o l a ‚ o e a g a r rar os q u e t r a t am de se fa z er i n vi sŠvei s n a sel va d a ci d a de” .151

Piglia faz uma negocia‚ƒo entre g€neros discursivos e escreve uma literatura polŠtica sem falar diretamente de polŠtica. Assim, a literatura se distancia da den•ncia

147Texto original: “La maldad – decŠa Dorda, muy acelerado con la mezcla de la anfeta y la coca – no es algo que se haga con la voluntad, es una luz que viene y que te lleva”. Idem, p. 73

148Texto original: “HabŠa cierto fatalismo en todos ellos y nadie podŠa imaginar el giro inesperado que iban a tomar loa acontecimientos. Los que viven bajo presi•n, en situaci•n de extremo peligro, perseguidos, acosados, saben que el azar es m„s importante que el coraje para sobrevivir en un combate”. Idem, p.98

149Texto original: “No esperan nada, s•lo quieren resistir”. Idem, p. 175.

150Texto original: “s•lo tenŠan a favor la sorpresa”. Idem, p.15

151Texto original: “Las cosas nunca salen como uno las piensa, la suerte es m„s importante que el coraje, m„s importante que la inteligencia y las medidas de seguridad. El azar, parad•jicamente, est„ siempre del lado del orden establecido y es (junto a la delaci•n y a la tortura) el medio principal que tienen los pesquisas para cerrar el lazo y atrapar a los que tratan de hacerse invisibles en la selva de la ciudad”. Idem, p. 58

social, o que a deixa livre de um aspecto moralizante e, concomitantemente, permite tocar em feridas abertas da sociedade a qual ela se refere.

Narrar o assalto ao banco em Plata Quemadaou o clima tenso de Respiração Artificialpode ser como uma discussƒo filos•fica, na qual os temas se alternam para indicar os problemas da perda de identidades e o deslocamento dos valores.

” interessante pensar em uma narrativa que por todo tempo demonstra instabilidade discursiva, o que se reflete nas caracterŠsticas das personagens centrais. Al•m das dificuldades relacionadas ‹ elabora‚ƒo da linguagem, os relatos que comp‘em a trama estƒo sempre em questƒo sobre a sua veracidade.

Frases como “Dizem, nunca se sabe”; “Disseram os di„rios”; “Dizem as testemunhas”; “Segundo informa‚‘es de •ltimo momento” e “Segundo o cronista de El Mundo”, expressam a precariedade com a qual o autor percebe as vers‘es que estƒo presentes nas representa‚‘es da hist•ria. Atrav•s de testemunhos criados, surgem express‘es que denotam a necessidade de um olhar que desconfie da no‚ƒo de verdade acerca desses relatos.

As marcas discursivas presentes nesses verbos que remetem a um sujeito indeterminado –dizem, disseram– ou em marcadores que remontam a outras fontes alheias ao contexto narrativo – segundo – se inserem para indicar as falhas nas cren‚as direcionadas a uma •nica versƒo. Dessa maneira, • criado um jogo polif•nico no qual a multiplicidade de vozes narra uma mesma hist•ria com diferentes experi€ncias e inten‚‘es.

Em rela‚ƒo ‹s testemunhas presentes para contar o fato, Piglia tamb•m demonstra o car„ter inst„vel que elas podem representar. Nos fragmentos abaixo, essa hip•tese pode ser percebida:

“As t e st em u n h a s se c on t r a d i z em com o s em p r e a con t ec e, m a s t od os c oi n ci dem em q u e o r a p a z par eci a u m at or e t i n h a um ol h ar extr a vi a do” .152

“ Um er a m or en o e o out r o er a l oir o, os d oi s er a m joven s e c om c or t es de ca bel o t i po m i l i t ar. Ha vi a u m t er cei r o c om u m a mei a de m u l h er n a car a ”. T oda s a s descr i ‚ ‘e s c oi n ci d e m ma s n ƒ o ser vem p a r a n a d a ”.153

“ Um a ver sƒ o m a r ca que a l g u n s pol i ci a i s de fa c ‚ƒ o n o edi fŠ ci o m u n i ci p a l a l can ‚ar a m int er ca m bi ar d i spar os c o m os p i st ol ei r os m a s i st o n ƒ o p•de s er con fi r m a do” .154

“As i n for m a ‚‘e s d o s d i „ r i os ci r cul a va m en tr e l inh a s e h a vi a m u i t a s oper a ‚‘e s de c on t r a-in t el i g€n ci a n o m ei o d a s

n ot Š ci a s” .155

“O cr on i st a n ƒ o o sa be m a s m an eja v„ r ia s h i p•t e ses” .156

As passagens que mais chamam a aten‚ƒo sobre a precariedade discursiva estƒo presentes nos relatos de Dorda (o criminoso que sofria alucina‚‘es) e nos coment„rios narrativos sobre ele.

Como AnahŠ, a personagem j„ tƒo mencionada de Respiração artificiale de “A louca e o relato de crime” ou como Elena, de A cidade ausente, Dorda tamb•m escuta vozes que projetam falas em sua cabe‚a como um r„dio sintonizado com um espa‚o alheio ao que ele est„ presente:

“S en t i a com o u m m urm •r i o n a ca be ‚a , u m a r „ dio de on d a curta que t r a ta va de s e fi l t r ar n a s p l a ca s do cr Ž n eo, tr an sm it ir n a p a r t e in t ern a do c•r e br o, a l go a ssi m . Œs vez es h a vi a

152Texto original: “Los testigos se contradicen como siempre sucede, pero todos coinciden en que el chico parecŠa un actor y que tenŠa una mirada extraviada”. Idem, p. 15.

153Texto original: “ “Uno era morocho y el otro era rubio, los dos eran j•venes y con cortes de pelo tipo militar. HabŠa un tercero con una media de mujer en la cara.” Todas las descripciones coinciden pero no sirven para nada.” Idem,p. 51.

154Texto original: “Una versi•n se–ala que algunos policŠas de facci•n en el edificio municipal alcanzaron a intercambiar disparos con los pistoleros pero esto no pudo ser confirmado.” Idem, p.42.

155Texto original: “las informaciones en los diarios circulaban entre lŠneas y habŠa muchas operaciones de contrainteligencia en medio de las noticias.” Idem, p.54

156Texto original: “El cronista no lo sabe pero maneja varias hip•tesis”. Idem, p.136.

i n t er fer €n ci a s, r uŠ dos e st r anh os, gen t e que fa l a va em l Š n gua s des c on h eci d a s, sin t oni z a va m , va i sa ber do Ja p ƒ o por a Š , da R•si a . Nƒ o l h es d a va i m por t Žn ci a por que l h e vi n h am p a ssa n do desd e que er a pequen o” .157

Dotado de uma patologia que refor‚a sua exclusƒo, a personagem alia sua condi‚ƒo marginal ao seu estado psicol•gico. Numa dupla interdi‚ƒo158, o crime ganha a dimensƒo de exist€ncia que a vida em sociedade nƒo lhe permitiu ter.

Como uma sina, o caminho de Dorda • um trajeto alucinante, onde a linguagem sempre se lhe mostrou como um instrumento difŠcil de ser manejado. Atrav•s da afasia e de atos brutais, sua vida foi conduzida ‹ deriva. No excerto abaixo, h„ um relato no qual a personagem denota sua agonia por nƒo conseguir elaborar um discurso que o salve. Como LucŠa Joyce, ele se afoga em uma situa‚ƒo desesperadora e ca•tica:

“ – eu vou m a l – d i fi cul t os o p a r a expr essa r - se, o Ga uch o Ru bi o – ven h o m a l desde pequ en o. Nƒ o s ei m e expr essa r , dout or ”159. Al•m da loucura de Dorda e de sua incapacidade de concretizar uma elabora‚ƒo ling•Šstica capaz de inseri-lo socialmente, um outro referencial discursivo • presentificado na narrativa como uma alternativa de voz a esse contexto fraturado.A linguagem midi„tica • usada nƒo s• para colaborar com o g€nero policial, criando uma verossimilhan‚a em rela‚ƒo ‹s narrativas assim. A mŠdia • tratada como a produtora de vozes que a sociedade pode e quer ouvir.

157Texto original: “SentŠa como un murmullo en la cabeza, una radio de onda corta que trataba de filtrarse en las placas del cr„neo, transmitir en la parte interna del cerebro, algo asŠ. A veces habŠa interferencias, ruidos raros, gente que hablaba en lenguas desconocidas, sintonizaban, vaya saber, de Jap•n por ahŠ, de Rusia. No le daba importancia porque le venŠa pasando desde que era chico”. Idem, p.63.

158FOUCAULT, 1979.

159Texto original: “- yo voy mal – dificultoso para expresarse, el Gaucho Rubio – vengo mal desde chico. Yo soy desgraciado. No s• expresarme, doctor”. PIGLIA, 1997. p.225

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