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Pobreza, desigualdade e bem-estar

Pobreza

O conceito de pobreza visa medir carências humanas. Ele mede as dificulda- des vividas por diferentes indivíduos numa dada sociedade e as agrega em um único número, o que nos permite auferir o desempenho de políticas de inclusão social e nortear seu desenho. Sua compreensão possibilita alguns desdobramentos: i) compará-lo a outros conceitos; ii) fixar o olhar no desenho dessas políticas; e iii) privilegiar aspectos úteis para a definição de metas so- ciais, como mecanismo de mobilização e coordenação de ações do Estado e da sociedade, no sentido da superação da pobreza.

Cabe, inicialmente, apontar semelhanças e diferenças entre alguns concei- tos próximos às medidas de pobreza aqui discutidas. Em primeiro lugar, os

quanto o de pobreza só capta a parcela de indivíduos cujo bem-estar se en- contra abaixo de um determinado parâmetro, denominado linha de pobreza. Em outras palavras, a ideia do conceito de pobreza é captar a descontinuidade entre aqueles que participam minimamente da cidadania e aqueles que dela não participam.

Na prática, apesar de ignorarem algumas complexidades, os índices de pobreza que se restringem a uma única dimensão monetária são mais usuais por con- ta de sua operacionalidade. Mas, mesmo quando o cálculo da desigualdade considera apenas a dimensão monetária, é necessário escolher entre a dimen- são renda e as despesas de consumo como unidades de medida. Despesas de consumo são internacionalmente mais aceitas como unidade de medida, pois o nível de bem-estar das pessoas está mais relacionado ao que consomem do que ao valor de seus ganhos. No entanto, esse não é o caminho em geral toma- do nas estimativas de bem-estar encontradas no Brasil, onde se consolidou a tradição de se perguntar a renda das pessoas nas pesquisas domiciliares. Como dissemos anteriormente, o cálculo de indicadores de pobreza entendida em termos de insuficiência de renda requer a fixação de uma linha abaixo da qual os indivíduos são considerados pobres. A adoção de uma linha oficial é o primeiro passo lógico para a adoção de metas de redução da miséria ao longo do tempo. O essencial é adotar uma linha, independentemente do valor arbitrado, mas a linha oficial mais interessante seria aquela acima de idiossin- crasias locais.

Como o objetivo de combate à miséria transcende mandatos de governos e fronteiras nacionais, é possível escolher as linhas de US$ 1,00 ou US$ 2,00 por pessoa, ajustadas pela paridade de poder de compra (PPP), que leva em conta diferenças de custo de vida entre países, sempre traduzida em moeda lo- cal e ajustada pelo índice de inflação oficial doméstico. O Brasil fixou em 2011 uma linha oficial de pobreza de R$ 70 reais por pessoa. Os Estados Unidos da América (EUA) o fizeram em 1963, seguidos de Índia e Irlanda.

O cálculo de indicadores de pobreza enquanto insuficiência de renda requer a fixação de uma linha abaixo da qual os indivíduos são considerados miserá- veis. Sua construção se baseia sobre uma linha de indigência correspondente a valores monetários que possibilitem o suprimento de exigências calóricas

básicas. No caso da pobreza, contemplam-se despesas além das alimentares, como habitação, vestuário e transporte.

No Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV), op- tamos por uma linha de indigência baseada apenas em necessidades alimen- tares mínimas, fixadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (2.288 ca- lorias/dia) e traduzidas em valores monetários, referenciando-nos os hábitos de consumo dos indivíduos situados entre os 20% e os 50% mais pobres da população. O resultado é uma linha de pobreza de R$  151,00 mensais por pessoa, avaliada a preços médios nacionais de 2011.1

Uma pessoa é considerada pobre quando pertence a um domicílio cuja ren- da total per capita não ultrapassa o valor da linha de pobreza específica à sua região. A renda total, por sua vez, corresponde à soma das rendas de todos os indivíduos do domicílio, abrangendo proventos do trabalho, aluguéis recebi- dos, aposentadorias, pensões, doações e outros rendimentos.

Em 1992, ano em que foi estabelecido o novo questionário da Pesquisa Nacio- nal por Amostra de Domicílios (PNAD), contavam-se mais de 50 milhões de miseráveis no Brasil. Apesar de conter apenas 18% da população total, então em 145 milhões, o meio rural concentrava 28% dos pobres. Para cada dez pes- soas que viviam no campo, seis encontravam-se abaixo da linha de pobreza. Um cenário desanimador, não fosse pela óbvia oportunidade de prosperar. Avançando no tempo dezessete anos, encontramos uma situação distinta. O processo de urbanização já em curso prosseguiu e o meio rural passou a responder por apenas 12% do contingente populacional total. O país cresceu em população, somando 188 milhões de brasileiros, mas perdeu de vista 22

milhões de miseráveis. Destes, 11 milhões apenas no campo, contribuindo para uma impressionante redução de quase 50% da taxa de pobreza rural. Diante dos grandes traços das séries de pobreza desde o início do período amostral, notamos duas marcadas mudanças de patamar no Brasil. Primei- ramente, no biênio compreendido entre 1993 e 1995, a proporção de pessoas no campo abaixo da linha de miséria reduziu-se de 61% para 56%. Em 2003, quando a miséria ainda atingia mais da metade dos indivíduos da região, teve início um novo período de alívio da pobreza. Dois anos mais tarde, alcançou o nível de 46%, num movimento de magnitude comparável ao acima descrito. O paralelo existente na diminuição da miséria entre os dois episódios 1993-1995 e 2003-2005, ocorridos dez anos a parte, pode ser mais bem percebido no gráfico 1.

Gráfico 1 - Pobreza - Percentual da população

35,0 35,0 31,8 28,7 28,8 28,4 26,9 28,7 28,1 27,5 26,7 28,1 25,4 22,8 19,3 18,3 16,0 15,3 62,8 61,4 58,6 55,8 56,2 56,0 52,9 54,3 53,9 53,5 51,7 51,4 47,7 45,2 40,2 37,2 34,8 31,9 Total Rural