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interessante notar que mesmo na Iiteratura sobre Iin- guagem e sexo que trata de poder, a noc;ao de poder em si, nao e discutida. Por isso,nesta secc;ao apresento 0 conceito

de poder e os conceitos relacionados de controle e assimetria. Kress e Fowler (1979:63) sugerem que as relac;oes co- municativas em geral sac assimetricas no sentido de que "urn ~ipante tern mais autoridade que o(s) outro(s) ... que a re- lac;ao e mais ou menos competitiva, uma negociac;ao pelo po- der". Para estes autores toda apar~ncia de intimidade, solida- riedade e cooperac;ao nas relac;oes comunicativas seria i1us6- ria, embora admitem que os autores nesta competic;ao nao estao necessariamente conscientes desta negociac;ao de po- der em que estao engajados. Isto porque, segundo Fowler e Kress (1979:185-186), existem significados sociais expressos na estrutura sintatica e lexical duma lingua natural que sac ar- ticulados quando falamos. Nao existem discursos que nao in- corporam estes significados. Nossas "selec;oes organizadas" dentre estes significados representam nossas "teorias prati- cas" da natureza dos eventos comunicativos em que partici- pamos: fomos socializados para ter essas teorias e nossas se-

le90es sao, em geral, automaticas. e como van Dijk (1987:16) lembra, lie atraves do discurso que pessoas 'aprendem' adqui- rir, manter ou aceitar poder. E ainda mais crucial, e atraves do discurso que desenvolvem as cogita90es sociais que legiti- mam 0 poder".

o

mesmo autor observa que poder e uma n09ao que no macro-nfvel se refere ao poder social (por exemplo, 0 poder econ6mico, polftico, cultural, etc.). No micro-nfvel e 0 exercfcio das prerrogativas oriundas dessas estruturas mais latas que se manifestam na organiza9ao local das rela90es interpessoais. A n09ao de poder, portanto, inclui os seguintes aspectos (cf. Marcuschi 1988; van Dijk 1987; Fowler 1985; Fairclough 1989):

a) 0 poder e analisado em rela9ao a conceitos tais co- mo dominAncia, influencia, for9a, autoridade, prestfgio, coer9ao, manipula9ao, persua9ao, e legitima9ao;

b) embora possamos falar de poder individual (basea- do, por exemplo, em for9a ou autoridade), a maioria das for- mas de poder e baseada no poder social que as pessoas deri- yam da sua posi9ao em grupos, classes ou institui90es;

c) 0 poder e uma n09ao relacional em que urn indivf- duo A exerce controle sobre outro B, significando que poder

e

uma propriedade de uma rela9ao especffica entre A e B;

d) 0 poder e uma propriedade especffica da intera9ao e, como tal, nem sempre e exer-eidode forma explfcita, sobre- tudo nas rela90es discursivas;

e) a execu9ao do poder por A normalmente s6 faz sen- tido se 0 controle de

A

sobre

B

serve os interesses de

A;

isto e, contribui para a manuten9ao da posi9ao s6cio-econ6mica ou cultural preferida por

A;

f) 0 poder baseia-se em geral na posse de recursos socialmente valorizados mas desigualmente distribufdos, tal como status, conhecimento, especializa9ao, etc.

A

n09ao de poder implica numa situa9ao assimetrica.

A

assimetria descreve uma rela9ao de desequilfbrio ou desigual- dade. Num evento de fala, par exempla, uma rela9aa assime- trica implica em que urn dos participantes tenha mais pader au autoridade que o(s) outro(s). A assimetria pode ser expressa em diferen9as quanto as formas de tratamento usadas entre os participantes; quanta ao estilo (formal, informal); quanta ao ti- po de atos de fala (comandos, ordens, promessas, pedidos,

etc.). Em resumo, como lembra Marcuschi (1988:58) "na assi- metria pode-se notar uma diferen~a de poder social, pessoal e institucional; uma diferen~a na sele~ao de recursos .lingufsti- cos; uma diferen~a de identidade social com componentes de classe, personalidade e status. Estes sac os ingredientes que compoem a distancia social entre os participantes".

Possuir poder numa intera~ao implica na possibilidade de controlar 0desenvolvimento da intera~ao e as pessoas que

nela participam. Ao mesmo tempo, segundo Marcuschi

(1988:61), 0 poder pessoal aumenta na medida em que 0 in-

divfduo acumula possibilidades de controlar outros e sugere que os membros mais fortes numa intera~ao t~m a possibili- dade de exercer controle direta e indiretamente: diretamente atraves dos atos de fala explicitamente manipulativos tais co- mo dar ordens, inquirir, proibir, etc.; e indiretamente, ao definir o que poder ser discutido, iniciar ou concluir t6picos, e deter- minar0 estilo do discurso.

Nas duas decadas de estudos sobre Iinguagem e sexo, estimulados principalmente pelo Movimento Feminista, varios aspectos da rela~ao entre Iinguagem, sexo e poder t~m side alvo de reflexao e estudo. Podemos dividir estesestudos em dois grandes conjuntos: 0 primeiro inclui os estudos sobre se-

xismo Iinguistico onde temos os estudos de como mulheres e homens sac representados na Iinguagem, mostrando a discri- mina~ao de mulheres pela maneira em que se fala delas ou se refere a elas.

E

neste conjunto tambem que temos as varias tentativas de mudar a Iinguagem (especialmente na lingua in- glesa). Aqui se trata do poder hist6rico que os homens t~m em termos de negar as mulheres espa~o, falado ou escrito, na so- ciedade em gera!.

o

segundo conjunto de estudos investiga 0 use diferen-

ciado da Iinguagem·por mulheres e homens. 0 empenho nes- tes estudos esta no sentido de identificar e explicar este use diferenciado. Segundo Coates (1988:65-66), as duas aborda- gens principais neste segundo conjunto de estudos se ba- seiarn em dois pontos de vista sobre 0status da mulher na so- ciedade: um que v~ mulheres como urn grupo minoritario, oprimido e marginalizado e outro que simplesmente v~ mulhe- res como sendo diferentes dos homens. Relacionado ao pri- meiro ponto de·vista

e

a abordagem que Coates denomina de

dominincia. Pesquisas adotando esta abordagem interpretam as diferengas IingUfsticas na competencia comunicativa de homens e mulheres como uma reflexao da dominancia mascu- Iina e submissao feminina prevalente na sociedade em gera!.

A outra abordagem chamada por Coates de diferen~a, enfatiza a ideia de que mulheres e homens pertencem a sub- culturas diferentes e as diferengas no seu comportamento co- municativo refletem estas subculturas diferentes. A diferenga basica entre as duas abordagens e que na primeira, .enquanto mostra as diferengas entre os sexos e enfatiza a submissao da mulher, ao mesmo tempo tende a perpetuar 0 estere6tipo da

mulher como uma falante fraca ou fragi! e de uma certa forma inepta ou incapaz.

A segunda abordagem embora demostre as diferengas entre os estilos femininos e masculinos de falar, tende de in- terpretar essas diferengas de forma positiva, principalmente ao valorizar 0estilo feminino. Isto e, em vez de ver a linguagem da

mulher como inferior a do homem, ve-Ia como simplesmente diferente.

Uma das observagoes mais nftidas que surge dos mui- tos estudos sobre linguagem e sexo e que mulheres tendem a organizar sua fala cooperativamente enquanto os homens ten- dem a organizar sua fala competitivamente. Estes diferentes modos de organizagao implicam em diferentes regras de con- versagao. Especificamente mulheres e homens diferem nas suas' expectativas do que consti~ui urn componente normal de conversagao, de como as conversagoes devem progredir, da importAncia de respeitar 0 direito do falante corrente terminar

seu turno, e da importancia de apoiar ativamente0falante cor-

rente. Parece que nas conversagoes entre os sexos, as mulhe- res se esforgam mais em manter e facilitar a conversagao.

A seguir discuto brevemente alguns dos fenomenos IingUfsticos e interacionais associados com as diferengas na fala de mulheres e homens e que contribuem para a situagao assimetrica nas conversagoes entre os sexos. Ao mesmo tem- po que resume as conclusoes encontradas na Iiteratura (prin- cipalmente das Unguas inglesa e alema), comentarei os resul- tados, ainda parciais, da pesquisa Linguagem da Mulher.1

1. PERGUNTAS. Segundo Fishman (1980), 0 significado de

perguntas parece serdiferente para homens e mulheres.

Estas usam perguntas mais como parte duma estrategia

geral para a manutengao da conversa. Perguntas sao atos de fala que requerem urn ato de fala sUbsequente _ a res-

posta, assim que usando perguntas desta maneira e urn

meio de assegurar que a conversa continue. Os horn ens por sua vez tendem a interpretar as perguntas como sim- ples pedidos de informacao. A diferenga aqui e vista como sendo entre modos diretos e indiretos de agir, sendo que quem tern mais poder pode agir diretamente.

Na pesquisa Linguagem da Mulher (doravante LM), uma

analise de cinco conversagoes espontAneas entre homens e

mulheres (35 minutos), mostrou que as mulheres fizeram mais

perguntas do que os homens. Quando analisada a produgao

masculina e feminina em termos da fungao das indagagoes,

nota-se uma diferenga que corrobora a tese de Fishman. En-

quanta os homens fizeram mais perguntas de conteudo (com

fungao de pedir informagao), as mulheres produziram mais

perguntas com a fungao de esclarecimentq (pedido de elabo- ragao do t6pico do outro}2. Este resultado

e

interessante por-

que perguntas que pedem esclarecimentos t~m mais aver

com problemas endotextuais e normalmente ocorrem quando

ha urn baixo indice de compreensao mutua ou algum tipo de

assimetria na relagao, com 0 menos poderoso fazendo os pe-

didos de esclarecimento.

'>'

2. LlGAC;;OES ENTRE TURNOS DE FALA. Quando urn falan-

te toma 0 turno na conversagao ele pode comegar ao re-

conhecer explicitamente a contribuigao do(s) falante(s) an- terior(es) e pode entao falar urn t6pico diretamente Iigado com 0 que aconteceu anteriormente. Parece que este pa- drao e tipicamente adotado por mulheres. Por outro lado,

os homens nao sentem a necessidade de fazer uma Ii-

gagao com a contribuigao do falante anterior, ee muito mais provavel que 0 homem ignore 0que foi falado antes e comega diretamente a falar no seu pr6prio t6pico. Dados preliminares da LM tendem a confirmar este comportamen- to masculino, embora falte ainda uma analise sistematica deste aspecto.

3. MUDANC;A DE TOPICO. Mudangas entre t6picos nas con- versas entre homens tendem a ser abruptos, enquanto as mulheres tipicamente constr6em suas contribuig6es em cima da fala anterior assim que as mudangas de t6picos sac graduais. Os resultados da LM confirma esta tenden- cia. A mudanga de t6pico implica no fechamento do t6pico em curso e a introdugao de urn novo t6pico.

0

modo mais eficaz de propor t6picos novos e ir afirmando 0 que se pre- tende dizer, ou seja, mediante uma estrategia assertiv8. Essa estrategia e usada preferencialmente pelos homens, 0 que tambem Ihes garante 0 maior numero de t6picos e Ihes da urn dom6nio sobre a orientagao dos assuntos na con- versac;a03•

4. INTERRUPC;OES. Interrupg6es, ou a fala de outro falante durante 0 turno do falante corrente, fazem parte da conver- sa relaxada e informal entre iguais. Mulheres frequentemen- te fazem comentarios e respostas mfnimas durante 0 turno da outra. No contexte da interagao entre s6 mulheres, tal comportamento nao e visto como uma tentativa de negar 0 direito do falante corrente completar seu turno, mas como evidencia de uma ouvinte atenta e participativa. As inter-. rupg6es dos homens, do outro lado, parecem ter como fi- nalidade, a tomada do turno e pOrtanto estao percebidos como uma tentativa de negar 0 direito do falante corrente de terminar seu turno. Segundo Zimmerman e West (1975), nas conversas entre os sexos, 0 use de interrupg6es pelos homens resulta no fate de que as mulheres deixam de fa- lar.

Diferente dos resultados citados por Zimmerman e West, na LM nao ha diferengas muito significativas em termos de numeros de interrupg6es feitas por homens e mulheres. Nas conversas espontaneas, porem, tanto homens e mulheres in- terrompem mais 0 interlocutor do sexo oposto do que 0 do mesmo sexo, que pode indicar que conversas entre os sexos sac mais problematicas.4

5. 0 ATO DE OUVIR. Na conversa os participantes tern dois principais papeis, como falantes e como ouvintes. Varias pesquisas mostram que as mulheres valorizam 0 papel de ouvinte. Elas usam respostas mfnimas, nao interrompem no

sentido de tomar 0 turno, e ativamente encorajam outros a falarem. Homens parecem ver a conversa como uma com- petigao onde a meta

e

a de ser 0falante. Isso significa que

suas estrategias conversacionais envolvem a tentativa de tomar 0 turno quando posslvel e manta-Io.

0

papel de ou-

vinte nao e valorizado pelos homens. Essa situagao se

confirma na LM onde nas conversas espontaneas mistas,

das manifestag6es de ouvinte, 70% foram produzidas por mulheres e apenas 30% por homens.

Em conclusao, pode _ser argumentado que sua com-

petancia num estilo diferente daquele do homem causa as mu-

Iheres ficarem em desvantagem na conversa com os homens.

Nas conversas mistas mulheres fazem mais trabalho interativo, apoiando os t6picos dos outros, respeitando os turnos dos ou- tros, facilitando 0 fluxo conversacional atraves do usode per- guntas.

o

resultado disso e que os homens controlam e portan- to, dominam a conversa entre os sexos.

1. A pesquisa A LINGUAGEM DA MULHER: 0 MODO FEMININO

DE FALAR, desenvolvido por Judith Hoffnagel e Elizabeth Mar- cuschi, teve seu infcio em 1988 com financiamento da Funda<;ao Carlos Chagas e CNPq, (ct. Hoffnagel e Marcuschi 1988, 1992; Marcuschi e HoffnageI1990).

2. Nao foram inclufdas aqui as perguntas ret6ricas nem as "tag questions" (perguntas p6spostas do tipo e bonita, nao e?). 3. Nas conversac;6es espontaneas e dic~logosdo NURC entre ho-

mens e nlulheres analisadas pela LM, 109 t6picos foram introdu- zidos, 61% por hornens e 39% por mulheres.

4. Urn fate interessante, porem,

e

que no caso das mulheres 35% das suas interrup<;6esvem em0que Sacks, Scheglhoff e Jeffer-

son (1974) chamam de "possible completion point" enquanto apenas 24% das interrup<;6es dos homens ocorrem nesta con- di<;ao.Isto significa que as mulheres sac talvez mais sensfveis as regras da conversa<;ao.

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ESTRATEGIAS DE CRIA~AO DE HUMOR