• Nenhum resultado encontrado

O direito de propriedade, anteriormente abordado, é, na concepção de alguns doutrinadores, supedâneo do poder hierárquico56 do patrão na relação de emprego, vez que aquele, por deter os fatores de produção e por suportar os riscos da atividade econômica, pode e deve administrar a atividade dos seus funcionários.

Referido poder do empregador deflui do art. 2º da CLT, que prega:

Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

Assim, a titularidade do poder diretivo do empregador se consubstancia na subordinação jurídica do empregado, que representa um dos requisitos essenciais da relação de emprego, manifestando-se na capacidade do empregador em dirigir, organizar a atividade empresarial.

O art. 3º da CLT também apresenta um reflexo do referido poder, ao enunciar que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”, onde se grife a declaração de dependência como subordinação do empregado ao comando do empregador.

56 Há três teorias que fundamentam a existência do poder diretivo do empregador: a teoria da propriedade

privada, a institucional e contratual. A primeira teoria sustenta que o poder diretivo do empregador advém da sua condição de proprietário da empresa, tendo o poder de comandar porque é dono; a segunda teoria, a institucional, atribui a existência do poder diretivo do empregador ao caráter político e social da empresa; a última teoria fundamenta a existência do poder diretivo do empregador no contrato de trabalho, donde emana a responsabilidade deste em organizar e disciplinar o trabalho prestado.(cf BARROS, Alice Monteiro de. Curso

de Direito do Trabalho. 4. ed., revista e ampliada. São Paulo: Editora LTr, 2008). Buscando harmonizar tais

teorias, Belmonte, citando Márcio Túlio Viana, informa que o poder diretivo encontra no contrato de trabalho, juridicamente, seu fundamento, embora, sob o ponto de vista sociológico, possa ter por fundamento o direito à propriedade e a responsabilidade pelo risco do negócio (cf BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento

38

Maurício Godinho Delgado, abordando o tema, informa que a doutrina valeu-se da denominação de poder hierárquico para caracterizar dita prerrogativa, mas se refuta tal termo porque essa expressão “carrega-se de rigidez incompatível com qualquer processo de democratização do fenômeno intra-empresarial de poder”. E continua afirmando que “mesmo hoje, não deixa de evocar uma lembrança severa, implacável e hirta do fenômeno do poder na empresa”57. Aponta como sinonímia mais adequada o termo poder empregatício ou poder intra-empresarial. E bem o define como:

O conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado ainda como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços.58

Alice Monteiro de Barros, aludindo às mesmas críticas à denominação de poder hierárquico, admite existir um “poder diretivo definido pela capacidade atribuída ao empregador de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa”59.

Valendo-se do denominativo poder de direção do empregador, Sérgio Pinto Martins, por sua vez, o estabelece como sendo a “forma como o empregador define como serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrentes do contrato de trabalho”60.

Preferiu-se usar, neste trabalho, o termo poder diretivo por ser recorrente na doutrina, e estar esculpido no substrato legal que lhe dá suporte, advindo do verbo dirigir, do art. 2º da CLT.

O poder de direção exterioriza-se pelo poder diretivo propriamente (também chamado de poder de organização ou de comando), poder regulamentar, poder de fiscalização e poder disciplinar. Alertam Alice Monteiro de Barros e Maurício Delgado que, em verdade, têm-se só duas dimensões, o diretivo e o disciplinar. Os poderes fiscalizatório e regulamentar são extensões, apresentando-se como manifestações conexas do poder diretivo.

57 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Editora LTr, 2004, p. 630. 58 Idem, ibidem, p. 629.

59 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed., revista e ampliada. São Paulo: Editora

LTr, 2008, p.576.

39

O poder de organização consiste na capacidade do empregador de organizar seu empreendimento, estabelecendo diretrizes, a atividade a ser desenvolvida, a missão, as visões de futuro, os cargos, as funções, as estratégias, enfim, exercer o comando da empresa.

O poder regulamentar que, para alguns, é extensão do anterior, representa a capacidade de elaboração das regras gerais do estabelecimento a serem observadas e seguidas pelos empregados. Quanto a esta atividade regulamentar do empregado, Delgado faz importante ressalva:

Nessa linha, a compreensão jurídica mais importante a respeito do poder regulamentar empresarial é a de que ele não tem o condão de produzir efetivas normas jurídicas mas, sim, meras cláusulas contratuais (ou se preferir, atos jurídicos unilaterais, que aderem ao contrato). Ou seja, os diplomas resultantes do poder regulamentar empresarial (regulamento de empresa, por exemplo) não são compostos por normas jurídicas, mas por simples cláusulas obrigacionais.61

Isto significa que a produção das regras, apesar da discricionariedade dada ao empregador, sucumbe às normas legais aplicáveis ao campo laboral quaisquer que sejam. O

jus variandi do empregador encontra espaço somente no que atine aos direcionamentos da

atividade empresarial, observando, em todo caso, os princípios gerais e especiais do Direito do Trabalho e demais normas, inclusive as autônomas.

Neste espaço de comando, a empresa tem o direito de criar nomes de usuário e senha de acesso para cada empregado, estabelecer direitos e privilégios destes na rede e efetuar, sem prévio aviso, a mudança nestes nomes, senhas e/ou privilégios. Do mesmo modo, entende-se que poderia obter informações de seus computadores e servidores sobre as atividades prestadas por seus empregados.

Além de poder criar os regramentos da empresa, pode-se também proceder com a vigilância das atividades pelo poder de fiscalização, que corresponde a capacidade de fiscalizar e controlar as atividades exercidas pelo empregado. Como exemplo, citem-se as revistas pessoais, o controle do ponto, o monitoramento visual, e outros. Significa fazer o acompanhamento dos empregados, verificar se estão sendo cumpridos os regramentos internos da empresa e como estão sendo desenvolvidas as atividades de produção.

Nessa faceta do poder diretivo, está assentado importante fundamento para o monitoramento dos e-mails e do acesso à internet no ambiente de trabalho. Tal monitoramento seria mero reflexo do poder fiscalizatório do empregador, instrumental

40

necessário para acompanhar o cumprimento das regras estabelecidas pelo poder regulamentar, e cujas transgressões por parte do empregado ensejaria aplicação de sanções decorrentes de seu poder disciplinar.

Cabe aqui uma ressalva que se estende a todos os poderes do empregador: o comedimento de excessos. O poder fiscalizatório (e o poder diretivo genericamente falando) deve observar limites, como a liberdade e a dignidade básicas do trabalhador. A dignidade da pessoa humana, pedra angular dos direitos fundamentais, sobrepuja as prerrogativas do empregador no comando da empresa.

Como bem explana Carlos Henrique da Silva Zangrando, apontado por Leda Maria Messias da Silva, embora o poder diretivo contenha alto grau de discricionariedade por parte do empregador, não é ilimitado, havendo princípios básicos para a sua limitação:

a) as circunstâncias não diretamente atinentes e, em geral, as atividades estranhas ao trabalho refogem ao poder hierárquico;

b) fora do local de trabalho não existe vínculo de subordinação;

c) a rigidez do poder diretivo se atenua quando aumenta a intelectualidade da prestação do serviço;

d) o empregado é titular de um certo “jus resistentiae”, podendo recusar-se a cumprir uma ordem quando, por exemplo, acarretar grave perigo; for manifestamente ilegal; for de difícil ou impossível execução; quando for totalmente alheia ao serviços para os quais foi contratado; ou ainda quando o empregador se utiliza ilegitimamente do poder diretivo. 62

Por último, o poder disciplinar do empregador visa garantir a ordem na empresa e a disciplina, com a observância de suas regras. Muito se questionou, no passado, sobre a possibilidade do empregador estabelecer sanções. Mas tal contestação está superada, encontrando nas penalidades aplicáveis, como a advertência e a suspensão, substrato legal, e onde, na mesma lei, tem definidos seus limites.

Documentos relacionados