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PODER E LEGITIMIDADE: AS IMAGENS DE HATSHEPSUT 1 AS REPRESENTAÇÕES DE HATSHEPSUT

PODER E CENTRALIZAÇÃO: O INÍCIO DE UMA DINASTIA E A EMERGÊNCIA DO REINADO DA MULHER-FARAÓ

PODER E LEGITIMIDADE: AS IMAGENS DE HATSHEPSUT 1 AS REPRESENTAÇÕES DE HATSHEPSUT

O material selecionado para esta pesquisa emana principalmente de dois sítios: a Capela Vermelha de Amon em Karnak e o templo construído por Hatshepsut em Deir el- Bahri – Djeser-djeseru. Contudo, duas fontes utilizadas são provenientes de outros locais do Egito: o grafito da região de Assuã (relevo 2) e a inscrição encontrada em uma mina no Sinai (relevo 11). O relevo 4, em que aparece cena representada em um obelisco, apesar de não fazer parte da Capela Vermelha, está inserido no complexo templário de Karnak.

Até meados do século XIX, momento em que a arqueologia se estruturava enquanto campo de saber e que deu início a uma série de intensivas escavações na terra dos faraós, Hatshepsut permaneceu desconhecida. A partir desse momento, emergiu a imagem da soberana que, como vimos, acabou estimulando a imaginação de pesquisadores que desenvolveram variadas categorizações a respeito de suas ações e de seu caráter.

Durante os anos de 1922-1929, o egiptólogo Herbert Winlock chefiou expedições arqueológicas em cemitérios do Reino Médio localizados na região de Deir el-Bahri. Ao longo das escavações na área entre o templo da mulher-faraó e o templo do faraó Montuhotep, da XI dinastia, foram encontrados fragmentos de estátuas, dentre elas as estátuas osirianas de Hatshepsut, que fazem parte do corpus por nós selecionado. Esses artefatos foram sistematicamente descartados ainda na Antiguidade, provavelmente no final do reinado de Thutmés III. O trabalho de reconstrução das estátuas, em muitos casos incompleto, deu origem a um grupo significativo de peças que hoje fazem parte do acervo do Metropolitan Museum of Art, instituição financiadora dessas escavações, e de outros museus espalhados

pelo mundo.162

A Capela Vermelha, que recebeu esse nome devido à cor do quartzito, material usado na sua construção, fazia parte do complexo templário de Amon e foi construída para abrigar a barca desse deus, que aparece em inúmeras representações. Foi redescoberta em 1950, sendo hoje apreciada, após sua reconstrução no Museu a céu aberto de Karnak, como parte individual da grande estrutura original. Os blocos que formam a capela163 tiveram um número significativo de seus relevos apagados no reinado de Thutmés III, após o desmantelamento da estrutura.

Observamos que os ataques à imagem de Hatshepsut acabaram por acrescentar um problema àqueles inerentes ao estudo de fontes antigas, como a ação do tempo e o roubo de artefatos. É evidente que, mesmo se intentássemos nos restringir ao templo de Deir el-Bahri que possui abundante material, muito do que foi produzido no período acabou perdido. Assim, a análise muitas vezes aparece limitada por lacunas, que dificultam a pesquisa.

Outro ponto a ser destacado é que, embora as representações que servem de fontes para esta pesquisa tenham sido produzidas pelo poder central e sejam fruto da arte canônica egípcia, sabemos que, como observado no capítulo 1, havia uma arte popular que não estava encarcerada nas regras estabelecidas pelas produções oficiais. Um exemplo dessa modalidade que chegou aos dias atuais foi o já mencionado grafito em que Hatshepsut aparece em coito anal com o que parece ser seu favorito na corte, Senenmut (figura 15). Não há qualquer inscrição que identifique a imagem à mulher-faraó. Porém, a representação de uma mulher com o toucado real nemes e a proximidade da gruta em que tal imagem foi encontrada com o templo mortuário de Deir el-Bahri sugerem que a mulher era Hatshepsut. Essa representação, apesar de não inserida no corpus, visto que o ponto central do estudo encontra-se no uso das imagens faraônicas como instrumento de legitimidade, é de grande importância para pensarmos até que ponto o discurso legitimador encontrava ou não eco fora do poder centralizado pelo soberano e a elite.

Tendo em mente os limites dos materiais que chegaram a atualidade e as opções efetuadas, o corpus da presente pesquisa foi formado a partir da disponibilidade e da significação das imagens para o tema escolhido - representações da rainha Hatshepsut como

162 ROEHRIG, Catherine. Hatshepsut and the Metropolitan Museum of Art. Separata de: KMT A Modern Journal of Ancient Egypt. San Francisco, KMT Communications, v. 1, n. 1, p. 28-33, Spring 1990.

instrumento de legitimação - , ou seja, a partir de sua especificidade diante daquilo que foi produzido no período e que chegou aos dias de hoje.

FIGURA 15

Grafito representando o ato sexual de Hatshepsut e Senenmut

À Direita: detalhe do desenho encontrado em uma construção inacabada nas imediações do Templo

de Hatshepsut

Referência: http://www.maat-ka-ra.de/english/personen/senenmut/senenmut_hatschepsut.htm(Acesso em 13 de janeiro de 2010)

2. A DISPOSIÇÃO DAS FONTES ANALISADAS

Com o intuito de facilitar a consulta, as fontes foram organizadas e numeradas a partir de dois grandes grupos: relevos e estátuas. Essa divisão teve como intuito proporcionar coerência a um corpus em que, muitas vezes, torna-se impossível datar com precisão as imagens, chegando-se apenas a definir o período aproximado de sua confecção.

Dentro desses grupos as imagens foram organizadas a partir da idéia, apresentada nos capítulos anteriores, de que, no processo de ascensão de Hatshepsut de rainha regente a faraó, as representações da mesma foram enfatizando os aspectos masculinos inerentes à sua posição de soberano do Trono das Duas Terras. Apesar da dificuldade já mencionada de se classificar por data as representações analisadas, houve uma tentativa de dar uma ordem temática e cronológica às imagens, baseada na presença de aspectos femininos, fortemente presentes no

período regencial, mas ocultadas ou reduzidas a partir da auto-proclamação de Hatshepsut como faraó.

No primeiro grupo foram dispostos vinte e quatro relevos, na seguinte ordem: 1- aqueles produzidos no período em que Hatshepsut aparece como rainha, 2- na fase em que foi regente durante a menoridade de Thutmés III e 3- durante seu reinado como faraó. O último momento mencionado é o que conta com o maior número de fontes. As imagens foram dispostas em temas como “coroação” e “culto aos deuses” (oferendas e rituais), ficando por último a imagem que mostra Thutmés III adorando Hatshepsut e representações apagadas ou substituídas durante o reinado do sucessor da mulher-faraó. Para o grupo dos relevos foi desenvolvida uma numeração própria, que vai de 1 a 24.

No que concerne às estátuas, foram organizadas seguindo lógica semelhante àquela empregada para os relevos. As imagens de Hatshepsut foram distribuídas a partir dos temas “representações entronizadas”, “representações como esfinge”, “representações de culto aos deuses” (oferendas, por exemplo) e, por fim, “representações osirianas”. As esculturas também receberam uma numeração, de 1 a 15.

Para cada imagem foi feito um quadro em que são separados, tendo em vista a proposta metodológica, os aspectos femininos e masculinos presentes nas representações (ver anexo 1). É importante salientar que a citação de terminações de palavras e nomenclaturas no quadro ocorreu somente nos casos em que há inscrição e em que a mesma foi traduzida. A ausência de textos ou de sua tradução em algumas imagens não causou grande prejuízo já que o foco da pesquisa está nas representações iconográficas de Hatshepsut. A presença desses textos atua no estudo como um reforço às conclusões obtidas com a aplicação da metodologia escolhida às figuras.

Ao longo da pesquisa foram priorizados aspectos significativos para o tema escolhido. Portanto, nem todos os detalhes presentes nas composições foram considerados e analisados, como, por exemplo, a variação de coroas e paramentos nas representações. Tendo sido feitas as devidas observações, segue-se a apresentação das fontes.

Relevo 1: A rainha Hatshepsut realizando oferenda junto com sua filha Neferura.