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Muita gente ignora que a poesia seja uma arte temporal. E que, como a música e o canto popular, tem raízes na imaginação, nas festas do povo, nas baladas e no ditirambo grego.

O primeiro poeta foi Homero. O primeiro sacerdote, Orfeu. Descendemos de Homero, como descendemos de Orfeu. O objeto da poesia nem sempre é o mesmo, mas a pureza da intenção, o prazer superior do espírito, permanece.

Se considero Shakespeare o mais completo poeta que existiu, foi porque ele traçou com Hamlet, o retrato do artista. Hamlet foi e será sempre um limite entre o conhecido e o desconhecido, entre a luz e as trevas. Quem não entender o tipo Hamlet, nada percebe, nada intui de belo e de trágico que mora no homem.

E Hamlet não gostava de Polonius. Amava apenas uma mulher de olhos doces e meigos.

Foi com Poe que aprendi uma definição de poesia. “Criação rítmica da beleza”, assim fala o poeta que conheceu do anjo e do demônio. E que, por fim, venceu o demônio.

Confesso que reconheço a modificação que vem passando a poesia atualmente. A linguagem tornou-se mais precisa, a escolha da palavra mais cuidadosamente feita pelo poeta, o ritmo e o sentido imprimiu significação moderna ao símbolo, ao senso da metáfora. Quero dizer, a poesia passa a ter um sentido mais universal, valorizando a tradição, porém não esquecendo a experiência do momento, a emoção que vem do contato permanente e constante com a vida.

Sendo assim, não somos românticos nem simbolistas. Somos os que procuram a autoexpressão para dar significação à personalidade mergulhada muitas vezes na prisão do espírito, ressentindo todas as influências que decorrem do ambiente e da sociedade. O poeta nem sempre aceita o mundo circundante. Tem revolta. E sua revolta não se dirige contra o destino, como Sófocles. Sua revolta se dirige contra

convenções, normas ultrapassadas, preconceitos apodrecidos de uma sociedade que não preenche mais as necessidades de apoio moral e intelectual de que precisa o homem.

Uso na minha poesia uma técnica puramente verbal de dar sentido a emoção, expressão culta, não oral, mas escrita, de transmissão de impressões e de procura de uma possibilidade. O conhecimento científico difere do conhecimento poético. Na ciência buscamos a certeza. A psicologia, a sociologia, a antropologia, são ciências que também se contemporanizam, quebrando antigos tabus sobre o universo.

O poeta moderno exprime mais livremente a sua mensagem. No entanto, a sua responsabilidade é maior. Um Robert Frost cujo compromisso com a beleza e a harmonia são altamente grandes não deixou de ser o melhor poeta americano contemporâneo.

Sua aceitação da noite, sua participação com a natureza, tornaram-no o mais autêntico, porque o mais ligado àquelas fontes espontâneas que fazem do poeta o bardo, o vidente.

Minha intenção neste livro de poemas foi única e exclusivamente poética. Qualquer outra interpretação trai a malícia de quem o imaginou. Uma mulher pode ser um abismo como também uma flor da montanha. No meu caso, encontrei um abismo. Mas, somente no abismo encontra-se a verdade. Os deuses amam a profundidade, não o tumulto, dentro da gente. Tirei deste abismo rosas azuis. Com elas, faço um ramo dourado e o deponho perto de minha janela. Pássaros vindos, não sei de que nascentes ou de que montanhas, cantam novas canções para mim.

Mas, fiquemos com a opinião crítica de Eliot. Não sejamos mais românticos. Aceitemos antes, a mensagem de Donne e de Vaughan, mais do que a de Wordsworth ou de Shelley.

Estejamos com a doçura de Emily Dickinson contra a brutalidade de Aquiles ou de Agamenon.

Prefiramos Baudelaire. E nem desprezemos Musset. Visitemos o cemitério marinho de Valéry, e sejamos como ele, universais. Tão universais quanto Da Vinci ou Goethe.

E não desprezemos a nuvem branca que borda o firmamento com faíscas de ouro e de basalto.

E então. Recordemos Hart Crane. Tenhamos a humildade de um cisne. E a tranqüilidade de um jarro chinês. Saberemos agora porque o silêncio não se transmite por herança. E que muitas vezes somos importunos por necessidade, insistentes por desconfiança.

Sou como Heráclito. Todo fim representa um começo. Tudo flui num ritmo eterno.

Milton foi adversário do mal. Miguel e Satã. Tristão e Isolda.

(O Livro de Tânia, [s/p.])

Walflan de Queiroz, primeiramente, se volta para os primórdios da Poesia e lembra que, assim como a música e o canto, é também uma arte temporal; observa, com razão, que a poesia, em sua essência, se realiza a partir de Homero. O poeta grego nada faz sem a invocação das Musas, sem o desígnio dos deuses.

O crítico literário Otto Maria Carpeaux (1943) chamou Homero de a “Bíblia dos gregos”. Carpeaux percebeu a influência dos seus cantos, Ilíada e Odisséia, no processo construtivo da cultura grega. Segundo Carpeaux, há uma pedagogia em torno das obras de Homero, porque ele é uma espécie de modelo, de manual para os antigos, tendo deixado um legado para a humanidade.

Numa perspectiva semelhante, o escritor Octavio Paz, em seu livro, A Outra Voz, enfatiza que Homero é a origem da Grécia. E para esclarecer melhor o sentido dessa origem, escreve:

Seus grandes poemas, seus heróis e sua moral foram os arquétipos estéticos e éticos de gregos e romanos. De certa forma a Ilíada e a Odisséia foram a Bíblia e os Vedas dos helênicos. As crianças e adolescentes recitavam os velhos hexâmetros enquanto aprendiam a somar ou a praticar exercícios físicos. Na grandiosa tentativa de helenização de Roma, não podia faltar uma escritura poética de fundação que fosse o equivalente aos poemas homéricos. (PAZ, 1993, p. 96)

De Homero para Orfeu, o “primeiro sacerdote”, entre os gregos, é traçado o laço filial, o legado histórico, a descendência que expressa o poeta Walflan de Queiroz, para em seguida reconhecer-se em Shakespeare, ou melhor, reconhecer-se no mais intrigante de seus personagens, Hamlet, o príncipe revoltado, ensandecido, que vê o fantasma do pai a lhe pedir vingança. Em Hamlet, coexistem a poesia e a loucura, o amor por Ofélia e a morte. “E Hamlet não gostava de Polonius. Amava apenas uma mulher de olhos doces e meigos”. Não é a primeira vez que o poeta se vê na figura perturbadora de Hamlet. Em O

Tempo da Solidão, num poema que já foi analisado nesta Tese, havia dito: “Sou como

Hamlet traçou o “retrato do artista” como sendo o gênio incompreendido que expressa o humano em suas contradições e tensões.

Walflan de Queiroz toma para si, fazendo propriamente sua, a sentença de Edgar Allan Poe de que a poesia seria uma “criação rítmica da beleza”. A noção do princípio da beleza como elemento filosófico está ligado à estética da Arte. É muito provável que tivesse conhecimento do ensaio “A Filosofia da Composição”, onde Poe descreve com detalhes como escreveu “O Corvo”, ao comentar criteriosamente os aspectos formais do seu poema, teorizando sobre a criação literária e sobre o fazer poético.

Walflan admite as mudanças pelas quais a poesia vem passando dentro da modernidade. Ele próprio se considera um poeta moderno, que exprime mais livremente o seu pensamento. Comenta que a linguagem “tornou-se mais precisa”, exigindo um maior critério na escolha e na seleção das palavras, dos símbolos e da própria metáfora.

Mesmo valorizando a tradição, Walflan de Queiroz, não abre mão da inspiração e das sensações, ou seja, não abre mão de viver cada instante proporcionado pela experiência, pela interação com o mundo. Conforme ele diz: “a emoção que vem do contato permanente e constante com a vida”. A poesia no seu entendimento é vida. A poesia pela natureza universal de sua linguagem transcende as fronteiras geográficas e não se restringe às escolas literárias.

O poeta, portanto, não deseja de forma alguma ser taxado de romântico nem de simbolista. E se define como aquele que busca a “auto-expressão para dar significação à personalidade mergulhada muitas vezes na prisão do espírito, ressentindo todas as influencias que decorrem do ambiente e da sociedade”. Estas declarações do poeta se prestam para que sejam esclarecidas e delimitadas as questões sobre a relação da sua poesia com a tradição literária, que em nenhum momento do seu texto ele despreza.

Ora, como se vê, essas influências do ambiente social de que nos fala, geram conflitos, ou seja, alimentam uma incompatibilidade do individuo diante da sociedade. A incompatibilidade implica revolta contra valores sociais que o poeta considera ultrapassado. Dessa forma, ele coloca os seus sentimentos acima dos interesses materiais no seio de uma sociedade voltada ao materialismo, imersa como ele próprio afirma em “preconceitos apodrecidos”, que não oferece nenhuma dignidade ao homem.

O poeta Walflan expressa então a sua revolta, cônscio da sua realidade e do desejo de transcendê-la. A técnica de sua poesia, diz ele, é “puramente verbal de dar sentido a emoção”. Não existe emoção sem vivências. Assim como O Tempo da Solidão, O Livro de

Tânia celebra uma poética do vivido em que o lirismo liga-se ao realismo das paixões

desde sempre transfigurado por meio da linguagem.

Não resta dúvida de que o motivo principal do seu livro é uma mulher, uma vez que o título e os poemas apontam para essa perspectiva. No entanto, o poeta dá uma dimensão poética para a sua paixão por Tânia como forma de autodefesa, evitando em seu discurso lírico-amoroso o dado estritamente biográfico. Tânia representa um mundo ficcional, imaginário, psicológico, afetivo. O mundo real e o poético fundem-se no processo imaginativo: “Minha intenção neste livro de poemas foi única e exclusivamente poética. Qualquer outra interpretação trai a malicia de quem imaginou”. Ao fazer essa advertência, o poeta conclui dizendo que uma mulher pode metaforicamente significar “um abismo como também uma flor da montanha”. No seu caso, ele achou um abismo. Ele imergiu nas profundezas do abismo, que é símbolo das insondáveis forças do inconsciente. A poesia pode resgatá-lo do abismo no qual se atirou. Desse abismo, tirou “rosas azuis”, a expressão da sua sensibilidade emotiva. Construiu com elas um “ramo dourado”, guardando-o perto

da sua janela. Pássaros desconhecidos são atraídos por essa imagem e cantam canções que o poeta recolhe e transforma em poemas.

Walflan de Queiroz menciona poetas que verdadeiramente lhe tocam, poetas com os quais se identifica, com os quais se espelha para escrever a sua poesia. Desde O Tempo da

Solidão ele vem citando os seus poetas através de um procedimento dialógico.

Admite a importância crítica de T. S. Eliot no tocante a modernidade, para logo em seguida eleger os poetas metafísicos, John Donne e Henry Vaughan, sem esquecer-se dos românticos, William Wordsworth e Shelley.

Evoca “doçura” da poesia de Emily Dickinson. Evoca Baudelaire o “poeta da modernidade”. Evoca o bardo romântico francês Alfred Musset, espécie de ícone dos poetas do “mal-do-século”. Recorda Hart Crane. Evoca a imagem do cisne e a do jarro chinês, símbolos que fornecem a leveza e a transparência da realidade interior do espírito, pois no cisne reside, segundo o poeta, a humildade, enquanto que no jarro, a tranquilidade, ou seja, a paz. E, então, fala-nos do silêncio, sugerindo a introspecção.

Ao dizer que o silêncio não se transmite por herança, Walflan de Queiroz começa a ensaiar os primeiros passos do silêncio contemplativo que será determinante na concepção da sua poesia religiosa.

Por fim, o poeta afirma ser como Heráclito numa profunda reflexão metafísica diante da perspectiva do Ser em eterno movimento. Heráclito diz: “Tudo se faz por contrastes; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”. Dessa fonte, o poeta Walflan bebe, reconhecendo as contradições e os conflitos existentes no ser humano. A vitória do Arcanjo São Miguel sobre Satã. O trágico amor vivido por Tristão e a princesa Isolda.

Os poemas n‟O Livro de Tânia estão distribuídos em quatro partes: “Três momentos para Tânia”, “Poemas da ausência”, “De profundis” e, por último, “O sustentáculo da nuvem”.

Começamos a nossa leitura da poesia d‟O Livro de Tânia pelo primeiro poema dedicado a Nossa Senhora do Carmo, um título consagrado à Virgem Maria, mãe de Jesus, segundo a tradição judaico-cristã.