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3. FUNDAMENTOS DO CONTEÚDO TEÓRICO PROPOSTO PARA SER INSERIDO

3.3 Polêmica Entre Leibniz e os Cartesianos: a causa dos movimentos

É histórica a polêmica que foi travada entre Leibniz e os cartesianos (seguidores de Descartes) a respeito da resposta da pergunta: qual a 'causa' dos movimentos? Qual é a verdadeira medida de força? Descartes argumentava que sua Quantidade de Movimento – mv – (produto entre a extensão do corpo pela sua velocidade escalar) era a causa dos movimentos. Já Leibniz afirmava que a causa era a sua vis viva – mv² – (produto entre a massa do corpo pelo quadrado da velocidade). Cabe ainda informar, sobre a vis viva, que houve duas fases: na primeira Leibniz houvera incorporado o conceito de extensão cartesiana e considerado a vis viva como o produto da extensão do corpo pelo quadrado de sua velocidade; numa segunda fase, Leibniz incorporou o conceito newtoniano de massa e considerou a vis viva de um corpo como o produto da massa newtoniana desse corpo multiplicado pelo quadrado de sua velocidade.

A ideia de Descartes tinha como fundamento uma lei de conservação. Descartes, admitindo que Deus criara o universo com certa quantidade de movimento, argumentava que se um corpo aumenta sua quantidade de movimento, isto redunda que um segundo corpo (provavelmente aquele com o qual o primeiro interage) diminui sua quantidade de movimento. Desta forma Deus demonstraria sua perfeição, constância e imutabilidade. Caso contrário, ou seja, caso a quantidade de movimento não se conservasse Deus não seria mais perfeito, constante e imutável (SILVA OLIVEIRA, 2012).

Cabe aqui um breve comentário para esclarecer os conceitos para não cometermos o erro do anacronismo (avaliar um conceito atribuído a uma dada época passada utilizando um conceito atual). Descartes ainda não conhecia dois importantes conceitos: o de massa e o da velocidade vetorial.

Daí, sua quantidade de movimento consistia no produto entre a extensão, o volume do corpo – levando em consideração a ideia de que quanto maior fosse o corpo, maior seria o seu “peso” –, e a sua velocidade escalar – a rapidez independentemente de sua direção e sentido. Podemos considerar sem nenhum prejuízo conceitual a atual conceituação da quantidade de movimento (Momento Linear), que é o produto da massa pela velocidade vetorial do corpo.

Leibniz, por sua vez, usa a lei da queda livre de Galileu para demonstrar que um corpo de massa m elevado até uma altura 4h terá certa quantidade de movimento ao final de sua queda. Já um corpo de massa 4m elevado até uma altura h terá uma quantidade de movimento, ao final de sua queda, diferente daquela do primeiro corpo. Ele demonstra, assim, que a quantidade de movimento de Descartes não é a grandeza – a causa – que eleva um corpo de massa m até uma altura 4h, pois sua grandeza não mantém sua constância prevista, uma vez assumindo a equivalência respaldada pela estática.

Se fizermos os mesmos testes utilizando a vis viva leibniziana, o resultado é diferente do encontrado na comparação com o caso cartesiano. Os valores das vis vivas dos dois corpos ao final da queda são exatamente os mesmos. Conclui-se que a vis viva é uma grandeza mais fundamental que a quantidade de movimento de Descartes para saber qual a causa dos movimentos. Ao menos percebemos que para o caso do corpo elevado a uma dada altura, esta conclusão é feita sem problemas.

Este curtíssimo comentário a respeito da crítica de Leibniz a Descartes introduz o que podemos passar a relacionar como sendo uma das bases de se entender o princípio leibniziano da identidade entre causa e efeito. Princípio este que estabelece que a causa total deve ser avaliada a partir do efeito que ela produz. Este princípio é de natureza causal e de conservação (SILVA OLIVEIRA; et al, 2012).

Silva Oliveira (2012) usa uma cadeia de raciocínios para demonstrar didaticamente que a conclusão de Leibniz em favor de sua vis viva é correta. Vamos enumerar esta cadeia aqui para vislumbrarmos melhor esta conclusão:

i. Num mundo perfeitamente mecânico, um corpo de massa m, quando elevado até uma altura 4h, sendo solto em seguida; iria interagir elasticamente com o chão e retornar até a mesma altura 4h inicial. Este movimento de subidas e descidas permaneceria ad infinitum.

ii. Analogamente ao que está descrito no item i; um corpo de massa 4m, elevado até uma altura h, solto em seguida interagiria elasticamente com o chão e retornaria até sua altura inicial.

iii. Podemos considerar as interações perfeitamente elásticas que ocorrem nos itens anteriores num mundo perfeitamente mecânico. Reconsiderando essa situação ideal, podemos substituir a interação perfeitamente elástica por uma interação totalmente inelástica. Neste caso, os corpos não iriam mais retornar à sua altura inicial; eles deformariam.

iv. Os efeitos de subidas e descidas acima citados podem ser testados, basta que estudemos as deformações causadas pelos mesmos, respectivamente. Desta forma, é necessário eleger duas esferas maciças, de mesmo raio, uma 4 vezes mais densa que a outra. Ou seja, a esfera de massa 4m é 4 vezes mais densa que a esfera de massa m.

v. As duas esferas de massas diferentes vão cair numa superfície de mesmo material, deformável. O efeito de elevação poderá ser analisado por meio da deformação causada pela queda das esferas de suas respectivas alturas.

vi. Se adotarmos um valor R como sendo a causa da queda e R for a Quantidade de Movimento de Descartes, então a deformação causada pela massa 4m caindo de uma altura h será duas vezes maior que a deformação causada pela massa m caindo de uma altura 4h.

vii. Se R , por ventura, for a vis viva de Leibniz, a deformação causada pelo corpo de massa 4m caindo de uma altura h será a

mesma que aquela causada pela queda do corpo de massa m caindo de uma altura 4h.

Silva Oliveira (2013) responde esta indagação de qual é a causa de levar um corpo de massa m até uma altura h:

Como se sabe, a experiência decide em favor da vis viva pois as deformações são iguais, e não em favor do momento linear cujo resultado seria a de uma deformação que fosse o dobro da outra. Logo, o efeito inteiro leva a uma causa R que é identificada como a vis viva. (SILVA OLIVEIRA; et al, 2013 p.591)

Desta forma, concluímos que, para esta polêmica, este experimento decide em favor da vis viva. Isto não coloca, de maneira alguma, a enorme contribuição feita por Descartes como irrelevante. Suas pesquisas podem ser consideradas como um dos embriões para os estudos dos Princípios de Conservação.