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A política agrária nos governos neoliberais: Collor de Mello, Itamar Franco e FHC Encerrado o período da “Nova República”, marcada pelo caráter conservador, em

ESTADO BRASILEIRO E A QUESTÃO DA REFORMA AGRÁRIA: PROTAGONISMO POLÍTICO DO CAMPESINATO NA LUTA PELA

2.4 A política agrária nos governos neoliberais: Collor de Mello, Itamar Franco e FHC Encerrado o período da “Nova República”, marcada pelo caráter conservador, em

1989 às primeiras eleições diretas após a ditadura militar elegeram para a Presidência da República, Fernando Collor de Melo. Este governo dando início ao projeto neoliberal no país seguiu um conjunto de medidas econômicas estabelecidas por instituições internacionais de controle como: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) elaboradas no final da década de 1980 no marco do Consenso de Washington. Para o campo brasileiro dentre as características que sintonizam com o programa neoliberal comandado por Collor de Mello está a redução da presença do Estado na gestão da estrutura fundiária e o sucateamento do INCRA (SAUER; SOUZA, 2008).

Em relação à reforma agrária, estipulou-se neste governo o assentamento de 500.000 famílias em quatro anos. Entretanto, desde o início, o programa neoliberal adotado e a composição do ministério revelou o fracasso da meta traçada. O Ministério da Agricultura, por exemplo, foi entregue ao latifundiário e membro da UDR, Antônio Cabrera. “Consequência ‘natural’ desta escolha, o Incra não registrou nenhuma desapropriação em 1990, e o Estado, como um todo, manteve o princípio: ‘Questão agrária é caso de polícia’”. (CPT, 1991, p. 05).

As políticas do governo Collor de Mello para o campo brasileiro se caracterizaram, de acordo com Sauer e Souza (2008), em dois vieses: criminalização dos movimentos sociais agrários e concessão de vultosos subsídios à agricultura empresarial.

As políticas de seu governo [Fernando Collor de Mello] para o campo caracterizaram-se pelo apoio e concessão de subsídios à agricultura empresarial e pela criminalização das lutas dos movimentos sociais agrários. Além de não dialogar com as entidades e organizações sociais, Collor criou uma delegacia especializada na Polícia Federal para monitorar e perseguir lideranças camponesas, especialmente do MST, visando sufocar as lutas por

reforma agrária. (SAUER; SOUZA, 2008, p. 71).

Com o impeachment, cassação e renúncia de Collor, o seu vice Itamar Franco assumiu a Presidência. Este governo, produto de ampla articulação política (OLIVEIRA, 2007), imprimiu uma relação mais respeitosa com as organizações camponesas, reconhecendo a legitimidade e dialogando com estas (SAUER; SOUZA, 2008). Além disso, substituiu a direção do INCRA nomeando pessoas comprometidas com a luta pela reforma agrária. No governo de Itamar foi aprovada também a Lei Nº 8.629 de 25 de fevereiro de 1993 (conhecida

como a Lei da Reforma Agrária), que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária (BRASIL, 1993a) e a Lei Complementar Nº 76 de 06 de julho de 1993, que dispõe sobre o procedimento especial de Rito Sumário, para desapropriação de terras, por interesse social, para fins da reforma agrária no Brasil (BRASIL, 1993b).

Estas novas leis trouxeram importantes benefícios a luta pela terra, ao ponto de serem consideradas o principal avanço ocorrido no período (SAUER; SOUZA, 2008). Entretanto, é necessário destacar que baniram a categoria latifúndio, substituindo-a por um critério menos politizado: o de grande propriedade, que ficou compreendida como aquela que excedesse 15 módulos fiscais. A despeito do diálogo e da atenção para com os movimentos camponeses, a reforma agrária continuou exígua no governo Itamar. Somados o governo deste e de Collor de Mello (1990-1994), os 363 assentamentos do período alcançaram menos de 50.000 famílias (DATALUTA, 2013).

Dando prosseguimento às políticas neoliberais de seus antecessores, Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu a presidência do Brasil em 1995. A reforma agrária enquanto política necessária foi desprezada e o apoio aos setores latifundiários continuou latente. Neste governo não se elaborou novo plano para a reforma agrária e a tímida proposta apresentada se restringia a assentar 280 mil famílias nos quatro anos de seu mandato (1995- 1998). Neste período houve ascensão da luta pela terra em todo o país, mantendo o tema da reforma agrária na agenda nacional. O MST intensificou as ocupações e outros movimentos socioterritoriais e sindicais também adotaram a estratégia da ocupação e acampamento, como a CONTAG, por exemplo.

Por parte do governo foram elaboradas medidas de combate às ocupações de terra, principal ação dos camponeses. Dentre estas estão: proibição de vistorias por um período de dois anos em imóveis que foram ocupados, suspensão das negociações em caso de ocupação de órgão público, criação da reforma agrária pelo correio e impossibilidade de acesso a recursos públicos por qualquer entidade que participasse ou apoiasse as ocupações de terra. Destaca-se neste contexto, a elaboração de medidas provisórias para evitar a desapropriação de terras ocupadas e excluir dos futuros assentamentos famílias ocupantes de terras. Como a aprovação da Medida Provisória (MP) nº 2.109-522, de 24 de maio de 2001 que proíbe a vistoria e desapropriação de imóveis rurais ocupados pelos movimentos camponeses e veda a

2 A Medida Provisória 2.109-52 alterou o artigo 2º da lei nº 8.629-93 de 25 de fevereiro de 1993 e encontra-se

em vigor nos dias atuais (2014) por força da Emenda Constitucional nº 32 de 11 de setembro de 2001. Portanto, os governos Lula e Dilma não conseguiram (ou não quiseram) revogar esta medida de criminalização das ocupações de terra e dos movimentos sociais firmada no governo FHC.

transferência de recursos para entidade, organização social ou movimento que participe direta ou indiretamente das ocupações.

§ 6º O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.

§ 7º Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, seqüestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações.

§ 8º A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos. (BRASIL, 2001, p. 25).

Esta MP, editada para proteger os interesses latifundiários, judiciarizou a luta pela terra, criminalizando e penalizando camponeses envolvidos em ocupações de terra. Medidas como esta visavam desmobilizar os camponeses, principalmente, àqueles organizados no MST, principal opositor das políticas neoliberais do governo FHC. Realizou-se também uma verdadeira “satanização” do MST através de propagandas na mídia, produção de material de veiculação via internet, além de pesquisas de opinião pública sobre o Movimento. Estas ações tinham o objetivo de fazer desmoronar o apoio popular ao MST e à luta pela reforma agrária. O governo investiu ainda na divisão dos movimentos de luta pela reforma agrária, reconhecendo as demandas de alguns e ignorando de outros. Os movimentos socioterritoriais ou sindicais moderados, que usavam como tática a negociação ao invés das ocupações de terra, foram privilegiados. O centro dessa política era o enfraquecimento da base social do MST.

Imerso neste cenário político criou-se o Projeto Cédula da Terra, base do futuro Banco da Terra, propostas advindas do Banco Mundial cuja finalidade era fazer a “reforma

agrária” pelo viés do mercado. Tratava-se de um modelo de reforma agrária “assistida pelo mercado”, na qual, o Estado se incumbe somente do financiamento das transações imobiliárias entre os agentes privados (PEREIRA, 2006). Resulta de um arranjo institucional no qual o Banco Mundial concede empréstimos ao Estado-Nação, que transfere aos governos estaduais por meio de convênios a responsabilidade de implementar e gerir os financiamentos para a compra de terras (RAMOS FILHO, 2008). Esta política estava vinculada a um conjunto de medidas de “alívio” da pobreza no meio rural integrando um rol de compensações às políticas de ajuste do Banco Mundial (PEREIRA, 2006), e, como pano de fundo, esvaziava o conteúdo político e conflituoso embutido no conceito de reforma agrária (RAMOS FILHO, 2008).

Na reforma agrária de mercado, para os camponeses terem acesso ao financiamento bancário para compra da terra, deveriam, primeiramente, constituir uma associação e atender alguns requisitos, tais como: não possuir terras ou ser minifúndiário; ser chefes de família; maiores de idade e assumir o compromisso de devolver a quantia financiada. A associação deveria apresentar um proprietário interessado em vender seu imóvel ou parte deste. A terra era negociada pelos “beneficiários”, nos termos do mercado, diretamente com o proprietário. Indubitavelmente, o Estado repassava o protagonismo na condução do processo para os proprietários e beneficiários, o que, estrategicamente, objetiva proteger o capital da ameaça das ocupações de terra. No fundo este tipo de “reforma agrária” era a pedida pelos latifundiários e grileiros, pois ocorria pela compra da terra em dinheiro e a vista, ou seja, realizando a renda absoluta da terra, favorecendo diretamente os proprietários fundiários, os quais passaram a dispor de dinheiro em espécie para investir no que mais lhe fosse conveniente. Acrescenta-se a supervalorização das terras estimulada pela relação mercantil que a referida política se propunha levando a aquisição de imóveis, ou parte destes, de qualidade inadequada, mal localizados e com baixa capacidade produtiva. Tal compreensão liberal do paradigma do capitalismo agrário é comandada pelo capital financeiro acarretando ainda em estímulo aos agentes deste (bancos) através da apropriação dos juros cobrados nos empréstimos.

Ao programa de acesso à terra pelo mercado foram feitas severas críticas por estudiosos, movimentos socioterritoriais e sindicais, pois tratava-se de um prêmio aos latifundiários. As terras improdutivas se tornaram verdadeiros ativos financeiros. O caráter punitivo da desapropriação, defendido pelos movimentos camponeses, novamente foi deixado de lado em função de uma política que privilegiava o capital rentista. Ou seja, retira-se a

reforma agrária do território político transferindo-a para o território da economia capitalista (FERNANDES, 2008c; RAMOS FILHO, 2008).

Portanto, a reforma agrária de mercado mantém inalteradas as relações de força e poder na sociedade em favor do campesinato. Pois as transações patrimoniais financiadas pelo Estado nada tem a ver com uma reforma agrária redistributiva que ao distribuir terra ao campesinato pobre, também possui um caráter desapropriatório, punitivo, às terras que foram griladas do Estado ou que não cumprem sua função social (PEREIRA, 2006).

O segundo mandato de Fernando Henrique (1999-2002), novamente seguindo a cartilha neoliberal e atendendo as políticas do Banco Mundial, buscou transformar os assentados em “agricultores familiares”. Os camponeses foram considerados “empreendedores” e deveriam se ajustar ao mercado e aos negócios. Fez parte dessa proposta a rápida emancipação dos assentamentos, ou seja, em cerca de dois ou três anos após a demarcação das terras, os assentados eram considerados proprietários e o INCRA não teria mais obrigação de atendê-los como beneficiários da reforma agrária. A extinção do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA) e o atendimento das famílias assentadas pelo Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (PRONAF), também fizeram parte deste conjunto de medidas. Tal pacote que prima pela integração ao capital, desqualificando o campesinato ao considera-lo atrasado, está assente no paradigma do capitalismo agrário ao transferir o motivo da diferenciação econômica, intrínseco às relações estruturais de subordinação aos próprios sujeitos vítimas deste processo, como argumentou Fernandes (2013a).

A reforma agrária ganhou contornos meramente produtivistas e o mercado se tornava o regulador das relações entre os assentados. Além disso, se buscava eliminar o conteúdo político de luta e resistência presente nas manifestações dos camponeses. A política agrária de FHC foi marcada ainda pelo emprego da violência para conter as lutas camponesas. Tornaram-se recorrentes o uso da violência policial das forças estaduais na repressão aos camponeses sem-terra como aquela cometida no massacre de Corumbiara em Rondônia (agosto de 1995) e de Eldorado dos Carajás, no estado do Pará (abril de 1996), além de assassinatos em vários estados brasileiros.

O campo brasileiro vivia neste período uma efervescência das lutas e os conflitos se acirravam entre camponeses, Estado e latifundiários. A resposta do governo FHC a estes conflitos foi o aumento da repressão policial. As forças policiais dos estados passaram a assassinar os camponeses em luta pela terra. Em contrapartida, no plano econômico, a política

agrícola do governo prorrogou, infinitamente, as dívidas dos latifundiários (OLIVEIRA, 2007). O governo FHC registrou novamente na história do campo brasileiro, o pacto do Estado com as elites latifundiárias e o desrespeito com os camponeses. Não realizava a reforma agrária, criminalizava os movimentos camponeses e os tratava como caso de polícia.

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