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Num processo democrático e de sufrágio universal, Alberto Joaquim Chissano deixa o poder no ano de 2004 em decorrência de cumprir os dois mandatos de 10 anos, pois, de acordo com a lei moçambicana, o Presidente da República só pode ser reeleito uma vez e vir a concorrer novamente à presidência depois de 5 anos. Então, é eleito Armando Emílio Guebuza como Presidente da República.

Ainda no governo de Chissano, em 2004 foi aprovada a nova Constituição, trazendo algumas alterações ao CNDS: este órgão passa a ser o instrumento da consulta do Estado para assuntos relativos à soberania nacional, à integridade territorial, à defesa do poder democraticamente instituído e à segurança, deixando de ser um instrumento subordinado diretamente e exclusivamente ao Presidente da República.

A política de defesa e segurança de Guebuza estava voltada à importância de uma flexibilização do conceito de segurança, priorizando a garantia de segurança das rotas comerciais no Oceano Índico, onde desembarcam seus corredores contra o avanço da pirataria marinha, ponto que também preocupa a África do Sul (SILVA, 2017, p.261).

Como referem Bussotti e Macamo (2018, p. 115), ‟O crescimento do sector da defesa em Moçambique deve ser enquadrado no seio da estratégia geral que Guebuza quis dar à sua governação (2004-2014), principalmente ao longo do seu segundo e último mandato (2009- 2014)”, tendo como a sua principal política‟[...] apetrechar a área militar para a inviolabilidade do país no que concerne a pirataria marinha e também o combate as forças da RENAMO que quase criaram um desconforto em toda governação de Guebuza”.

Nos dois mandatos do governo de Guebuza (2004-2014), no que concerne à Política de Defesa e Segurança, concretamente o combate à pirataria marítima, o governo privilegiou a cooperação com forças vizinhas no apetrechamento da Marinha de Guerra e na formação do pessoal do Exército na área de combate à pirataria marítima.

Desta forma, Guebuza cria parcerias no sentido de

[...] adquirir navios para patrulhar as costas moçambicanas, medida necessária devido a vários episódios de pirataria, que estavam ameaçando os grandes investimentos ao longo do Canal de Moçambique e que protagonizaram sequestros de vários navios, entre os quais oVeja 5, de propriedade da Efripel Lda., e o americanoMV Panamá(BUSSOTTI; MACAMO, 2018, p. 115).

Daí, houve necessidade de capacitar e apetrechar o setor de Defesa em várias vertentes, tais como na formação e capacitação de quadros militares e na aquisição de material bélico para a segurança costeira, assim como para o combate às forças residuais da RENAMO.

Neste diapasão, o governo de Guebuza cria parcerias na área de Defesa com o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, China e Brasil, na área de formação militar. Neste contexto, muitos militares moçambicanos foram enviados aos países supracitados para adquirir experiência e capacitação na área de segurança e defesa.

Como refere Mabucanhane (2015, p. 1),

Apesar das históricas relações de cooperação Moçambique – China desde a Luta de Libertação Nacional e durante a guerra civil até então, Moçambique reativou cooperação com a China na área de defesa e econômica, e essa cooperação apresentarem significativos resultados em termos de ganhos para Moçambique.

A China foi o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com Moçambique independente, em 25 de junho de 1975 – dia da independência nacional. A partir de então, vários acordos foram assinados entre os dois países, no contexto da perspectiva chinesa de win/win cooperation, em particular nos domínios da saúde, da agricultura e da defesa(MABUCANHANE, 2015).

Com a China, o governo de Guebuza cria uma parceria na área de formação militar de seu oficiais, assim como no fornecimento de logística necessáriaà segurança interna e externa do país, ainda mais nos atuais confrontos militares entre as forças governamentais e as forças residuais da RENAMO.

Ainda no âmbito da cooperação na área da defesa com a China, no ano de 2014, o Brasil enviou uma missão a Moçambique no sentido de auxiliar o país a revitalizar instalações de bases navais e a Escola de Formação de Marinheiros. No encontro, os representantes dos dois países (Ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, e Ministro de Defesa de Moçambique, Agostinho Mondlane) acordaram a ampliação do número de vagas para a formação de militares moçambicanos em instituições de ensino das Forças Armadas

Brasileiras. No mesmo período, o Brasil doou três aviões Tucanos (T-27) utilizados pela Força Aérea Brasileira (FAB) no treinamento de pilotos. O ministro brasileiro também anunciou a doação à Marinha moçambicana de um simulador de manobras navais (BRASIL..., 2014).

Foi nesta altura que o Brasil de Lula entrou como um parceiro importante e essencial para capacitar quadros militares moçambicanos. A política internacional, concretamente a política moçambicana do presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), favoreceu em certa medida esta opção estratégica do governo moçambicano (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Do lado brasileiro, a linha de cooperação no setor de defesa iniciada com Lula continua em parte até o governo de Dilma Rousseff; Michel Temer,até certo ponto,freia consideravelmente os compromissos do Brasil para com a cooperação com Moçambique neste setor (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Apesar do Brasil ser um fornecedor de material militar para Moçambique, fica difícil identificá-lo como tal, dado que era considerado um país progressista. Os parceiros preferidos de Moçambique na arena militar sempre foram os mesmos desde o tempo colonial, os países do antigo bloco comunista, tais como a antiga União Soviética, anteriormente, e China, Coréia do Norte e Romênia no período mais recente. A China tem vendido e doado equipamentos militares, essencialmente equipamentos informáticos, fardamentos e viaturas a Angola e Moçambique (CARRIÇO, 2007 apud BUSSOTTI; MACAMO, 2018), ao passo que a Coréia do Norte é, muito provavelmente, o país do qual o governo de Guebuza adquiriu armas. Finalmente, a Romênia tem acordos de cooperação bilateral com Moçambique para a formação de pilotos militares, assim como representa o primeiro fornecedor de armas a Moçambique no período 2012-2016, segundo dados oficiais (FLEURANT et al., 2017 apud BUSSOTTI; MACAMO, 2018). Diante deste quadro, o foco da parceria bilateral Brasil- Moçambique no âmbito da defesa concentrou-se na formação de quadros militares (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Ainda na cooperação Moçambique-Brasil, no caso específico, ‟[...] as figuras proeminentes desses dois países, Guebuza e Lula, ainda mantinham referências ideológicas de cunho esquerdista, mais explícita do lado brasileiro, e muito instrumental do lado moçambicano” (BUSSOTTI; MACAMO, 2018, p. 127), essencialmente relacionadas com a exaltação da figura de Samora Machel e de sua postura ética. O relacionamento bilateral levou a algumas ações diplomáticas invulgares, tais como a ‟[...] doação de três aeronaves Embraer

Tucano-T27 ao Estado moçambicano, sem a aprovação do Senado brasileiro e sem nenhuma contrapartida oficial” (BUSSOTTI; MACAMO, 2018, p. 127; BRASIL..., 2014).

Moçambique surge como um dos países de África que, entre 2003-2010, assinou acordos de cooperação no setor da defesa com o Brasil, nomeadamente: março de 2009 – primeiro acordo de cooperação bilateral na defesa entre os dois países; e 2014 – encontro em Maputo entre o Ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, e Agostinho Mondlane, Ministro da Defesa de Moçambique, com acordo específico sobre formação com vistas à manutenção da paz, exercícios militares conjuntos, formação de pilotos militares no Brasil, participação de instrutores brasileiros no Instituto Superior de Defesa “Tenente-General Armando Guebuza”. O acordo foi estendido à gestão dos recursos humanos, ao apoio ao agrupamento de escolas da Marinha de Guerra moçambicana, à supracitada oferta de três aeronaves Tucano destinadas às Forças Aéreas de Moçambique e com à acreditação do adido militar moçambicano no Brasil e vice-versa (ÁREA DA DEFESA, 2014 apud BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Diferentemente das cooperações históricas ao nível da defesa que Moçambique manteve, principalmente com países de cunho socialista, que eram de formação e de fornecimento de material bélico, com o Brasil, a cooperação militar era especificamente direcionada à formação e capacitação técnica de quadros (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Em 2008, o Ministério da Defesa de Moçambique, chefiado pelo então Ministro da Defesa Filipe Jacinto Nyusi, solicitou um pedido de cooperação das Forças Armadas de Defesa de Moçambique com os três ramos do Exército brasileiro (Marinha, Exército e Força Aérea), em que a maior prioridade e linearidade era a formação em diversos níveis de quadros dos vários ramos (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Ademais, dos investimentos feitos pelo Brasil na África, principalmente na área da defesa, Moçambique surge numa posição bastante privilegiada, pois entre 2003 e 2013, foi o país para o qual se direcionou maior apoio, conforme indicam os dados a seguir. No ramo da Força Aérea, mais de USD 1,5 milhões foram desembolsados entre 2009 e 2014, sendo Moçambique o maior destinatário desses programas, com gastos em torno de USD 803.010,65 (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

Entretanto, com a governação de Guebuza, as despesas com o setor da defesa sofreram uma aceleração notável, espelho de uma estratégia baseada no reforço da ala militar do país, em resultado do ressurgimento do conflito com a RENAMO (BUSSOTTI; MACAMO, 2018). Após a entrada de Guebuza no poder, um dado bastante significativo na corrida pela formação e modernização das FADM foi a abertura de instituições de formação militar a

diversos níveis de conhecimentos técnicos e científicos. A Academia Militar Marechal Samora Machel começou o seu processo de instalação mediante o Decreto nº 62/2003. de 24 de dezembro, e iniciou seu funcionamento em 2005, tendo como sua principal vocação a formação de oficiais com nível técnico superior. Em 2008, abriu a Escola de Sargentos das Forças Armadas Alberto Chipande. Em 2012, assistiu-se à abertura do Instituto Superior de Estudos de Defesa “Tenente-General Armando Emílio Guebuza”, cuja fase preparatória teve início em 2008, com o Despacho nº 418/MDN/2008. Este Instituto – que teve assessoria da cooperação portuguesa – forma oficiais domais alto nível, mediante cursos de pós-graduação. Os três cursos principais são os de Altos Comandos, de Estado-maior Conjunto e de Promoção a Oficial Superior (BUSSOTTI; MACAMO, 2018).

5.5 Política Externa e de Defesa e Segurança no governo de Filipe JacintoNyusi (2014-