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1.2 – Política e questões sociais no movimento espírita brasileiro

Na terceira parte deste capítulo demonstraremos a existência de uma tradição intelectual espírita de viés socialista. Porém, é importante analisar a presença do ideário socialista em meio a um vasto campo de concepções acerca dos problemas sociais expressas no meio espírita. Ou seja, não basta identificar o ideário socialista na figura de alguns intelectuais espíritas; é necessário colocá-lo em relação a outras posturas para melhor dimensioná-lo no conjunto do movimento espírita.

Para realizar essa tarefa, examinaremos agora artigos publicados na revista

Reformador, da FEB, que tratem de questões relacionadas ao tema dos problemas sociais,

com posicionamentos frente à questão política e à proposta socialista, enfatizando o papel reservado aos espíritas na sociedade. Como o Reformador é uma revista de ampla circulação no movimento espírita brasileiro, tendo consigo a força de verdade advinda das representações coletivas em torno da “Casa Máter”, poderemos generalizar os posicionamentos frequentes nessa revista para uma ampla população de adeptos do Espiritismo, especialmente aqueles mais ligados às instituições federadas. Isto é fundamental para situarmos o ideário socialista no meio espírita, circunscrevendo-o a suas devidas dimensões e visualizando o imaginário espírita acerca do social, em sua complexidade de representações, dando-nos com isso o quadro de referências com o qual o MUE terá de lidar na sua empreitada reformadora. Com isso, também almejamos definir melhor a especificidade do MUE com relação ao conjunto histórico de representações circulantes no meio espírita acerca da política e das questões sociais.

Uma observação crucial merece ser feita de imediato. Já no artigo primeiro do Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada em 1858 por Allan Kardec, encontramos uma taxativa interdição às “questões políticas” e de “economia social”: “Art. 1° - A Sociedade tem por objetivo o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. São defesas nela as questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social” (KARDEC, 1996 [1861], p. 445). O fato é muito significativo, pois tal interdição pode servir de fundamento doutrinário para o movimento espírita. Embora não tenhamos encontrado qualquer referência direta ao artigo primeiro do Regulamento por parte dos articulistas do Reformador, certamente o texto é de grande valia para explicar as subsequentes posturas do movimento espírita brasileiro. Afinal, trata-se do artigo primeiro do regulamento do primeiro “centro espírita” do mundo, fundado pelo “codificador”21 do Espiritismo. Não pretendemos discutir aqui as razões pelas quais Kardec obstou a discussão de “questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social” na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas22, mas não podemos deixar de notar que ele, na prática,

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Notemos, de passagem, que os termos codificador e codificação (que, por sinal, não são encontrados nas obras de Kardec), utilizados para indicar o papel de Kardec com relação ao Espiritismo e a própria Doutrina Espírita, são altamente significativos na demarcação do Espiritismo como religião. Um código legal é um conjunto sistematizado de disposições legais relativamente a um determinado campo do direito e um código religioso é um conjunto sistematizado de dogmas, de artigos de fé. A rigidez, o caráter de sistema fechado, é característica de ambos. Assim, a “codificação kardequiana” é algo altamente sistematizado e fechado, com o adicional de que a ideia de revelação dos Espíritos superiores tende a reforçar ainda o sentido de perfeição do “código”, por ter origem divina. Ainda que os espíritas não queiram chamar de dogmas os elementos constituintes da sua doutrina, o modo como eles são assumidos possui portanto uma enorme força dogmática. 22

Deixamos indicado ao leitor interessado em aprofundar a questão passagens muito significativas da Revista

Espírita (na qual Kardec anotava vários temas que estavam em um estágio inconclusivo com relação à

Doutrina Espírita): (Revista Espírita, mai, 1861, p. 204; fev, 1862, p. 62; mar, 1863, p. 125; jan, 1864, p. 15; jun, 1865, p. 248; set, 1866, p. 355; dez, 1868, p. 540; nov, 1869, p. 449-450). Para dar um exemplo da maior importância, vejamos uma orientação de Kardec aos espíritas de Lyon: “Devo ainda vos chamar a atenção para outra tática de nossos adversários: a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua competência e que poderiam, com toda razão, despertar susceptibilidades e desconfianças. Também não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto disser respeito à política e às questões irritantes; nesse caso, as discussões não levarão a nada e apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém questionará a moral, quando ela for boa. Procurai, no Espiritismo, aquilo que vos pode melhorar; eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais verdadeiramente úteis serão uma conseqüência natural. Trabalhando pelo progresso moral, assentareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as melhoras, deixando a Deus o cuidado de fazer que as coisas cheguem no devido tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que ainda é jovem, mas que amadurece depressa, deveis opor

tratou desses campos do saber em suas obras. Allan Kardec opinou, de acordo com o seu arcabouço cultural, em temas como a desigualdade das riquezas (temática da economia), a igualdade de direitos e a liberdade de consciência (temas da política), e ainda diversos temas de controvérsia religiosa, como as doutrinas do céu e do inferno.

Tendo em mente este “marco zero” da interdição à política e à “economia social” na história do Espiritismo, voltemo-nos para o movimento espírita brasileiro.

Primeiramente, tratemos dos textos publicados no Reformador que discutem diretamente a respeito da política23. Em 1937, durante a era Vargas, a FEB, através da sua revista oficial e de um opúsculo de larga divulgação (Reformador, ago, 1937, p. 311), definiu-se frente à questão da política. Ao que parece, é deste opúsculo que se retirou um excerto publicado na revista A Reencarnação (dez, 1937, p. 3-4), pertencente à Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS), em que se resume a postura da FEB em oito itens:

basicamente se defende a liberdade cívica do voto político, a respeitabilidade geral das ideologias, ainda que todas efêmeras, quando não se apóiam em métodos violentos, devendo prevalecer sempre a fraternidade e por isso não sendo admitidas as atividades coletivas com caráter de partidarismo político, já que essas levam ao fracionamento e à desarmonia. Fiando-se no caráter cristão do Espiritismo, este deve estar acima das lutas e competições partidárias, (...) [não recomendando “candidaturas políticas quaisquer”], “limitando-se a deprecar a Deus luzes, paz e forças do Alto para aqueles que houverem de arcar com as responsabilidades de governo” e considerando desligadas do seu quadro federativo as sociedades adesas que prefiram atuar politicamente. (MIGUEL, 2009b, p. 50-51)

uma firmeza inabalável aos que buscarem vos arrastar por um caminho perigoso” (Revista Espírita, fev, 1862, p. 62).

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Utilizamos para pesquisa a base de dados do Reformador que a FEB disponibiliza em seu site. A busca se dá a partir de termos constantes nos títulos das matérias publicadas no periódico. Para pesquisar o tema política, optamos simplesmente por buscar artigos que tivessem o termo ‘política’ em seu título, acrescidos de alguns outros do qual já tínhamos conhecimento. No total, trabalhamos com vinte artigos, selecionando os quatorze mais relevantes para a nossa análise. É claro que o ideal para uma apreciação mais rigorosa sobre o tema da política no Reformador seria a pesquisa extensiva por toda a revista em busca de discursos relacionados ao tema que certamente estão espalhados por diferentes textos (e não somente aqueles em que o termo ‘política’ consta no título). Entretanto, devido ao limite de tempo disponível para essa pesquisa, tivemos de nos contentar com uma reduzida base documental. Cremos, porém, que tal base é um importante marco inicial para delinear um caminho de pesquisa sobre o tema da política no pensamento espírita brasileiro.

Cabe destacar a ideia de neutralidade na postura da FEB, não apoiando esta ou aquela agremiação política. Não chega a ser discutida a questão da participação do espírita, enquanto cidadão (sem “falar em nome do Espiritismo”), na vida político-partidária.

Em artigo publicado no Reformador (ago, 1937, p. 311-313) sem identificação de autoria, comenta-se uma mensagem de Emmanuel sobre Espiritismo e política, dizendo que a mensagem corrobora os pontos de vista usualmente apresentados na revista oficial da FEB e no opúsculo já referido tratando do tema.

Na mensagem, Emmanuel alerta para os perigos da política, mas não veta a participação do espírita. A “missão evangelizadora” e a atividade política, aliás, não são colocadas como mutuamente excludentes (apesar do alerta para que não seja abandonada a função evangelizadora em razão da função política), como quer fazer parecer o comentário do mês seguinte no Reformador.

Emmanuel ainda dá palpites quanto às ideologias nacionalistas e quanto a tomar partido de classes ou de bancos. Ou seja, opina politicamente. Aqui cabe um parêntesis a respeito de Emmanuel. O respeitado Espírito guia de Chico Xavier dissertara sobre temáticas políticas, econômicas e sociais de alto relevo desde a sua primeira obra publicada, que leva o seu próprio nome. Nela discute-se a experiência soviética, o nazismo e o fascismo, o imperialismo e chega-se inclusive a defesa de um “socialismo de Jesus” (XAVIER, 1938)24. Já em outra ocasião, conta-se o seguinte episódio:

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Falando da relação do catolicismo com o fascismo e o nazismo, Emmanuel afirma que “os países democráticos, que se encaminham, com os seus estatutos de governo, para o socialismo cristão do porvir, sentiriam dificuldade em suportar tutelas dessa natureza. Trabalhadores por doutrinas libertárias, eles vêm pagando com sangue os sues progressos penosamente obtidos. Longe de nós aplaudirmos a política nefasta de Stalin ou as suas atividades nos gabinetes de Léon Blum ou de Azaña; apenas salientamos a tendência das massas para a liberdade, sacudindo o jugo milenar do Catolicismo, que, a pretexto de prosseguir na obra cristã, apossou-se do Estado para dominar e escravizar as consciências” (XAVIER, 1938, p. 57). Em outra passagem, diz que dentro “das vibrações antagônicas do fascismo e do bolchevismo, fórmulas transitórias de atividades políticas do Velho Mundo, todos os que falam em decadência do liberalismo estão errados. Os governos fortes da atualidade, tenham eles os rótulos de nacionalismo ou internacionalismo, hão de voltar-se, do círculo de suas experiências, para as conquistas liberais do espírito humano, caminhando com essas conquistas na sua estrada evolutiva, progredindo e avançando para o socialismo cristão do porvir” (XAVIER, 1938, p. 108). Destacamos que Emmanuel joga pesadamente a responsabilidade por diversos males nos desvios da Igreja Católica: “A estabilidade da Civilização Ocidental, sua evolução para o socialismo de Jesus, dependiam da fidelidade da Igreja Católica aos princípios cristãos. Mas, a Igreja negou-se ao cumprimento de sua grandiosa missão espiritual e o resultado temo-lo na desesperação das almas humanas, em face dos problemas transcendentes da vida” (XAVIER, 1938, p. 110).

Durante as reuniões públicas da Comunhão Espírita Cristã, de Uberaba, Chico recebe uma mensagem de Emmanuel destinada à Freitas Nobre. Nela, Emmanuel falava de sua longa tarefa de pacificação do Brasil. E Chico acrescentou – “Dr. Nobre, Emmanuel está dizendo que o senhor será chamado a atuar em época muito difícil para o nosso país, quando haverá, inclusive perigo de derramamento de sangue. Primeiramente o Brasil cairá muito à esquerda, depois à direita e finalmente caminhará pelo centro, até encontrar seu verdadeiro destino. Haverá turbulência nesses períodos de mudança e o senhor atuará como pacificador, evitando confrontos e radicalizações”.

Era maio de 1962. O país ainda se refazia da renúncia de Jânio Quadros, Jango Goulart é deposto e os militares tomam o poder. Instala-se a Ditadura. As previsões de Emmanuel começam a se concretizar. (transcrito em parte do Correio Fraterno do ABC, São Bernardo do Campo, SP; texto de Altamirando Carneiro; disponível na biografia de Freitas Nobre na página da Federação Espírita do Paraná:

http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=162)

Retornemos ao Reformador. Em outro texto sem identificação de autoria (Reformador, set, 1937, p. 355-356), interpretando a referida mensagem de Emmanuel sobre os perigos da política, afirma-se que os espíritas não devem atuar na política pela inevitável queda do idealismo nesta arena de lutas25. Só o voto não oferece risco. E, se até mesmo é desaconselhada a atuação individual de um espírita, enquanto cidadão, na vida política, com mais força ainda é vetada a atuação coletiva dos espíritas no meio político, como no caso da formação de um partido político espírita.

O problema do envolvimento político-partidário dos espíritas chegou inclusive a um importante congresso espírita. No I Congresso Espírita da Alta Paulista, ocorrido em Marília em 1946, em cuja coordenação atuou Herculano Pires, uma delegação de São Paulo, integrada por Pedro de Camargo (Vinícius), Antônio Rodrigues Montemor e Anita Brisa, trouxe para discussão uma polêmica proposta de membros da FEESP. Segundo Luís Monteiro de Barros (ex-presidente da USE e da FEESP), em entrevista ao jornal Correio

Fraterno do ABC (março de 1982), “Vinicius foi até lá interessado na questão política e

pensava obter apoio do interior”, “a idéia inicial era facilitar ao espírita os meios de entrar

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O articulista interpretou a frase “Os espíritas podem colaborar na política, entendendo sempre que a sua missão evangelizadora é muito mais delicada e muito mais nobre” e o texto de Emmanuel como um todo, como querendo dizer que os espíritas podem colaborar na política no sentido de utilizarem o livre-arbítrio, porém enfatizando que isso não lhes convêm: “não se diz que devam, como o pretendem os que se sentem atraídos os meios políticos” (Reformador, set, 1937, p. 355-356).

na política”. Conforme Jorge Rizzini, no entanto, Vinícius era apenas o “portador da mensagem que representava o pensamento de alguns elementos da FEESP”. Rizzini, reproduzindo o escrito de Herculano Pires no jornal Mensagem (fevereiro de 1975), indica que a proposta “provocou a rejeição do plenário, com numerosas críticas e protestos”, tendo sido Vinicius nomeado “delegado do Congresso, pelo plenário, para tentar demover a FEESP dos objetivos políticos, o que, felizmente, conseguiu” (RIZZINI, 2001, p. 54-55).

Já em 1958, o articulista Boanerges da Rocha descreve um cenário social em crise e remete parte da responsabilidade para a religião amancebada com a política. A partir daí alerta para a tentativa de alguns espíritas de imitar as “práticas de religiões desespiritualizadas, que se aboletaram em prateleiras políticas e com isso renunciaram à própria independência moral”. Alerta para o malefício que isso traria ao Espiritismo por trazer-lhe políticos interesseiros – “Constantinos” - que usariam da Doutrina Espírita para os seus fins particulares. Daí conclui, defendendo a postura da FEB, que o Espiritismo é absolutamente apolítico e deseja permanecer longe das competições partidárias (Reformador, jul, 1958, p. 145-146).

É comum nos conflitos internos do meio espírita deslegitimar-se determinada prática ou postura acusando-a de ser típica do catolicismo, seu tradicional adversário na arena religiosa. No caso da questão política não é diferente. A proximidade histórica da Igreja Católica com o Estado, inclusive constituindo por vezes estados teocráticos, a torna paradigmática dos perigos e malefícios de uma “promíscua mistura” do sagrado com o profano26. Podemos observar esta compreensão da atuação da Igreja Católica no artigo “Igreja e política”, de Oswaldo Valpassos. O autor denuncia que, apesar de altas autoridades católicas afirmarem que a Igreja não se imiscui em política, que o clero está à margem das competições eleitorais, há muitos padres, principalmente no interior do País, que usam do seu espaço na Igreja para se promover politicamente, “fazem do púlpito tribuna política”. Para ilustrar, cita um caso concreto ocorrido no interior do Brasil. Além disso, aponta a tentativa do Cardeal Câmara e do Episcopado Brasileiro de interferir nas relações comerciais internacionais do Brasil, pressionando Jucelino Kubichek a não reatar

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Esse tipo de alerta perante os descaminhos da Igreja Católica não é exclusividade dos espíritas. Os metodistas, por exemplo, procurariam se diferenciar do catolicismo que, “desde a Colônia, aliava religião com poder político” (ALMEIDA, 2009, p. 59).

relações comerciais com a Rússia. Pergunta o articulista, a partir desse fato: “que tem a ver comércio com religião? Que direito assiste ao Cardeal Câmara para interferir em seara que lhe não diz respeito? E a Constituição separando a Igreja do Estado? Nada vale para o Cardeal?” (Reformador, jan, 1959, p. 19).

No ano seguinte, mais um texto de propósito semelhante aparece no Reformador. Trata-se da transcrição de um trecho de uma crônica publicada no jornal O Estado de São

Paulo em que se condena a orientação ultramontana da Igreja, interferindo diretamente em

assuntos que não seriam de sua alçada. Ao extrapolar os limites dos templos religiosos para a sua doutrinação, a Igreja estaria entrando em um domínio em que não lhe compete atuar. No comentário à crônica, é dito que “a Igreja quer viver o presente e aproveitá-lo ao máximo” (Reformador, mai. 1960, p. 109), remetendo à ideia de interesses imediatistas, mundanos.

Na mesma linha, outra notícia é comentada, agora em 1967, no auge da Ditadura Militar (Reformador, set, 1967, p. 216). Transcreveu-se uma notícia do jornal O Globo que traz um comentário do arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, a respeito da prisão de padres dominicanos em São Paulo, por terem dado apoio ao congresso proibido da extinta União Nacional dos Estudantes (UNE). O arcebispo faz a condenação da participação de sacerdotes na política partidária, por provocar divergências e desunião, além de apontar como um erro o uso do prestígio do cargo de sacerdote, conferido pela Igreja para a tarefa de evangelização, com o intuito de promover ideias pessoais.

O comentário em nota do Reformador se limita a sugerir a parcialidade do Estado com relação às religiões, pois afirma que, na hipotética situação de que algo semelhante se desse com espíritas, a reação do governo seria muito mais agressiva, fechando as sociedades espíritas de São Paulo e realizando sindicâncias policiais na USE e até na FEB. Provavelmente, porém, a insinuação também serviu de alerta aos espíritas para que não adotassem postura semelhante a dos dominicanos.

Já é possível notar, com o material analisado até aqui, o sentido marcadamente pejorativo associado à política, de um modo mais ou menos explícito. A política vai sendo

entendida como atividade atrelada a interesses pessoais, imediatistas, egoístas27. Se não é intrinsecamente assim, ao menos é considerada um campo de atuação tão perigoso, que seria melhor se os espíritas a evitassem, permanecendo nas “atividades evangelizadoras”. O objetivo da política, ou dos que nela se envolvem, parece ser exclusivamente o do uso do poder para fins egoísticos. A amplitude da ideia de atividade política é bastante restrita. Ou é o voto – parte que cabe ao cidadão – ou é a disputa partidária. De fato, nenhuma discussão conceitual é utilizada para tratar desse assunto com maior profundidade.

Não obstante, sigamos na análise dos artigos para verificar a evolução do tema na reflexão dos espíritas.

Luciano dos Anjos, conselheiro do presidente da FEB Armando de Oliveira Assis, autor da série O Atalho (publicada no Reformador), na qual faz um balanço crítico do movimento espírita, tratou também do tema da política. Em artigo extraído do Diário de

Notícias de 20 de maio de 1970 afirma que Espiritismo e Política são incompatíveis. De um

modo contraditório, diz: “Ou a criatura faz Política ou faz Espiritismo, o que não invalida, é lógico, a hipótese de o político ser espírita.” Cita o exemplo de Jesus como tendo se alheado à “política de César e tão-somente preparado os homens para a redenção espiritual”. Apesar de dizer que a Política, como arte de governar, não é um mal, destaca que, por engendrar compromissos que, em razão do sistema partidário, podem exigir votos em bloco, partidariamente, relegando a consciência individual, a Política acaba sendo colocada em oposição à Religião (como o Espiritismo), pois esta não pode “subjugar-se a compromissos de qualquer outra natureza que não seja o da aproximação da criatura com o