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Políticas locais de valorização docente: a definição da jornada a partir de uma política

A implantação da Escola Candanga trouxe a ressignificação dos espaços escolares com seus princípios norteadores, a democracia, a cidadania, a cultura e o trabalho. Tais princípios, fundados no eixo ético-ecológico, foram traduzidos no currículo numa abordagem integradora e não fragmentada dos conteúdos, por temas que expressam a vivência da cidadania e da democracia e que concebem o trabalho como atividade humana e social e condição para a crítica e a criação da cultura (ESCOLA CANDANGA.Versão Preliminar, 1996). As mudanças dessa nova proposta político-metodológica deram-se principalmente, nos campos do currículo, no olhar sobre a avaliação escolar e sobre a organização do trabalho pedagógico na nova forma de conceber a jornada de trabalho com a jornada ampliada.

À época, a Fundação Educacional do Distrito Federal, por meio do Departamento de Pedagogia, juntamente com as Divisões Regionais de Ensino - hoje Coordenações Regionais de Ensino - elaborou e propôs amplos estudos sobre os princípios epistemológicos, das normatizações e mudanças efetivas no trabalho pedagógico da Rede Pública de Ensino por meio da divulgação de uma série de documentos chamados de “Cadernos da Escola Candanga”, nos quais traziam o detalhamento do Projeto, com os fundamentos político- pedagógicos e as Diretrizes operacionais organizados por temas como: O Projeto Político Pedagógico e a Coordenação Pedagógica. Sobre os princípios éticos, visão de homem, de escola e de sociedade do Projeto Escola Candanga, assim eram definidos:

Uma concepção ética na perspectiva de um Governo Democrático e Popular, pautada na solidariedade, na cooperação e no respeito à divergência, difere frontalmente da concepção racionalista/liberal que afirma ser o outro o limite da liberdade do indivíduo. Nessa perspectiva, a moral e também social e o próximo não é o limite, mas condição para a minha liberdade e criação, pois o ser humano só se humaniza em sociedade. Hoje, buscamos aquilo que chamamos de intersubjetividade porque quando criamos ou substituímos valores, não o fazemos individualmente, mas, como seres sociais que se relacionam uns com os outros. É neste sentido que a Escola Candanga prega o respeito à diferença numa sociedade plural. Respeitar valores dos diferentes grupos sociais e das minorias, evitando o moralismo preconceituoso, não significa a defesa do relativismo moral. Contudo, deve- se aprender a conviver com outras “morais”, reconhecendo a unilateralidade do ponto de vista individual, mas tendo como certeza a necessidade de a vida humana ser pautada pela conduta ética, tanto na vida privada como na vida pública.(ESCOLA CANDANGA, VERSÃO PRELIMINAR, 1996, p. 65-6)

As discussões sobre a Coordenação Pedagógica foram divulgadas e amplamente discutidas entre os professores à época e de acordo com os “Cadernos da Escola Candanga, Coordenação Pedagógica, 1996”, o conteúdo sobre a Coordenação Pedagógica proposto pelo “Projeto Escola Candanga” foi divulgado no Jornal Educação e Cidadania nº 4 de maio de 1995, citado nos referidos cadernos, com o objetivo de desencadear o debate entre os professores sobre as mudanças que haveriam de ocorrer no âmbito da Secretaria. Neste contexto é que se define que o trabalho do professor precisa de tempo para ser organizado, planejado, repensado e refletido para que se tenha um retorno em ações com intencionalidades pensadas e discutidas coletivamente. Daí a normatização que trata o Cadernos da Escola Candanga, Diretrizes Operacionais da Coordenação Pedagógica. Neste documento define-se a organização da Coordenação Pedagógica no Níveis central, intermediários e locais. Em nível central, determinava um Coordenador para cada modalidade e área de Ensino, no mesmo caso no nível intermediário nas Divisões Regionais de Ensino, hoje, denominadas Coordenações Regionais de Ensino. No nível local seria um Coordenador Pedagógico por escola, com até 20 professores por turno. Os critérios para a escolha desse profissional eram: a liderança, a criatividade, o empreendimento, o conhecimento teórico-metodológico e o bom relacionamento interpessoal.

A organização da jornada de trabalho do professor dos Anos Iniciais no Distrito Federal é elemento das políticas de valorização docente concretizadas após as reivindicações por parte dos professores desse nível de ensino a partir dos posicionamentos do governo local à época da sua regulamentação do Projeto Escola Candanga, no Governo de Cristóvam Buarque (1995-1999).

Foi nesse contexto político e social que ocorreram mudanças de grande porte dentro da rede de ensino: um novo olhar sobre o currículo, uma reconfiguração sobre o papel da avaliação e a determinação de uma jornada de trabalho com tempo de regência e tempo remunerado para o planejamento, avaliação e formação para o trabalho docente.

Na Secretaria de Educação do Distrito Federal - SEEDF, o professor dos Anos Iniciais tem sua carga horária distribuída em 25 horas semanais de regência, - atuando em apenas uma classe - e 15 horas dedicadas ao planejamento de atividades e formação continuada, acompanhando a orientação dada no art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que prevê que:

os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público [... ] período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho [...](LEI Nº 9.394/1996, artigo 67 ).

Essa mudança na carga horária das escolas públicas no Distrito Federal, desde 1996, trouxe a possibilidade do empenho de um tempo maior para a realização dos planejamentos das aulas e, também, um espaço para a formação continuada dos professores. Em portaria mais atual, a de nº 284 de dezembro de 2014, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, na jornada docente de 40h semanais, 15 horas são dedicadas ao planejamento das aulas, às quartas-feiras as coordenações devem ser coletivas com o fim de serem um “espaço-tempo de reflexões sobre os processos pedagógicos de ensino e de aprendizagem e formação continuada, tendo por finalidade planejar, orientar e acompanhar as atividades didático- pedagógicas, a fim de dar suporte ao Projeto Político Pedagógico – PPP (Portaria de SEEDF, nº 284 de dezembro de 2014.)

Percebe-se que a legislação discutida parece denotar que há uma valorização da formação continuada como um direito para a profissionalização docente. Contudo, é necessário estarmos atentos para uma condição que pode se estabelecer pela supervalorização da escola como um possível único lugar para a realização da formação continuada. Essa lógica pode ser referendada quando estudos observam que a tendência recente das políticas neoliberais foi empreender uma lógica de formação em serviço, a qual, além de denotar que os professores sozinhos têm que fazer essa formação na escola e os sistemas tendo pouca, ou nenhuma responsabilidade sobre essa formação continuada, pode incorrer na intensificação do trabalho docente, por se apresentar como mais uma tarefa que o professor terá que lidar. A formação continuada pode e deve acontecer em outros espaços como a EAPE, a Universidade

e nos espaços oferecidos pelas Secretarias Municipais e estaduais, além do espaço da escola. A formação continuada aqui é defendida como um elemento necessário para a constituição da profissionalidade docente, diante dos desafios enfrentados e potencialidades existentes na carreira do professor no Distrito Federal.

Neste contexto, as escolas públicas do DF têm mais tempo para a organização das Coordenações Pedagógicas, para (re) elaboração do seu Projeto Político Pedagógico e discussão de modo mais constante. Cada unidade escolar pode definir a estrutura e funcionamento deste espaço, baseados na portaria de distribuição de carga horária. Nessa mesma perspectiva as coordenações podem ser um espaço dentro da ação da escola no qual os docentes adquirem novos saberes e socializam suas aprendizagens entre seus pares, constituindo uma cultura para o exercício da profissão e elemento fortalecedor da profissionalização do professor.

Nesse sentido, sobre a distribuição racional da jornada de trabalho docente descreve Vieira (2013, p.175):

Para além da situação específica dos Anos Iniciais do ensino fundamental, a distribuição racional da jornada de trabalho obedece a exigências do cotidiano e da própria formação permanente dos educadores. É impossível planejar e executar tarefas individuais sem disponibilidade de tempo. Do mesmo modo, não há condições de planejamento coletivo e de atualização pedagógica sem o mínimo de organização dos tempos escolares dos educadores [...] Por isso, o debate sobre a composição da jornada de trabalho enseja a oportunidade de dar relevo a essas questões, inclusive, como motivação para os próprios profissionais da educação.

Cabe lembrar que a LDB estabelece que no DF serão aplicadas as competências referentes aos Estados e Municípios devido às suas características geográficas e de organização política, isso permite que sejam definidas ações coordenadas tomando como referências as prioridades definidas tanto para Estados quanto para municípios.

Do exposto vemos que a composição jornada de trabalho almejada pelos professores ficou estabelecida a partir das políticas públicas locais que foram de encontro com a expectativa dos professores, que constroem seu trabalho, aprendendo a ser professores a cada dia, nas vivências propiciadas por essa conquista. Essa vivência procurou ser compreendida por meio da análise dos dados resultantes dos instrumentos metodológicos utilizados.

No próximo capítulo faremos uma contextualização da pesquisa empírica explicando a organização e análise dos dados sobre a constituição da profissionalidade docente no espaço- tempo da Coordenação Pedagógica.

3 CAPÍTULO III - A CONSTRUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO NO ESPAÇO- TEMPO DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NO DF: APONTAMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo reúne as informações caracterizadoras dos locais de pesquisa, dos sujeitos participantes e da metodologia de análise, além da descrição sintética das observações das Reuniões Coletivas.