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Nas formas de produção capitalista na contemporaneidade encontramos as relações de trabalho material e imaterial modificadas. Com o avanço das tecnologias e de novas demandas do mercado as relações de trabalho ampliam o modo do trabalhador se relacionar com o trabalho. Antunes (2009) evidencia a crise no sistema capitalista após a década de 1970 do século XX, pelos seguintes fatores: a) esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; b) pela hipertrofia da esfera financeira; c) da queda da taxa de lucro dada pelo aumento do preço da força de trabalho entre outros elementos; d) pela maior concentração de capitais graças às fusões entre empresas monopolistas e oligopolistas; e) pela crise no Estado do bem-estar social – Welfare State, acarretando uma crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado e f) incremento acentuado das privatizações.

A partir daí temos, em todo o mundo, uma “classe-que-vive-do-trabalho”, expressão usada por Antunes (2009) para atualizar a classe proletária definida por Marx (2003) pela precarização do processo produtivo com o prolongamento da jornada de trabalho e desemprego. Fazem parte dessa classe-que-vive-do-trabalho: todos que vendem sua força de trabalho em troca de salário - os trabalhadores produtivos, que geram a mais-valia e participam do processo de produção do capital, a totalidade de trabalho coletivo assalariado, os trabalhadores improdutivos na área de serviços (bancos, comércio, turismo e serviços públicos, por exemplo) para o uso público ou do capitalista. Com as demandas atuais no mundo do trabalho podemos compreender como as transformações sofridas por esses trabalhadores estão relacionadas à historicidade das condições de trabalho e as implicações nas dimensões de classe e gênero. A conquista das mulheres por um espaço no mundo de trabalho se dá de forma parcial, pois apesar de demonstrar um avanço e liberdade para as mulheres em busca de sua independência, as condições de trabalho feminino se dão com formas mais precarizadas e intensificadas quanto ao trabalho masculino. Com remuneração menor que a dos homens, as mulheres são concentradas no setor principalmente fabril em tarefas mais manuais e aproveitando as características femininas quanto se trata do trabalho doméstico, muito bem realizado por elas. A contradição se dá no acesso das mulheres ao mercado de trabalho, mas com uma intensificação e desvalorização profissionais em relação

aos homens, pois a força de trabalho feminino, além de ser menor remunerada que a masculina, é também intensificado com a mulher assumindo duas ou mais jornadas de trabalho, uma externa – mundo produtivo - e uma no trabalho doméstico – mundo reprodutivo- , permitindo ao capitalismo apropriar-se desigualmente da divisão sexual do trabalho e opressão ao trabalho feminino. Antunes (2009) traz conclusões a respeito das questões sobre o gênero e a divisão sexual do trabalho:

O gênero como elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças perceptíveis entre os sexos [...]As relações de gênero e classe nos permitem constatar que, no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens e as mulheres que trabalham são, desde a família e a escola, diferentemente qualificados e capacitados para o ingresso no mercado de trabalho. (ANTUNES, 2009, p. 109)

Uma forma de conceber o trabalho contemporâneo é o que Antunes (2009) nomeia de trabalho como expressão do trabalho social, que é mais complexificado, socialmente combinado e, ainda, mais intensificado no que diz respeito aos ritmos e processos. Com um crescimento na diversificação das formas de trabalho parcial e serviço terceirizado, temos trabalhadores que não criam diretamente valor, trabalhadores improdutivos. Considerado, segundo a concepção marxista de trabalho improdutivo, que seria aquele que não se constitui como um elemento vivo no processo direto de valorização e de criação de mais-valia.

A teoria marxista não trata especificamente da educação, mas, podemos estabelecer relações entre o trabalho e a educação com suas contradições: tanto aparelho ideológico do Estado e das classes dominantes quanto espaço para transformações que levem a uma emancipação humana. O trabalho do professor se estabelece entre tais contradições e sob o capitalismo recebe influências e não está imune ao controle e às formas de racionalização que o Estado capitalista impõe, mas enquanto possibilidade de libertação, o enriquecimento cultural pode levar os alunos a se elevarem quanto a um grau de saber.

Segundo Saviani (2007), a educação serve ao modelo capitalista por especializar, qualificar a mão-de-obra – a força de trabalho – atendendo a um trabalho mais produtivo, eficiente, em contrapartida, temos um trabalhador cada vez mais alienado. Esse mesmo autor reconstrói a história sobre o surgimento da escola e demonstra o início da relação trabalho e educação:

A palavra escola em grego significa lugar do ócio. Portanto, a escola era o lugar a que tinham acesso as classes ociosas. A classe dominante, a classe dos proprietários tinha uma educação diferenciada que era a educação

escolar. Por contraposição, a educação geral, a educação da maioria era o próprio trabalho[...]Era o aprender fazendo. (SAVIANI, 2007, p. 155)

Se a escola na Antiguidade e Idade Média servia apenas para a educação sistematizada para a classe dominante, ou seja, que não trabalhava, na contemporaneidade, com o avanço da ciência e novas necessidades do modelo capitalista, o trabalhador necessita cada vez mais de dominar as novas tecnologias, as máquinas. A escola, então, amplia seu atendimento à classe trabalhadora, mas somente, até certo ponto, o Ensino Fundamental e Médio.

Há uma contradição, educação continua a serviço da classe detentora do poder, mas também é uma possibilidade para poucos da classe trabalhadora que podem concluir cursos de graduação e aumentarem o patamar social. Para a maioria, a grande parte dos trabalhadores, para os que precisam vender sua força de trabalho, a escola tem servido mais para o aperfeiçoamento e adequação no mercado de trabalho.

Em sua origem, o trabalho era a transformação da natureza pelo homem, para atender suas necessidades básicas. Na sociedade capitalista, o homem usa a força de trabalho de outro homem para seu enriquecimento. Nas instituições particulares de ensino essa lógica fica mais evidente. Porém, na rede pública de ensino temos o assalariamento e o Estado como regulador pois o professor trabalha para o governo. Temos aí a relação de funcionarização, termo citado por Nóvoa (2001), que é a relação entre o profissional da educação e o Estado, pois com o processo de industrialização e urbanização no desenvolvimento do capitalismo, o Estado precisa ampliar o sistema público de ensino e o professor está em busca de uma profissionalização. Em contradição, esse profissional assume, também, uma postura de executor até o final da década de 70 com a reprodução das relações sociais e culturais na ação escolar (WEBER, 2015). Com a ampliação das escolas para uma camada maior da população, a Igreja, na metade do século XIX, antes controladora do ensino, não conseguiu atender a esse crescimento e passou a condução para professores leigos, porém, o caráter de sacerdócio e vocação parecem ainda estar enraizados na formação do professor nesse período. À medida em que essa visão das características de vocação e sacerdócio vão dando lugar ao profissionalismo, com uma visão mais técnica e especializada, o profissional que agora é funcionário do Estado se defronta com uma situação de desvalorização e desprestígio social:

O professor detinha prestígio social autonomia e controle sobre seu trabalho; estes vão sendo perdidos quanto mais distanciadas do controle comunitário e mais profissional vai se tornando sua função. Ou seja, à medida que a categoria profissional aumenta quantitativamente, tornando-se assalariada, empregada pelo Estado e tendo sua profissão regulamentada, reduz-se seu

prestígio social, sua autonomia e o controle sobre seu próprio trabalho (HYPÓLITO, 1997 p. 21).

O trabalho do professor nessa sociedade está em constante contradição, pois ele é um assalariado, que pode apenas reproduzir em sala de aula os interesses da classe dominante com a transmissão de um currículo para a formação de um cidadão dócil, nos termos de Cury (2000). Por outro lado, o trabalho é tido não só como aparelho ideológico do Estado, mas como possibilidade de se realizar com certa autonomia favorecendo a construção de um ensino que encaminhe para a emancipação humana e cidadania consciente.

Na produção imaterial, segundo Marx (2003), existe uma “produção que é inseparável do ato de produzir”. A produção e o consumo são simultâneos, como é o caso do trabalho do professor. O trabalho do professor e da escola não é comparável à produção de mercadorias devido à natureza desse trabalho. Porém, submetido às condições capitalistas é realizado de forma alienada.

De acordo com Cury (2000), a educação é uma totalidade de contradições situada de forma recíproca em todas as relações sejam elas de produção, sociais e relações político- ideológicas. A educação e a escola se subordinam ao sistema capitalista no qual as relações são de mercantilização do ensino e com visão empresarial para o preparo de mão-de-obra necessária à divisão social do trabalho. Em relação às relações político-ideológicas há,

também, uma contradição onde as instituições são denominadas aparelhos ideológicos do Estado que mascara as representações dos agentes dominantes e o saber é empregado como forma de reprodução. Ao mesmo tempo, o acesso ao saber crítico pode ser instrumento de luta para essas relações de dominação (CURY;2000). Esse mesmo autor trata das relações da educação dentro de uma totalidade:

Dessa forma, uma visão de totalidade a respeito da educação implica a contínua dialetização entre as relações sociais de produção e a (re) produção de (velhas) relações sociais. É na interação desses elementos determinantes e determinados (entre os quais a educação) que a totalidade se faz e cria (CURY, 2000 p. 70).

O trabalho docente interfere no ser do outro sendo um elemento de poder de transformação na formação de cidadãos mais críticos e conscientes nessa sociedade. Por isso é complexo, pois, depende de muitas determinações nas dimensões sociais, econômicas, políticas para que o trabalho efetivamente se constitua num meio para reflexão e verdadeira transformação social.

No próximo item veremos as principais características do trabalho docente e as ambiguidades existentes na identificação do professor como profissional e o processo de profissionalização do professor.