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2.1 Sobre políticas públicas e direito

2.1.1 Políticas nacionais de comunicação

A referência à necessidade de políticas nacionais de comunicação teve como marco a Conferência Geral da Unesco em 1970, momento em que seu diretor-geral foi autorizado a ajudar os Estados membros a formular suas políticas para os meios de comunicação de massa e outros processos de produção e difusão de informações na sociedade124. Porém, já desde os anos 50, o debate político e acadêmico sobre o tema apresentava como preocupação a relação da comunicação com os processos de desenvolvimento nos países periféricos.

Aproveitando-se desse acúmulo, o conceito de políticas nacionais de comunicação emerge na Unesco no início dos anos 70 também em virtude de seu contexto. Com a descolonização ocorrida após a Segunda Guerra Mundial, essa organização contava com a presença majoritária de países recém-filiados – países naturalmente anti-imperialistas, com orientação socialista ou capitalista não alinhada aos países centrais (EUA e Europa)125. Rompendo com a linha política liberal assumida pelo organismo nos anos 50, em consonância à hegemonia dos países centrais agora minoritários, a Unesco possibilitou a

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Lourdes Sola, Ideias econômicas, decisões políticas: desenvolvimento, estabilidade e populismo, 1998, p. 38-39 e 423-425.

124Murilo César Ramos, “As políticas nacionais de comunicação e a crise dos paradigmas” (1991) in Às margens da estrada do futuro – Comunicações, política e tecnologia, 2000, p. 28. Disponível em:

http://www2.eptic.com.br/sgw/data/bib/livros/62d999bd7514ecd2f3e609df672c5665.pdf Acesso em 20 de agosto de 2013.

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conjunção das questões ligadas à superação do subdesenvolvimento aos seus temas chave, quais sejam a educação, a ciência e a cultura.

“(...) naquele final de década de 60, era desenvolvida na Unesco uma linha

política para a comunicação que previa, para o desenvolvimento da imprensa, do rádio e da televisão, dos satélites e outras novas tecnologias de comunicação, uma intervenção explícita dos Estados nacionais, direta e indireta, fosse pela exploração de meios estatais de comunicação, fosse por regulamentos e normas diversas que ajustassem os eventuais meios privados aos programas, objetivos e metas que compunham o planejamento governamental para toda a sociedade”.126

A ideia de políticas nacionais de comunicação, assim, vai ganhando corpo teórico e político, inserindo-se entre os pontos fundamentais do debate que também evoluía naquele contexto acerca de uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (NOMIC). É ainda nesse período que se iniciam as discussões em torno de um novo direito

– o “direito de comunicar” (right to communicate), já tendo em vista o potencial das novas

tecnologias. O desenrolar de sua formulação representou o desenvolvimento da compreensão da comunicação como um direito em si, para além de suas finalidades educativas e culturais, e mais complexo do que a liberdade de expressão e o direito à informação nas suas acepções tradicionais.

Entretanto, toda essa movimentação, em plena Guerra Fria, não poderia se dar sem resistências. A década de 80, que se inicia com a apresentação do conhecido Relatório MacBride127, fruto de comissão de alto nível de diversos matizes político-ideológicos criada em 1976 na tentativa de arrefecer a polarização, marca o esvaziamento da Unesco e de seus debates e projetos sobre políticas nacionais de comunicação. Isso porque os EUA de Ronald Reagan, bem como seus aliados, foram reduzindo o financiamento que davam às atividades da Unesco, culminando na saída formal do país dessa organização, levando consigo a Inglaterra e o Japão.

126 Idem, ibidem.

127 O Relatório MacBride foi apresentado em maio de 1980 como resultado dos trabalhos da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, presidida pelo jornalista, político e jurista irlandês Sean MacBride. O relatório foi publicado em português sob o título Um Mundo e Muitas Vozes - Comunicação e Informação em nossa Época. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983.

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Mesmo antes disso, porém, o debate da comunicação sob o viés das políticas de desenvolvimento e, portanto, a partir da defesa de uma necessária atuação do Estado, continham outro complicador. Ao menos no Brasil, setores progressistas questionavam se diante de um regime autoritário não seria melhor defender o ideário liberal de não intervenção nos meios de comunicação128.

Independentemente da polêmica, que se coloca em outros termos no debate brasileiro nos dias de hoje, interessa identificar como a legislação nacional, em especial voltada à radiodifusão, tratava a regulação dos meios de comunicação até esse momento de intensificação internacional das formulações em torno da comunicação como objeto de políticas públicas.

Neste sentido, cumpre observar que os Decretos voltados à regulação do rádio, ainda no início dos anos 30, já não se limitavam apenas a estabelecer as condições de funcionamento do serviço. O serviço de radiodifusão, entre os serviços de radiocomunicação, era considerado de interesse nacional e de finalidade educacional, de acordo com orientação do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Além disso, os Decretos n. 20.047/1931 e n. 21.111/1932 continham disposições que definiam o serviço como de competência exclusiva da União, declaravam a tarefa do Governo Federal de promover a unificação dos serviços de radiodifusão com vistas à criação de uma rede nacional para o atendimento de seus objetivos, estabeleciam regras de outorga, visavam garantir a nacionalidade brasileira na maioria absoluta dos diretores das emissoras e limitavam o tempo máximo de publicidade para cada programa transmitido.

Havia, portanto, a compreensão do interesse público e nacional do serviço, a centralidade do Estado enquanto poder concedente e orientador das atividades, inclusive em virtude da utilização do espectro de radiofrequências (recurso público escasso) e o reconhecimento da importância do meio para a consecução de finalidades públicas, como a educação, o que tem relação também com a limitação à publicidade.

No entanto, no que tange à radiodifusão, ainda não está amadurecida a dimensão processual dessas medidas e disposições enquanto programa de ação do Estado para as comunicações. Embora o Governo Federal já apareça neles como promotor da instalação

128 Sobre essa discussão, ver Luiz Gonzaga Motta e Ubirajara da Silva. "Crítica das políticas de comunicação: entre o Estado, a empresa e o povo" in Comunicação de Massa: o impasse brasileiro, pp. 183-206.

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de uma rede, com a obrigação de veicular um programa de caráter nacional em todas as estações129, seus objetivos com o serviço e os instrumentos institucionais previstos são pouco consistentes se considerados sob a perspectiva das políticas de comunicação.

Trinta anos depois, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/1962) apresenta configurações diferentes. Ainda que problemáticos em seu conjunto, inclusive pelas influências que o Código sofreu em sua formulação130, a lei e seu regulamento específico de radiodifusão tratam a organização do setor e a atuação estatal em seu âmbito de modo mais complexo. Os serviços de radiodifusão, definidos como espécie dos serviços de telecomunicações, passam a fazer parte de planejamento mais amplo que contará nos próximos dez anos com relevantes incrementos institucionais131.

No campo específico da radiodifusão, o regulamento elabora um pouco mais as finalidades públicas do serviço e as exigências no intuito de acompanhar seu cumprimento. Porém, tanto ele quanto o CBT permanecem insuficientes enquanto instrumentos de políticas de comunicação voltadas ao interesse público e ao desenvolvimento, especialmente na perspectiva da diversidade e pluralidade que ganha corpo nos debates e projetos estimulados pela Unesco durante os anos 70.

Deve-se mencionar que o problema não é somente temporal e de falta de acúmulo em torno do papel a ser desempenhado por políticas nacionais de comunicação. Ele está diretamente relacionado aos interesses ligados ao serviço e às disputas envolvidas na definição dessas políticas.

O primeiro capítulo destacou as estruturas complexas que se criaram em torno da produção e distribuição da informação, que, no campo da cultura e da comunicação, tomou forma do que se convencionou chamar de indústria cultural. Delineamos suas facetas,

129 Mesmo com a tendência centralizadora de Getúlio Vargas, ele não deixou de compor com o capital privado que tinha interesses concretos na radiodifusão. Os limites estabelecidos à publicidade não criaram entraves à sua exploração comercial, que em grande medida ajudou a financiar a expansão do serviço pelos próprios empresários. Já seu projeto de criar um sistema nacional de redes não pôde se concretizar por problemas materiais de infraestrutura e recursos, permanecendo o caráter local ou regional das emissoras. Renato Ortiz, A moderna tradição brasileira – cultura brasileira e indústria cultural, 2006, pp. 52-54. 130 Para mais informações desse processo, ver o item 2.3.1 deste trabalho.

131 O CBT cria o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), com uma série de atribuições ligadas ao planejamento do setor de telecomunicações. A lei autoriza também a criação de empresa pública que viria a ser a Embratel alguns anos depois. Em 1967 o CONTEL é incorporado pelo Ministério das Comunicações criado naquele ano e em 1972 é instalada a Telebras.

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lógicas e interesses, sendo relevante remontar como ela se consolida no Brasil, tendo em vista o objeto deste estudo, que é a televisão.