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CAPITULO I Do processo inquisitório

1.4 Das fases do processo proposição didática diante do caos

1.4.2 Por acusação e ex oficio

Embora não prescritas enquanto formas de se deflagrar o processo inquisitório no Regimento de 1640, estão previstas nas normas do Directorium Inquisitorum as possibilidades de se iniciar o processo seja por acusação seja por atuação direta dos inquisidores. Saliente-se, aqui, que como se disse, o Diretório de Eymerich é utilizado como espécie de direito subsidiário na hipótese de ausência de norma que regulamente a matéria, ou ainda quando se faz necessária interpretação sobre casos concretos.108 O processo iniciado por acusação, segundo Eymerich, ocorre quando qualquer pessoa acusa outra de praticar conduta descrita como herética. A acusação deve ser robusta ao ponto de o acusador não correr o risco de cair na lei de Talião, prática medieva que imputava a pena ao acusador quando não provada a culpa do acusado.109 Aqui é interessante observar o comentário de Peña sobre este tópico, visto que demonstra a alteração no âmbito normativo no século XVI em relação a prescrição de Eymrich, no século XIV, por meio da glosa:

La loi du talion est tombée aujourd’hui en désuétude. La raison la plus souvant alléguée par les docteurs contre son application est évidente: si

107 RSOIRP L. I, T. X, 2. As obrigações dos qualificadores são amplas e se estendem das letras, “dos papéis

que ser houverem de imprimir ou vierem de fora impressos para o reino”, revisão de livros já impressos, às artes plásticas, que envolvam imagem do Cristo, Nossa Senhora e Santos, sejam pintada ou esculpidas. Devemos lembrar também que Vieira atuou como censor da mesa Real, órgão de controle régio sobre publicações que atuava em consonância com a Inquisição conforme suas censuras, In Obras escolhidas, vol. VII, pp. 159-167.

108 RSOIRP L. I, T. II, 9.

109 SABADELL 2008, p. 91, aponta a presença da “inscripitio como uma garantia ao acusado, uma vez que

l´on appliquait cette loi à l’accusateur défaillant, on ne trouverait plus de delateurs et, par consequent, les crime resteaint impunis, au grand dommage de l’Etat.110

Na outra modalidade, a fase pré-processual é iniciada de ofício, ou seja, por iniciativa do órgão repressor, no caso de Portugal pelo próprio Conselho Geral da Inquisição ou pela Inquisição de Lisboa, Coimbra ou Évora. A inquisição contra Vieira foi deflagrada pelo Conselho Geral da Inquisição de Portugal, e o procedimento ocorre quando não há denúncia ou acusação formal.

Peña, ao comentar a matéria afirma: “par enquête, dans le contexte inquisitorial, il faut entandre l’investigation effectuée canoniquement par un juge bon et équitable sur um acte manifestement criminel.”111

Essa modalidade de procedimento investigatório já era objeto de reflexão de São Tomás de Aquino, que ao tratar da injustiça do juiz nos processos, enfatizava que: “algunas veces puede el crimen llegar a conocimento del juez de otro modo que por la acusación, verbigracia, por denuncia o por la opinion pública (per infamiam)”112.

A inquisição contra Vieira tem seu início, sob a perspectiva dos procedimentos inquisitoriais vigentes, justamente a partir da notícia, obtida pelo Conselho Geral da Inquisição, de que “nesta cidade anda um papel,”113 a qual serão somados outros elementos, ainda na primeira fase processual, como, a qualificação romana,114 a qualificação portuguesa a segunda notícia sobre a composição de “um livro que contém a explicação dos profetas,”115 a denúncia do Frei Jorge Carvalho, sobre o livro “Clavis Prophetarum”, inócua segundo a própria Inquisição, a denúncia de Manuel Ferreira, sobre a viagem de Vieira à Holanda e sobre os cristão novos, e a denúncia de Manuel Leitão, de 1649, sobre a posse do livro “Vates” e outras proposições, colhidas em 1656, ambas presentes nos Cadernos do Promotor.116

Do exposto, percebe-se que a persecução contra Vieira foi iniciada ex officio, por designação do Conselho Geral da Inquisição, no exercido da jurisdição inquisitorial sobre a pessoa “infamada”117 de Viera por despacho ao Santo Ofício de Lisboa, órgão

110 Directorio Inquisitorum p. 116. 111 Directorio Inquisitorum p. 118. 112 AQUINO. Summa, 2-2 q. 67, a 3,2.

113 VIEIRA. T. III, Vol. IV, p. 489. Como consta no despacho do Conselho Geral: “por haver notícia que

nesta cidade anda um papel que tem por título Esperanças de Portugal e que do Maranhão o mandara o padre António Vieira da Companhia de Jesus.” O termo papel aqui é usado como sinônimo de documento. Posteriormente, durante os exames, papel será terno sinônimo de carta.

114 Idem. p. 509. 115 Idem. p. 527. 116 Idem. p. 535.

dotado de competência para processar e julgar os acusados, visto que corria a notícia de que circulava um papel com conteúdo suspeito de heresia enviado pelo jesuíta do Maranhão. Contudo, como Vieira estava naquele momento em Coimbra, o Conselho Geral determinou que fossem enviados todos os papéis até então reunidos pela Inquisição de Lisboa para a de Coimbra, onde se procederia à continuidade do trâmite processual.118

A presença de Vieira em Coimbra não se dá por vontade própria ou interferência do acaso e sim em decorrência do afastamento político sofrido. Com a morte de Dom João IV, a perda da força política da Rainha Regente Dona Luísa de Gusmão e a ascensão ao trono de Dom Afonso VI, Vieira perde o apoio que o protegia da Inquisição. Afastado da corte, desterrado primeiro para o Porto e depois para Coimbra, Viera estava susceptível à persecução da Inquisição.119

1.5 De como se há de proceder contra os denunciados ou, no caso de vieira, contra o