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Por onde perambulam os prazeres que se vendem?

4. AGENCIAMENTOS ERÓTICOS: TERRITÓRIOS, CORPOS E

4.1. Por onde perambulam os prazeres que se vendem?

“O

s jogos eróticos desvendam um mundo inominável que a linguagem noturna dos amantes revela. Essa linguagem não se escreve. Chochicha-se de noite, ao ouvido, com voz rouca. De madrugada está esquecida”. Jean Genet em “O diário de um ladrão” O mercado do sexo tem suas lógicas, suas dinâmicas e toda uma rede que sustenta seu funcionamento de modo que os intercâmbios

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Alguns trechos deste sub-capítulo foram apresentados no Seminário Internacional Fazendo Gênero10, realizado na UFSC, com o trabalho intitulado: “Prazeres tarifados: territórios, códigos e desejo nas práticas de prostituição masculina”.

sexuais possam se manter e se articular de maneira eficiente. Nem todos os trabalhadores do sexo estão envolvidos em algum tipo de rede de colaboração mais ou menos complexa ou mais ou menos organizada. Mesmo aqueles que gerem seu negócio de forma mais “autônoma” ou mais “informal” parecem também estabelecer algum tipo de parceria nas redes pelas quais transitam.

Na minha interação com o campo, pude observar a existência de uma ampla rede de colaboração que atua, direta ou indiretamente, no mercado sexo e que dá sustentação e apoio para o exercício do trabalho sexual. Na rede que se comunica mais diretamente com os boys estão os gerentes e funcionários de saunas; pessoas que mantém sites de publicidade dos garotos; fotógrafos que trabalham tanto particularmente com os garotos quanto em parceria com as empresas de publicidade; gerentes/funcionários de boates GLS que possuem contatos de alguns garotos que por vezes também trabalham como go-go-boys, etc. Entre as pessoas envolvidas de modo mais indireto com o mercado do sexo estão gerentes e/ou funcionários de hotéis para onde os garotos levam seus clientes (notei que às vezes há uma espécie de parceria, pois os funcionários muitas vezes conhecem os boys, alguns dos quais, inclusive, moram ou passam alguns períodos nesses estabelecimentos); redes de amizade estabelecida na rua/praça com donos de bares, vendedores ambulantes, pessoas que costumam estar sempre na região. Os territórios de prostituição masculina e as estratégias para negociação do trabalho sexual são muito semelhantes aos encontrados por Silva e Blanchette (2011) em suas longas pesquisas etnográficas sobre a prostituição feminina em algumas cidades do Brasil51. Abaixo, descrevo alguns desses territórios e estratégias.

Negociações virtuais

Em minha busca pelas estratégias de negociações entre garotos de programa e seus clientes, acabei encontrando um material interessante na internet. A web tem sido amplamente utilizada como meio de negociação, como forma de publicidade dos serviços sexuais oferecidos e como facilitadora para efetivação do programa (tanto na prostituição masculina como na feminina). Pela rede é possível uma maior “discrição” na contratação dos serviços, o que pode ser vantajoso para ambos os lados. Para o/a cliente porque ele/a pode garantir a preservação da imagem de si (ao procurar e negociar um programa em

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plena praça central da cidade ou mesmo em ruas popularmente conhecidas como territórios de prostituição, o/a cliente está sujeito ao possível olhar de outras pessoas, sejam elas conhecidas ou não. Ser visto negociando um programa, numa sociedade que execra o trabalho sexual, pode ser um “risco” à imagem do sujeito). Por outro lado, para os boys e/ou prostitutas, a negociação pela internet parece fornecer um controle maior da situação, podendo eles ou elas, de antemão, estabelecerem regras do programa de forma mais criteriosa, como: condições de pagamento; posições sexuais “permitidas” – por exemplo: “ativo”, “passivo” e “ativo liberal”, “com beijo na boca”, “com sexo oral”, se “atendem só homens, só mulheres, homens e mulheres e/ou casais”, etc.); podem estipular em que tipo de local atendem (hotéis, motéis, local próprio, domicílio do/a cliente); podem mostrar suas fotos de corpo e rosto (nem todos exibem seus rostos); podem descrever seus atributos físicos (altura, peso, dote/pênis); podem dizer se aceitam ou não o uso de drogas, etc.

A internet também oferece alguma proteção e autonomia, pois os garotos não precisariam ficar em espaços públicos expostos a possíveis violências, ao clima (geralmente à noite, no frio, na chuva, no vento). Além disso, com um blog/site os garotos agilizam as negociações e podem administrar melhor seu tempo, ao passo que nas ruas eles podem ficar horas sem que apareça algum cliente. Pude identificar pelo menos cinco tipos de recursos para negociar e/ou oferecer virtualmente os serviços sexuais:

1) Sites de “classificados”. Essa é uma forma mais direta e breve de anunciar os serviços. Encontrei, apenas na cidade de Florianópolis, um número enorme de anunciantes. Os sites mais comuns encontrados que comportam anúncios relativos ao mercado do sexo (mas não só) foram: http://vivastreet.com.br; http://classiaqui.com.br; e http://quetesao.com.br.

2) Sites de “publicidade de acompanhantes”. Nesses sites há um número maior de anúncios. Eles podem ser categorizados por etnia (negros, latinos, loiros, etc.), por tipo físico (magros, masculosos, ursos, dotados, etc.), e por cidades (geralmente as grandes capitais). Os sites de publicidade cobram um preço para publicar os anúncios, que incluem uma breve descrição dos garotos, formas de contato direto com o boy, um link para o site pessoal do garoto (caso haja), e um espaço para que os garotos publiquem suas fotos. Exemplo de alguns desses sites:

http://www.osgarotos.com.br/, http://www.megatopsbrasil.com/,

http://www.volupiamodels.com.br/.

3) Blogs e/ou sites pessoais (incluindo páginas no Facebook e/ou outras redes sociais). Esses veículos são mantidos pelos próprios garotos. Através dos sites pessoais os boys geralmente têm mais espaço para colocar suas fotos e, eventualmente, algum vídeo sensual onde fazem strip-tease e/ou se masturbam. Encontrei alguns casos de boys que também atuam em filmes pornôs e que divulgam esse tipo de material em seus sites (geralmente fazer filme pornô torna o boy mais “valorizado”, de modo que ele acaba podendo cobrar mais caro pelos seus serviços).

4) Salas de bate-papo/chats. As salas de bate-papo ainda são usadas como recursos para procurar e oferecer serviços sexuais, apesar de que considero que essa estratégia esteja caindo em desuso. Nesses ambientes virtuais os garotos divulgam seus anúncios, descrevem seus atributos físicos e enviam o link para seus sites/blogs pessoais, caso também usem esses recursos. É possível, a partir do próprio chat, negociar preços, locais de atendimentos (geralmente hotéis baratos pela região central de cidade ou, se o cliente preferir, algum motel). Nos chats os “nicks” (apelidos) usados para o bate papo geralmente vêm acompanhados de algum símbolo que indica que o usuário está oferecendo algum serviço sexual. Costumam-se usar as letras GP (garoto de programa), a palavra “Boy”, o símbolo “$”, e o tamanho do pênis (em centímentros), acompanhados de algum adjetivo ou substantivo, como: “$Boy24$”, “22cmGP”, “$$$Militar$$$”, “Sarado20cmGP”, etc. Geralmente deixam alguma frase que os descreve e, quando possível, colocam o link para seus blogs ou sites pessoais, onde se podem encontrar fotos de corpos nus para apreciação dos/as clientes.

5) Aplicativos de celular com geolocalização52. Esse é um dos meios virtuais mais práticos para divulgar os serviços dos garotos de programa. Existem aplicativos que são usados principalmente para

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Para uma discussão mais aprofundada sobre o uso de tecnologias de geolocalização que mediam encontros sexuais entre homens, conferir o artigo de Walter Couto, Fábio Morelli, Dolores Galindo e Leonardo Lemos de Souza (2016)

facilitar os encontros sexuais entre homens (trabalhadores do sexo ou não). Os aplicativos de celular funcionam através de mecanimos de geolocalização, ou seja, o usuário consegue visualizar outros usuários que estejam nas redondezas e conectados no mesmo aplicativo. Essas ferramentas facilitam muito o trabalho dos garotos de programa (e também dos clientes), uma vez que as negociações podem acontecer entre pessoas que estão geograficamente próximas umas das outras. Os aplicativos destinados aos encontros sexuais entre homens mais usados atualmente no Brasil são o Hornet, o Grindr e o Scruff.

Negociações presenciais: ruas, praças e saunas

Além dos ambientes virtuais que favorecem os encontros entre boys e clientes, existem também possibilidades de negociações mais diretas, como é no caso da prostituição de rua, praças e em saunas. O que observei em relação à prostituição de rua, pelo menos na cidade de Florianópolis, onde pude circular com mais frequência por alguns territórios de prostituição, é que os homens que atuam nesses contextos aparentemente não encaram esse tipo de atividade como um recurso principal de fonte de renda. Durante algumas observações realizadas na Praça XV de Novembro, localizada na região central de Florianópolis, conversei com alguns homens que transitavam pelas redondezas e que e ofereciam serviços sexuais (sobretudo para outros homens). Todos me disseram que exerciam outros tipos de atividade profissional, sendo que a prostituição funcionaria mais como uma renda extra, algo para complementar o orçamento. Foi comum ouvir desses garotos que tinham algum “trabalho oficial” e que, após o expediente, passavam pela praça pra ver “se rolava algo”, “uma graninha extra”. Também conversei com alguns homens que haviam acabado de chegar à cidade, não tinham emprego e estavam por lá para arrumar dinheiro até conseguirem um trabalho mais fixo. Minha impressão é que a prostituição de rua funciona, em muitos casos, como algo semelhante a um “bico”, uma atividade que não parece haver muito investimento, por parte dos garotos, para uma profissionalização do trabalho sexual.

Os boys que negociam programas na rua com os quais conversei me informaram que após fechar negócio com o cliente seguem para alguns “hoteizinhos” na região central da cidade. Em Florianópolis, ouvi falar principalmente de dois estabelecimentos, um mais caro, porém um pouco mais agradável, e o outro mais barato, porém mais “sujo”, segundo os próprios garotos diziam. Ter um local próximo e barato para

realizar os serviços sexuais é muito importante para suas atividades, uma vez que muitos clientes não podem dispor de muito tempo para se locomover para lugares mais distantes, não podem receber os boys em casa e, em alguns casos, precisam de discrição e não podem chegar tarde em casa, pois mantém um casamento e/ou relação heterossexual. Em termos gerais (mas nem sempre), a prostituição de rua parece ser uma prática muito mais fugidia e rápida

Outra questão significativa que observei é que os programas com os garotos que atuam nas ruas e praças são bem mais baratos do que com aqueles que anunciam serviços pela internet ou atendem em saunas. Enquanto os primeiros costumam cobrar entre R$50,00 à R$80,00, os segundos chegam a cobrar de R$100,00 à R$300,00 por hora.

As saunas é outro território onde se pode negociar diretamente um programa. Esses espaços parecem ser um dos locais mais seguros para o exercício do trabalho sexual, tanto para os clientes quanto para os boys. As saunas, também conhecidas como “saunas gays”, são estabelecimentos comerciais destinados à sociabilidade de homens, que podem ou não buscar interações sexuais com outros homens. Apesar do termo “sauna”, tais locais não se restringem às saunas propriamente ditas. Uma “sauna” pode abrigar, além das saunas (seca e à vapor), bares, pistas de dança, cabines privativas para encontros sexuais, salas com exibição de vídeos pornôs, piscinas e jacuzzis, área para fumantes, dark-rooms (“quartos escuros”, também destinados às interações sexuais), etc.

O espaço das saunas oferece discrição, além de ser um local onde é possível fazer tudo no mesmo ambiente: conversar e interagir com vários boys e clientes, negociar e realizar o programa em algum quarto privativo, tomar banho antes e após as práticas sexuais, e além de tudo isso, aproveitar um ambiente lúdico, com música, bebidas, a sauna propriamente dita e, em alguns casos, shows e performances com drag- queens e go-go-boys. Penso que as saunas, como espaços para a prostituição masculina, seriam correspondentes aos bordéis, puteiros, termas53, casas de massagem ou clínicas de estéticas onde ocorrem, mais

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Segundo as pesquisas de Silva e Blanchette (2011), uma “terma” seria uma casa de sauna que oferece serviços sexuais. No entanto, a maioria dos estabelecimentos pesquisados por esses autores que são identificados como termas não possuíam a sauna propriamente dita. “Terma” seria, portanto, um termo genérico para se referir às “casas de prostituição”. Em geral, é muito comum que os locais destinados à prostituição sejam referidos a partir de termos

tradicionalmente, a prática da prostituição feminina. É importante salientar, no entanto, que nem todas as chamadas “saunas gays” permitem o exercício do trabalho sexual no seu interior. Algumas são conhecidas e famosas pelos seus boys, de modo que os clientes que geralmente chegam até esses locais já têm a intenção de pagar por algum serviço sexual. Outras proíbem a prática do trabalho sexual e não permitem a presença de garotos de programa (a não ser, é claro, que estes estejam no local como clientes e não ofereçam seus serviços sexuais). Essas últimas são conhecidas como territórios para o intercâmbio sexual entre os próprios frequentadores. Essa diferenciação é facilmente encontrada no site das saunas, onde podemos ver avisos como “Lindos garotos no ambiente”, “Pilotos de plantão”, ou mesmo de forma mais direta “Sauna com Boys”. Outra forma de descobrir se as saunas oferecem o serviço de garotos de programa é fazendo uma rápida pesquisa na internet em sites que divulgam opções de lazer para o público gay, como os famosos Guias Gays (atualmente quase todas as capitais brasileiras possuem um Guia Gay on-line que compila informações de interesse do público LGBT, como bares, restaurantes, boates, saunas, “locais de pegação”, praias, etc.). Já nos estabelecimentos onde a prostituição é proibida, podem-se ver avisos como “Não permitimos a entrada de garotos de programa”, “Não há serviços de boys”. Além desses dois tipos de saunas, há também um tipo “misto”, onde há garotos de programa, mas também é possível a interação sexual entre clientes sem que isso seja um “problema”.

Durante o período em que realizei minha pesquisa, a cidade de Florianópolis abrigava apenas uma “sauna de boys”, localizada próxima à Rodoviária. Freuquentei esse estabelecimento por um tempo, porém no começo de 2015 essa sauna encerrou suas atividades e até o momento não há nenhuma alternativa de sauna na capital catarinense onde se pode encontrar o serviço de garotos de programa. Atualmente há apenas uma sauna gay na cidade, porém esta não permite o trabalho dos boys.

Tendo apresentado esse breve quadro que localiza os principais locais e estratégias para o exercício do trabalho sexual, a seguir apresento uma discussão um pouco mais detalhada sobre dois desses territórios que tive contato durante minha pesquisa: os espaços públicos,

menos “chocantes” do que os populares “puteiros”. Desse modo, “casa de massagens” e “clinica de estética”, por exemplo, são nomes eufemísticos comuns que aludem aos locais de prostituição feminina. As saunas, por sua vez, são os principais locais fechados onde se pode encontrar a prática da prostituição masculina.

em especial na cidade de Florianópolis; e as saunas de quatro cidades diferentes (Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba e São Paulo), territórios com os quais tive mais contato e nos quais realizei as entrevistas com os meus interlocutores.