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Por uma Regionalidade

No documento Narrativas de regionalidade (páginas 196-200)

736 LEAL, João - Etnografias Portuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade Nacional. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, p. 116.

737 Entre outros, um excerto do texto original de Rocha Peixoto (antes referido) publicado em: PEIXOTO, Rocha - A casa do engenheiro, Ex.mo Sr. Ricardo Severo na Rua do Conde, no Porto. In: A Arquitectura Portuguesa, ano XIX, n.° 8 (Ago), Lisboa 1916, pp. 29-32.

738 ―Mas o que avulta é o modo como, a par desses apontamentos mais cépticos, cresce de forma significativa o número de projectos publicados em revistas que, de uma forma ou de outra, se identificam com a casa portuguesa: um total de onze entre 1908 e 1917.‖Ibidem, loc. cit., pp. 116-117.

739 ―Deixem-nos, pois, dar aqui alguns elementos para o estudo de tão interessante assunto. §Na Beira Baixa, vimos ha dois anos, uma pequena aldeia, quasi no sopé da Serra da Gardunha, conhecida pelo nome de Telhado, em que as casitas, na sua quasi totalidade teem as fachadas construidas com grandes blocos de granito, tendo a escada exterior, dando acesso para uma varanda alpendrada, a toda a largura da fachada. §Na Beira Alta, a pouca distancia de Vizeu, vimos tambem por essa época algumas casas, com janélas sacadas alpendradas, e a escada exterior, apenas com o alpendre sobre a porta de entrada, e sob o patamar da dita escada, a entrada para os baixos da casa. §Outra casa vimos em que o alpendre acompanha a escada desde o seu inicio, seguindo a inclinação da mesma até terminar sobre o portal da entrada. §Vimos outra, em que a essa tem à frente uma ampla galeria colunada, sustentando o alpendre, ou como agora se diz, a cobertura do terraço, e dessa galeria partindo a escada, num dos angulos, até ao solo, contornando a casa para a sua fachada lateral. §No Algarve vimos ha anos casas com os alpendres cupulados, de abobada, em forma de zimborio, sem duvida reminiscencias do domínio sarraceno. §Outras, com arcarias, formando pateo interior, abrigando das intemperies; outras ainda, formada a frente do primeiro andar sobre colunatas, deixando por baixo uma arcaria sob a qual se acha o acésso para a parte baixa do predio. § Tudo isto, e muitissimo mais que existe disperso nas nossas provincias, não dará para um estudo consciencioso da casa portuguêsa?‖ IGNOTUS - Casa do Ex.mo Sr. Manoel OTTOLINI no Bairro Herédia (Estrada de Bemfica). In: A Architectura Portuguesa, ano VI, n.º 11, Nov. de 1913, p. 41. Grifos no original.

advém por ser, de certo modo, uma síntese – em tom particularmente incisivo – das referências à Casa Portuguesa no seu segundo momento e, igualmente, por revelar, em traços gerais, um conjunto de práticas que se tornariam referências na cena arquitectónica de então. Nesse sentido, Ignotus constata que ―[o] problêma

da casa portuguesa”741 subsiste, ―[e]m geral, poucos arquitectos se teem dedicado a estudar o problêma. Em vez de se reunirem para fazer excursões para vêrem determinados monumentos públicos, sem duvida dignos de admiração, como a Batalha, Convento de Cristo e outros, porque se não congregam para irem em cada ano a uma província, estudar os restos da sua antiquissima arquitectura particular?‖ 742 Portanto, ―[n]ão ficariam assim mais habilitados a modiflcar o modo do ser da arquitectura nacional, eivada dos modelos franceses [, ou

Chalets], agora que já se desenha uma acentuada tendência em alguns homens de

bom gosto para terem as suas residencias com arquitectura tradicionalista?‖ 743 Destacando a Casa de Ricardo Severo, ―uma linda vivenda a que procurou e conseguiu dar reminiscências tradicionalistas inconfundíveis‖ 744 , Ignotus evidencia, entre outros, o arquitecto Raul Lino, como ―os que mais tem procurado reconstituir a casa portuguêsa‖745 na prossecução do mais competente, ―[o] distinto colaborador desta revista, o ilustre general sr. Henrique das Neves, abalisado escritor publico, que sobre o assunto de que se trata é magister, pois tem visto muito e tem escrito em diversas revistas bastantes e interessantes cousas sobre o caso.‖746 E, remata, firmando a capacidade do autor da Casa do Ex.mo

Sr.

741 Ibidem, loc. cit. Grifos no original. A título de curiosidade, refira-se que décadas mais tarde, será este o título (aqui por Ignotus, ibidem, p. 43. Grifos no original) de uma obra seminal na contra-resposta à Casa Portuguesa. Cf. Parte III. Itinerários de Regionalidade, ponto 2. Por uma Regionalidade.

742 Ibidem, p. 41. 743 Ibidem, loc. cit.

744 ―§ Esta casa serviu de têma para acaloradas e interessantes discussões sobre a casa portuguêsa. §O arquitecto Teixeira Lopes tem no n.° 7 de 1909 désta revista, um belo especimen de arquitectura tradicionalista, na casa do Ex.mo Sr. Avelino Augusto Correia, em Vila Nova do Gaia. § O arquitecto sr. Francisco Carlos Parente, tambem tem no n.° 8 de 1908, outro especimen de arquitectura bastante feliz na casa construida para o Ex.mo Sr. Fernando Formigal de Moraes, na Estefania, em Cintra. §Parece-nos que, neste genero, nada mais tem o sr. Parente. O sr. Teixeira Lopes é que tem muitas casas no mesmo genero, por êle projectadas, e que, pena é, não tenham ainda visto a luz da publicidade, e, se não receassemos ser indiscrétos (vá lá a indiscrição) pediriamos á ilustrada direção desta revista para vêr se obtinha daquêle illustre artista os originaes para aqui serem publicados. §O distinto arquitecto sr. Alvaro Machado, apesar da sua especial predileção pelo romanico, em que tem trabalhos admirareis, tambem empregou, um pouco de estilisação tradicionalista numa casa projétada para o falecido dr. José de Lacerda no Alto do Estoril, como se póde vêr no numero de Junho de 1910 désta revista. § O não menos distinto arquitecto, sr. Norte Junior, tambem abandonou por momentos a sua arquitectura prediléta e especial, e projétou para os dois irmàos, os Ex.mos Srs. Gilherme Nicolau dos Santos e Francisco dos Santos dois tipos de casas com elementos tradicionalistas, na rua julio Diniz, publicadas respetivamento nos numeros de abril e junho de 1912. § Dos demais artistas especialistas em arquitectura nada nos consta com respeito a terem feito qualquer cousa no género tradicionalista.‖ Ibidem, pp. 42-43. Grifos no original.

745 Ibidem, loc. cit.

746 ―§ Mas, o nosso amigo [Nunes Colares, director da revista], objetou-nos que o ilustre general, sr. Henrique das Neves, está agora muito pouco dado ás letras e ainda com menos vontade de trabalhar, talvez devido ao excessivo frio, e prefere o cavaco do Universal, Martinho, Suisso, etc., á massada de estar a escrever linguados.‖ Ibidem, pp. 43.

Manoel Ottolini, o constructor (e arquitecto, segundo Ignotus) Guilherme Gomes, (18? - ?) pois ―soube tirar partido do local, e fez uma arquitectura com motivos decorativos tradicionalistas, que lhe dá honra, aproveitando o aturado estudo feito de trexos arquitectónicos tipicos nacionaes, que mostram a bôa vontade de acertar no que deve sêr a casa portuguêsa, aproveitando alguns elementos dispersos pe'as nossas províncias, como os que citámos no principio désta notícia, e que tendem a desaparecer na derrocada do tempo.‖747 É, então, num cenário de consenso aparente748 em torno da possível existência de um tipo de casa de habitação português que, o em muito elogiado749, Raul Lino publica o seu primeiro grande texto enquadrável na temática da Casa Portuguesa: ―A Nossa Casa. Apontamentos sobre o bom g sto na construção das casas simples.‖ 750 Autor de uma extensa obra teórica e prática, a obra de 1918 de Lino declara, fruto das suas viagens, em particular, pelo Alentejo e Norte de África (Marrocos em 1902751), um interesse considerável pelo Sul e suas expressões arquitectónicas vernaculares e eruditas. Epigrafada com uma citação de ―O culto da arte em Portugal‖ de Ramalho Ortigão, a publicação de Lino aprofunda e sistematiza considerações em muito alinhadas com, entre outras, as presentes na já distante nota de Henrique

747 Ibidem, pp. 44.

748 Ibidem, p. 117. A título de exemplo do interesse académico pela questão da Casa Portuguesa, em particular acerca da diversidade regional das construções vernaculares de Portugal, considerem-se os trabalhos de alunos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa de José Leite de Vasconcelos que, publicados na Revista Lusitana sob o título ―Casa Portuguesa. Inquerito etnografico‖ estudam casos da, entre outros, Ilha da Madeira, Leiria, Mirandela, Portalegre, Cartaxo, Figueira da Foz e a casa Minhota. Cf. AAVV - ―Casa Portuguesa. Inquerito etnografico‖. In: VASCONCELOS, José Leite de (dir.) - Revista Lusitana. Arquivo de estudos filologicos e etnologicos relativos a Portugal. Vol. 19, n.º 1-4, Lisboa 1916, pp. 134- 161.

749 Para além das referências antes citadas, retenham-se, igualmente, os vários artigos da ―A Construcção Moderna‖ consagrados a Raul Lino. Desses artigos, destaque-se o de D. José Maria da Silva Pessanha (1865-1939). ―Raul Lino, ao contrario, quando regressou da Allemanha, trazia já o intuito, conhecido e appalaudido de Haupt, — o seu verdadeiro mestre, — de se dedicar, e de reagir, com todo o vigor, com toda a sinceridade, com toda a fé, da sua radiosa juventude, contra a corrente de banalidade e de estrangeirismo, que ha muito nos invadiu e que, todos os dias e em toda a parte, está assignalando a sua passagem pela profusão de casas sem o menor vislumbre d'arte, sem o mais pallido reflexo de qualquer preoccupação esthetica, de chalets abastardados, de pseudo-abbadias normandas, de castellinhos feudaes, de edificações do mais incoherente e absurdo ecletismo. (…) Analysou os typos tradicionaes de habitação que se lhe depararam; estudou as recordações historicas da arte que, mais ou menos esquecidas e maltratadas, ainda se encontram por esse Portugal fóra; recolheu impressões da nossa variada paisagem, e, prevendo que a sua actividade teria de exercer-se, de preferencia, em Lisboa e cercanias, dedicou mais attenção ás casas do Alemtejo, por serem as do Norte e as do Algarve menos adaptaveis ao clima da nossa região. Assim preparado, deu-se todo à sua obra, ao seu bello e patriotico emprehendimento, tentando, não a vulgarização dos typos tradicionaes, não a ressurreição da casa dos nossos avós, mas (o que é muito differente) a evolução consciente e systematica d'esses typos, pela conciliação do que, sob o ponto de vista da arte, nelles se lhe afigura mais caracteristico, mais original, mais português, com as exigencias da vida contemporanea, com as indicações da hygiene, com o emprego dos novos materiaes, com os progressos da arte de construir.‖ PESSANHA, José - Raul Lino.In: A Construcção Moderna, ano III, n.º 56 Lisboa,10 Abr. 1902, pp. XIX-XX. A par do artigo antes citado, considere-se ainda: PESSANHA, José - Fachadas de estylisação tradicionalista. Architecto, sr. Raul Lino. In: A Construcção Moderna, ano IV, n.°102, 20 Jul. 1903, pp. 139-140.

750 LINO, Raul - A nossa casa. Apontamentos sobre o bom gosto na construção das casas simples. Lisboa: Edição da Atlantida, 1918.

751 Sobre as viagens de Lino no início de novecentos, veja-se, entre outros: MATOS, Madalena Cunha, RAMOS, Tânia eisl - Um Encontro, Um Desencontro. Lúcio Costa, Raul Lino e Carlos Ramos. In: AAVV - Moderno j assado. assano no Moderno. Reciclagem, requalifica o, rearquitectura. Anais do 7o seminário do do.co.mo.mo – Brasil, Porto Alegre: 22 a 24 Outubro, 2007. Disponivel em: http://www.docomomo.org.br/seminario%207%20pdfs/034.pdf. Acesso em: 7 de Abr. 2012.

das Neves752. Os ―Apontamentos sobre o bom gosto na construção das casas simples‖, pontualmente ilustrados por perspectivas e registos de rigor em planta de casas de ―estylização portuguesa‖753 – denominados de exemplos pelo autor (Ilustração 15) –, ambicionam, num tom didáctico e indicam ―a forma por que se deve apreciar o valor estético de uma habitação procurando despertar interesse pelos seus vários aspectos.‖754 Porém, adverte Lino, ―[e]ste livrinho não é nem poderia ser um formulário para a criação de belas casas.‖ 755 Contudo, o ―livrinho‖ de Lino estatui um conjunto de proposições que facilmente se podem considerar como um guia de como pensar o projecto. Sem aprofundar756 tais proposições, evidencie-se as que, presentes nesse suposto método, se revêem na Forma-do-Lugar e na sua vitalidade para a constituição de um pensamento projectual em Arquitectura. ―Não se deve porém fazer a planta sem estar escolhido o terreno. Ha muitas cousas a que entender que dependem da situação de um terreno e que influem poderosamente na disposição de uma casa.‖757 Assim, a ―questão muito importante da orientação, que é preciso considerar desde o princípio‖758 é vital à disposição de uma casa, como por exemplo, o sol e o vento, que são factores sempre a considerar. ―Tudo se deve pesar bem atendendo a que as condições climatéricas mudam de região para região e as circunstâncias locais são sempre diferentes.‖759

752 LEAL, João - Etnografias Portuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade Nacional. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, p. 118.

753 Assim denominado em muitas das publicações referentes às construções de Lino, em particular, as da zona de Cascais e Estoril.

754 LINO, Raul - A nossa casa. Apontamentos sobre o bom gosto na construção das casas simples. Lisboa: Edição da Atlantida, 1918, p. 4

755 Ibidem, loc. cit.

756 Para um aprofundamento das preposições de Lino na referida e noutras obras veja-se: PEREIRA, Michel Toussaint Alves - Da Arquitectura à Teoria e o Universo da Teoria da Arquitectura em Portugal na Primeira Metade do Século XX. Dissertação de Doutoramento em Teoria da Arquitectura. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Arquitectura, 2009, pp. 202-266. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.5/1411. Acesso em: 4 de Jun. 2012. 757 Ibidem, pp. 10-11.

758 Ibidem, p. 11. 759 Ibidem, p. 11.

A atenção à diversidade das Regiões de Portugal continental e, para além das demais considerações físicas, ter-se-á que ter igualmente em consideração as tradições peculiares dessas regiões: ―[n]unca se pergunte em que estilo se vai construir. É lógico que se, construa no estilo da região. É natural que se respeitem tradições locais, que adoptemos processos de mão-de-obra experimentados, que nos sirvamos dos materiais circunjacentes. [E] faz-se isto sem esforço só por que é lógico que assim se proceda.‖760 Resumidamente citadas, as proposições de Lino no que respeita aos ensinamentos das tradições regionais expressas nas demais construções vernaculares, e não só, ganham a configuração de um formulário estilístico que, marcarão uma renovada atenção à Casa Portuguesa vista simultaneamente como realidade etnográfica e como programa estético761. Tal formulário que distingue em particular a importância da caracterização formal e compositiva da construção, enumera ―alguns traços arquitectónicos que são de todo recomendáveis‖762 e que aprofundados por Lino em publicações posteriores, marcarão a futura expressão e a mais conhecida da Casa Portuguesa. Os traços advindos de soluções lidas na Arquitectura vernacular e, obviamente, reformuladas pela erudição compositiva do arquitecto, isto é, as ―cousas que alêm serem caras pelo amor da tradição, são belas em absoluto‖763 e que Lino evidencia são principalmente: o ―alpendre da casa, essa feição caracteristicamente

760 Ibidem, p. 15.

761 LEAL, João - Etnografias Portuguesas (1870-1970): Cultura Popular e Identidade Nacional. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2000, p. 118.

762 LINO, Raul - A nossa casa. Apontamentos sobre o bom gosto na construção das casas simples. Lisboa: Edição da Atlantida, 1918, p. 17.

763 Ibidem, p. 17.

Ilustração 15 - LINO, Raul - A nossa casa. Apontamentos sobre o bom gosto na construção das casas simples. Lisboa: Tipografia do Anuário Comercial, 1918, pp. 32-33.

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