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No Brasil, os primeiros catálogos surgiram após a criação da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR) em 1966. Cujas fotos exaltavam mulheres seminuas em praias ou no Carnaval do Rio de Janeiro. De acordo com Santos Filho (2008) este tipo de divulgação foi utilizado para desviar a imagem dos assassinatos, torturas praticadas durante a Ditadura Militar contra a população civil. Desta forma, eram publicadas imagens de um lugar tropical, com democracia racial e sobretudo um país moderno. Esta imagem de “país de mulheres fáceis” ou “país do carnaval” era a principal divulgação apoiada pela EMBRATUR para o exterior até o ano de 1996.

A divulgação do turismo pelos meios massivos de comunicação, dentre eles a fotografia, permite organizar sua operação sobre critérios para selecionar o que é digno de informar, pois se vale daquilo que García (2010, p. 93) chama de “técnicas de opacidad” que sobrepujam a beleza, vencendo o paradoxo de mostrar o comum do

destino, ou seja, a tradição, o prestígio e a uniformização pela a inovação, o atual, a melhora e o diferente. Constroem assim uma ilusão de diferenciação explicada pelo fato de a base do serviço oferecido ser praticamente o mesmo em todos os destinos. Na verdade, o diferencial está no formato com que o lazer é vendido e comprado, levando- se em consideração uma premissa antiga: “O importante é que a realidade encontrada pelo turista no período de sua estada tenha alguma referência com a realidade oferecida pelas fotografias.”

Entretanto, esta imagem é uma interpretação do fotógrafo, que irá capturar o ângulo e a luz que, em sua opinião, estejam nas melhores condições. Por este fato, algumas vezes, aquilo que se vê na fotografia não representa a verdade completa e sim uma pequena parte, pois a foto contém uma subjetividade de “liberdade de expressão de ideias”, que distorcem, de alguma maneira, a localidade. Mesmo assim, a foto domina a capacidade de transmitir significados. No caso específico do turismo, ela transforma aquele pedaço de atrativo turístico, em um desejo, em uma viagem (GÂNDARA e HACK, 2008; GASTAL, 2005).

Tirar fotos é um modo de atestar a experiência voyeurística do turismo. Assim, a fotografia passou a ser um dos mais importantes e procurados recursos para experimentar alguma coisa com uma participação mecânica. De acordo com Robinson & Picard (2009), há mais de trinta anos Sontag já fazia relação entre a fotografia e o turismo. Pois, viajar seria uma técnica para colecionar fotos, com a qual o ato fotográfico é a forma de o turista tranqüilizar e reduzir sentimentos de desorientação que uma viagem pode despertar. Pensando assim, o indivíduo inseguro de suas reações diante da experiência turística tira uma foto, principalmente aquele que tem uma cultura severa de trabalho, como o alemão e japonês que, quando são turistas, buscam no uso da câmera uma lembrança de uma obrigação de trabalho (fotografar), pois se sentem angustiados por estarem divertindo-se quando poderiam estar trabalhando. Adorno e Horkheimer (1985, p. 128) entendem que existe uma necessidade da mecanização do lazer:

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer e sobre a sua felicidade. Ela determina tão profundamente a fabricação das mercadorias

destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo de trabalho.

Destarte, as imagens advindas de viagens podem ser entendidas como uma sucessão ordenada de acontecimentos padrões. São escolhidas para ser fotografadas por associações. Conforme os mesmos autores acima citados, este tipo de método dentro de atividades relacionadas com o lazer se caracteriza como uma “doença incurável de toda a diversão”. Neste caso, para eles, o prazer não pode estar associado a tarefas que exijam algum esforço, visto que os objetivos de uma viagem são permutáveis, como em um catálogo, onde as imagens daquilo que se encontrará serão vendidas pelas organizadoras de turismo para serem posteriormente capturadas pelos turistas. Assim sendo, pode-se dizer, à luz da teoria de Certeau (1995, p. 45), que estas fotos são “imagens dos sonhos e a repressão de uma sociedade.” Como já foi visto no capítulo anterior sobre marketing, tudo isto acentua a discussão de Hischman (1988) sobre os meios de comunicação que colocam significado no produto. Neste sentido, estes são transmissores de uma ideologia de consumo.

A respeito disso, o consumo está relacionado com a posse de produtos e serviços pelo que representam em nível social e não pelo que tecnicamente oferecem. Contribui dessa maneira para a eliminação, exclusão e preconceito de uma cadeia simbólica sob uma dominação ideológica e de poder. Esta se insere na estética, pois em uma época, que não há ideologia, a arte imagética e a política assumem este posto. Haja vista que a estética foi incumbida da razão desenhada pelos mecanismos do mercado, que passam desapercebidos à consciência humana, no tempo que a imagem pode homologar gosto, opinião, comportamentos e costumes (SOUZA, 2003; CORRÊA, 2009).

Urry (1996), que foi um dos primeiros autores a fazer uma conexão entre fotografia e turismo, estabelece uma comparação entre o flâneur e o turista do século XIX. Visto que este, nessa época, era aquela pessoa que vagava sozinho em uma atividade de observar e registrar a cidade de Paris e todos os seus recônditos, mesmo os menos agradáveis. Atualmente, é crescente o número de turista single que procuram viajar para lugares pouco procurados.

O poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), deixa claro que, a exemplo dos poemas Les petites vielles e A une passante, o flâneur dedicava seu tempo a vagar

pelas ruas observando a atividade da burguesia pelo capital, no momento que a Europa vivia o período da industrialização nos séculos XVIII e XIX. Neste cenário, este homem vagante não devia explicações ao tempo e tinha a rua como fonte de inspiração em sua análise tranquila da cidade que ao mesmo tempo ele adorava e temia. Hoje alguns fotógrafos possuem este perfil, a exemplo de Gabriel Bechara (autor de um catálogo apoiado pelo FIC e analisado nesta pesquisa) em seus trabalhos, mostra a urbanidade de várias cidades brasileiras, transmite essa mensagem de flâneur, pois mostra lugares que vemos em nosso cotidiano, mas não os guardamos na memória, como pode ser visto na Foto 43, onde seus elementos (barco, corda e escada) mostram serem de utilidade para alguém. Apesar da imagem em si dos objetos dispostos desta forma, estes jamais seriam lembrados, caso não estivessem sido fotografados e publicados em um catálogo. Aqui o papel do fotógrafo é essencial em determinar aquilo que deve ser mostrado ao público.

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