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3 Dispensa Coletiva: Conceito, Direito Comparado e Contextualização do Caso

4.2 Posições contrárias a sua admissibilidade

Contrariando o entendimento adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho no julgamento do Caso Embraer, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região aparece como a principal Corte Trabalhista a defender a desnecessidade de negociação coletiva prévia quando da ocorrência da dispensa coletiva.

Sob o fundamento de que não há norma que exija, em casos de dispensa coletiva ou em número significativos de trabalhadores do estabelecimento empresarial, que a empresa tenha de submeter a sua decisão à negociação com a entidade sindical dos trabalhadores, a referida Corte Trabalhista afastou, em diversos julgados, a necessidade de negociação coletiva prévia.

Diferentemente do TST, que considerou que as dispensas individual e coletiva estão submetidas a regramentos normativos diferenciados, o TRT mineiro entendeu que o regramento jurídico a que estão submetidas é exatamente o mesmo.

Nesse sentido, concluiu:

Por ora, o ordenamento brasileiro optou apenas pela incidência da multa sobre os depósitos do FGTS quando da dispensa injusta. Portanto, por mais que os princípios constitucionais da dignidade humana, do trabalho e da função social do trabalho (art. 1° da CR/88) tenham grande importância para as relações de trabalho, sobretudo as de trabalho subordinado, não se pode desconsiderar o atual sistema de direito positivado. E muito embora se saiba que as dispensas coletivas ou numerosas possam, de regra, apresentar um fundamento único para a sua prática, é fato que o regramento jurídico a que estão submetidas é exatamente o mesmo a que se submetem as dispensas individuais.

Se por um lado a CR/88, no seu art. 1°, dispõe que a República Federativa do Brasil tem como fundamento os valores sociais do trabalho, também protege a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre concorrência de

qualquer empreendimento econômico. (arts. 1° c/c 173 da CR/88).

Quando a lei prevê especificamente uma situação de fato, não há que cogitar na função criadora do direito pelo Poder Judiciário, em outras palavras, não há que cogitar em poder normativo, analogia ou aplicação subsidiária de princípios de direito (artigo 8°, parágrafo único, da CLT e § 2° do art. 114 do CR/88). Do contrário, o Poder Judiciário estaria abarcando a função legislativa, ultrapassando inclusive os limites razoáveis do ativismo judicial.

Inexiste qualquer óbice legal ou normativo ao uso regular do poder potestativo, mormente quando inexiste qualquer estabilidade preexistente, o que é a hipótese dos autos.74

Em outro julgado, reiterando a posição acima mencionada, o TRT da 3ª Região ressalta que não há, em nosso ordenamento jurídico, regramento próprio capaz de disciplinar a matéria de forma específica e distinta das hipóteses das normas de proteção contra a demissão individual do empregado. Desse modo, a demissão coletiva equipara-se ao somatório de rescisões contratuais individuais, não havendo nenhum dispositivo capaz de alterar a orientação quanto ao procedimento normal de formalização da extinção contratual.

Conclui-se que a posição do TRT mineiro, ao equiparar a dispensa coletiva ao somatório das rescisões individuais, acaba por ir de encontro à conclusão tomada pela doutrina de que a dispensa coletiva não é forma de dispensa individual plúrima, porque nesta, conforme já se destacou, para cada demitido, pode haver causa diferente e normalmente tem o propósito de substituição do demitido por outro empregado.75 A dispensa coletiva não tem o propósito de substituição de mão-de-obra que a dispensa plúrima tem, mas principalmente visa à redução de custos, como forma de atenuar os efeitos econômicos sofridos em épocas de crises econômicas.

Merecem destaque as palavras de Maurício Godinho Delgado, ao explicar que a ocorrência de mais de uma dispensa individual em determinada empresa não necessariamente será dispensa coletiva:

A despedida individual é a que envolve um único trabalhador, ou que, mesmo atingindo diferentes empregados, não configura ato demissional grupal, ou uma prática maciça de rupturas contratuais (o chamado lay-off). A ocorrência de mais de uma dispensa em determinada empresa ou estabelecimento não configura, desse modo, por si somente, despedida coletiva: pode tratar-se de um número disperso de dispensas individuais.

74

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª Região. 00761-2011-036-03-00-6-RO. Relator: João Bosco Pinto Lara. Plenário. Data do julgamento: 29/11/2011. DEJT: 09/12/2011.

75

PANCOTTI, José Antônio. Aspectos jurídicos das dispensas coletivas no Brasil. Revista LTr, São Paulo, n. 35, 2009, p. 43.

Já a despedida coletiva atinge um grupo significativo de trabalhadores vinculados ao respectivo estabelecimento ou empresa, configurando uma prática maciça de rupturas contratuais (lay-off).76

Vê-se, pois, que a posição do TRT da 3ª Região não só vai de encontro à posição do TST, como também à construção do conceito de dispensa coletiva no universo jurídico pátrio feita por formulações doutrinárias, ante, reforça-se, a omissão legislativa quanto ao tema.

Reitera-se que a dispensa coletiva é fato completamente distinto da dispensa individual em sua estrutura, dimensão, profundidade, efeitos, impactos e repercussões, razão pela qual deve ter tratamento jurídico diferenciado.

Mesmo assim, sob o fundamento da omissão legislativa em regulamentar o art. 7º, I, da CF/88, entende a referida Corte Trabalhista que não há como se adotar tratamento diferenciado para as dispensas individuais e coletivas.

Nesse sentido, decidiu:

EMENTA: DISPENSA COLETIVA DE EMPREGADOS. DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR. Não há no ordenamento jurídico regramento nenhum acerca da despedida em massa ou coletiva determinando seja relacionada a uma causa objetiva, de ordem econômicoconjuntural ou técnicoestrutural, o que impõe o mesmo tratamento jurídico da proteção da relação de emprego contra a despedida individual sem justa causa, isto é, a situação recebe tratamento como se fosse uma soma de despedidas individuais sem justa causa, como preconiza o artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988. Assim, subsiste, apenas, o direito dos trabalhadores demitidos ao recebimento das verbas rescisórias típicas das dispensas individuais e sem justa causa, calculadas de acordo com a legislação trabalhista em vigor e com as vantagens dos instrumentos normativos que lhes forem aplicáveis, além de outras vantagens que porventura venham a ser concedida.77

Nesse mesmo julgado, ressaltou o fato de que o direito trabalhista no Brasil não possui nenhuma legislação limitando o direito potestativo do empregador de por fim ao contrato de trabalho, nada impede a dispensa coletiva, só cogita de proteção contra a demissão individual do empregado, quando sem justa causa, como preconiza o artigo 7º, I, da Constituição Federal de 1988.

Não se deve, destaca-se, justificar a desnecessidade de negociação coletiva

76

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 1175.

77

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 3ª Região. 00143-2009-150-03-00-6-RO. Relator: Danilo Siqueira de Castro Faria. Plenário. Data do julgamento: 02/12/2009. DEJT: 14/12/2009.

prévia sob o fundamento da omissão legislativa, já que, conforme preconiza o art. 1º, IV, da Constituição Federal de 1988, a busca pelo pleno emprego e a valorização do trabalho humano constituem garantias do Estado democrático de direito para se alcançar o equilíbrio na relação capital e trabalho, razão pela qual emergem como fundamentos para se justificar a necessidade de negociação coletiva prévia em ato tão gravoso aos trabalhadores: a dispensa coletiva.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de uma análise inicial sobre o conceito da dispensa coletiva, não obstante a omissão legislativa quanto ao tema, pôde-se perceber que pode ser definida como aquela que atinge um número significativo de trabalhadores, sendo que, para todos eles, haja uma mesma causa para o término do contrato de trabalho. A dispensa coletiva não tem o propósito de substituição de mão-de-obra, mas visa, principalmente, à redução de custos.

Deste modo, chegou-se à conclusão de que a dispensa coletiva não é forma de dispensa individual plúrima, já que nesta, para cada empregado dispensado, pode haver causa diferente, e normalmente tem o objetivo de substituição do demitido por outro empregado.

A importância da diferenciação entre dispensa individual e coletiva, eminentemente jurídica, surge na medida em que se conclui que as dispensas massivas são regidas de modo normativo diferente das dispensas meramente individuais, atraindo as consequências jurídicas de sua regência normativa específica, em especial a adoção de um procedimento prévio, com enfoque na necessidade da negociação coletiva prévia. Notou-se, assim, que a necessidade da negociação coletiva pode ser explicada pelos próprios princípios inerentes ao Direito Coletivo do Trabalho, já que, como instituto pertencente a este ramo do direito, a dispensa coletiva atrai o referido procedimento, base de representação da coletividade dos trabalhadores na defesa de seus interesses.

Analisou-se que esta é a posição do Tribunal Regional da 15ª Região, uma das principais Cortes Trabalhistas a defender a necessidade de negociação coletiva prévia quando da ocorrência da dispensa coletiva, que, no julgamento do Caso Embraer, manifestando-se quanto à diferenciação do tratamento normativo concedido às dispensas individuais e coletivas, asseverou que os pressupostos do regime geral do Direito do Trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego na dispensa individual são insuficientes para fazer frente à gravidade do fenômeno da dispensa coletiva.

Detalhou- se que, quando se trata de dispensa em massa, atingindo um elevado número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras atinentes

ao Direito Coletivo do Trabalho, que seguem determinados procedimentos, como a adoção da negociação coletiva prévia.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por sua vez, de forma equivalente e acertada, também se manifestou no sentido de que, embora a demissão em massa não seja regulada de forma consolidada no ordenamento jurídico nacional, é possível traçar o procedimento a ser adotado uma vez que nenhum direito é absoluto, considerando a necessidade de compatibilização com os demais direitos de iguais matriz e hierarquia.

Pelo entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, a dispensa em massa extrapola o comum, não podendo ser tratada como simples dispensa individual. Por se prever impacto em toda a sociedade, deve receber tratamento inerente ao direito coletivo, fazendo-se indispensável a ocorrência de negociação coletiva prévia.

É inegável, assim, que quando se trata de despedida coletiva, atingindo um significativo número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, que seguem determinados procedimentos peculiares, tais como a negociação coletiva.

Outra conclusão não parece ser mais razoável senão aquela que, ao encontro não só dos princípios do Direito Coletivo do Trabalho, mas também dos princípios diretivos do Direito do Trabalho em sua generalidade, estabelece a necessidade de negociação coletiva entre as partes, a fim de que a dispensa coletiva traga menos impacto social, atendendo às necessidades dos trabalhadores, considerados hipossuficientes.

Muito embora pareça clara a posição acima destacada, demonstrou-se que o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região aparece como a principal Corte Trabalhista a defender a desnecessidade de negociação coletiva prévia quando da ocorrência da dispensa coletiva.

Diferentemente do TST, e de encontro às formulações doutrinárias sobre as dispensas individuais e coletivas, considerou que os referidos tipos de dispensa estão submetidos ao mesmo regramento jurídico.

Alheio aos princípios diretivos do Direito Coletivo do Trabalho, o TRT da 3ª Região ressalta que não há, em nosso ordenamento jurídico, regramento próprio capaz de disciplinar a matéria de forma específica e distinta das hipóteses das normas de

proteção contra a demissão individual do empregado. Desse modo, a demissão coletiva equipara-se ao somatório de rescisões contratuais individuais, não havendo nenhum dispositivo capaz de alterar a orientação quanto ao procedimento normal de formalização da extinção contratual.

Discorda-se do aludido entendimento uma vez que restará menosprezado o princípio vetor do Direito do Trabalho, que é a proteção do empregado. Ao considerar a desnecessidade de negociação coletiva prévia quando da ocorrência da dispensa em massa de trabalhadores, condição amplamente gravosa para estes, o referido princípio restará amplamente diminuído.

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