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3 Dispensa Coletiva: Conceito, Direito Comparado e Contextualização do Caso

4.1 Posições favoráveis a sua admissibilidade

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. n. 0030900- 12.2009.5.15.000. Relator: Min. Mauricio Godinho Delgado. Plenário. Data do julgamento: 10/08/2009. DEJT: 04/09/2009.

Pode-se apontar o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região como um dos principais defensores da necessidade de negociação coletiva prévia quando da ocorrência da dispensa em massa de trabalhadores. Não só pelo acórdão proferido no julgamento do Caso Embraer, a tendência deste tribunal é que as demissões coletivas não podem prescindir de um tratamento jurídico de proteção aos empregados, com maior amplitude do que se dá para as demissões individuais e sem justa causa, por ser esta insuficiente, ante a gravidade e o impacto socioeconômico do fato.

Assim, emerge a ideia de que todos os membros da sociedade devem ser criativos na construção de normas que criem mecanismos que minimizem os efeitos da dispensa coletiva de trabalhadores pelas empresas. Ante a omissão legislativa que preveja procedimento preventivo, o único caminho seria negociação coletiva prévia entre a empresa e os sindicatos profissionais.

Nesse sentido, colaciona-se:

EMENTA. DANO MORAL - DEMISSÃO EM MASSA – AUSÊNCIA DE PRÉVIA NEGOCAÇÃO COLETIVA – ABUSIVIDADE – OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO TRABALHADOR - PERTINÊNCIA. As demissões coletivas ou em massa relacionadas a uma causa objetiva da empresa, de ordem técnico-estrutural ou econômico- conjuntural, como a atual crise econômica internacional, não podem prescindir de um tratamento jurídico de proteção aos empregados, com maior amplitude do que se dá para as demissões individuais e sem justa causa, por ser esta insuficiente, ante a gravidade e o impacto sócio- econômico do fato. Assim, governos, empresas e sindicatos devem ser criativos na construção de normas que criem mecanismos que, concreta e efetivamente, minimizem os efeitos da dispensa coletiva de trabalhadores pelas empresas. À míngua de legislação específica que preveja procedimento preventivo, o único caminho é a negociação coletiva prévia entre a empresa e os sindicatos profissionais. Submetido o fato à apreciação do Poder Judiciário, sopesando os interesses em jogo: liberdade de iniciativa e dignidade da pessoa humana do cidadão trabalhador, cabe-lhe proferir decisão que preserve o equilíbio de tais valores. Infelizmente não há no Brasil, a exemplo da União Européia (Directiva 98/59), Argentina (Ley n. 24.013/91), Espanha (Ley del Estatuto de los Trabajadores de 1995), França (Lei do Trabalho de 1995), Itália (Lei nº. 223/91), México (Ley Federal del Trabajo de 1970, cf. texto vigente - última reforma foi publicada no DOF de 17/01/2006) e Portugal (Código do Trabalho), legislação que crie procedimentos de escalonamento de demissões que levem em conta o tempo de serviço na empresa, a idade, os encargos familiares, ou aqueles em que a empresa necessite de autorização de autoridade, ou de um período de consultas aos sindicatos profissionais, podendo culminar com previsão de períodos de reciclagens, suspensão temporária dos contratos, aviso prévio prolongado, indenizações, etc. Com base na orientação dos princípios constitucionais expressos e implícitos, no direito comparado, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy e Ronald Dworkin, Paulo

Bonavides e outros acerca da força normativa dos princípios jurídicos, é razoável que se reconheça a abusividade da demissão coletiva, por ausência de negociação. Assim, com base nesse argumentos, reputo abusiva a dispensa (coletiva) do reclamante, por falta de boa fé objetiva, nos termos do art. 422 do Código Civil, e por ausência de negociação prévia, espontânea e direta entre a reclamada e o sindicato profissional, que revela falta de lealdade da conduta, restando caracterizada como ato abusivo e ofensivo à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, à livre iniciativa e à cidadania, condenando a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 1.751,20, considerando a ofensa à dignidade do reclamante, sua situação econômica e a capacidade econômica do ofensor. Recurso provido parcialmente.68

No julgamento do Caso Embraer, manifestando-se quanto à diferenciação do tratamento normativo concedido às dispensas individuais e coletivas, a referida Corte Trabalhista asseverou que os pressupostos do regime geral do Direito do Trabalho contemporâneo sobre a proteção da relação de emprego na dispensa individual são insuficientes para fazer frente à gravidade do fenômeno da dispensa coletiva.

Quando se trata de dispensa coletiva, atingindo um elevado número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras atinentes ao Direito Coletivo do Trabalho, que seguem determinados procedimentos, como a adoção da negociação coletiva prévia.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, de forma equivalente, também se manifestou no sentido de que, embora a demissão em massa não seja regulada de forma consolidada no ordenamento jurídico nacional, é possível traçar o procedimento a ser adotado uma vez que nenhum direito é absoluto, considerando a necessidade de compatibilização com os demais direitos de igual matriz e hierarquia.

Nesse sentido:

Assim, a despedida coletiva, não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva. Portanto, deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômicos e ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos. É o que se extrai da interpretação sistemática da Carta Federal e da aplicação das Convenções Internacionais constante de Tratados e Convenções Internacionais, que embora não ratificados, tem força principiológica máxime nas hipóteses em que o Brasil participa como

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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 15ª Região. Recurso Ordinário. n. 0035900- 60.2009.5.15.0010/Campinas. Relator: Des. José Antonio Pancotti. Data do julgamento: 09/08/2011. DOESP: 19/08/2011.

membro do organismo internacional como é o caso da OIT. 69

No mesmo julgado, o TRT da 2ª Região enfatizou a distinção entre os tipos de dispensa, ratificando a necessidade de adoção de um procedimento específico e defendendo que no ordenamento jurídico nacional a despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, comportando, assim, a denúncia vazia, ou seja, a empresa não está obrigada a motivar. Quanto à despedida coletiva, considerou esta Corte trabalhista que é fato coletivo regido por princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, material e processual. Aduziu ainda que o direito coletivo do trabalho vem invocando normas de ordem pública relativas com regras de procedimentalização. Concluiu, assim, que a despedida coletiva não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva.70

De fato, percebe-se um nível de elevado alinhamento entre os Tribunais da 2ª e da 15ª Regiões e o Tribunal Superior do Trabalho. Este, no acórdão proferido no

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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. 2ª Região. Dissídio Coletivo. n. 20281-2008-000-02-00-1 /São Paulo. Relator: Des. Ivani Contini Bramante. Plenário. Data do julgamento: 22/12/2008. DOESP: 15/01/2009.

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Nesse sentido, conferir: EMENTA. DESPEDIDA EM MASSA. NULIDADE. NECESSIDADE DE NEGOCIAÇAO COLETIVA. GREVE DECLARADA LEGAL E NAO ABUSIVA. Da greve. Legalidade. 1. A greve é maneira legítima de resistência às demissões unilaterais em massa, vocacionadas à exigir o direito de informação da causa do ato demissivo massivo e o direito de negociação coletivo. Aplicável no caso os princípios da solução pacifica das controvérsias, preâmbulo da CF; bem como, art. 5º, inciso XIV, art. 7º, XXVI, art. 8º, III e VI, CF, e Recomendação 163 da OIT, diante das demissões feitas de inopino, sem buscar soluções conjuntas e negociadas com Sindicato. Da despedida em massa. Nulidade. Necessidade de procedimentalização. 1. No ordenamento jurídico nacional a despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, e assim, comporta a denúncia vazia, ou seja, a empresa não está obrigada a motivar e justificar a dispensa, basta dispensar, homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. 2. Quanto à despedida coletiva é fato coletivo regido por princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, material e processual. 3. O direito coletivo do trabalho vem vocacionado por normas de ordem pública relativa com regras de procedimentalização. Assim, a despedida coletiva não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva. Portanto, deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômicos e ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos. 4. É o que se extrai da interpretação sistemática da Carta Federal e da aplicação das Convenções Internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil e dos princípios Internacionais constante de Tratados e Convenções Internacionais, que embora não ratificados, têm força principiológica, máxime nas hipóteses em que o Brasil participa como membro do organismo internacional como é o caso da OIT. Aplicável na solução da lide coletiva os princípios: da solução pacífica das controvérsias previsto no preambulo da Carta Federal; da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, e da função social da empresa, encravados nos artigos 1º, III e IV e 170 "caput" e inciso III da CF; da democracia na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, conforme previsão dos arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI e artigos 10 e 11 da CF bem como previsão nas Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil nºs: 98, 135 e 154. Aplicável ainda o princípio do direito à informação previsto na Recomendação 163, da OIT, e no artigo 5º, XIV da CF (...). BRASIL. Tribunal Regional da 2ª Região. Dissídio Coletivo: 20281200800002001 SP 20281-2008-000-02-00-1, Relator: Ivani Contini Bramante. Data de Julgamento: 22/12/2008. Data de Publicação: 15/01/2009.

julgamento do Caso Embraer, tendo como relator o Ministro Maurício Godinho Delgado, enalteceu a diferenciação jurídica existente entre as dispensas individuais e coletivas, de modo que se enfatizasse a atenção especial pelo texto constitucional dirigida às dispensas em massa de trabalhadores, constatados os efeitos sociais e econômicos deste tipo de dispensa.

Nesse sentido:

A diferença entre o individual e o coletivo também pode ser observada no campo das ciências. Uma doença individual é um fato com estrutura, dimensão e repercussão localizadas, pontuais, individuais e tópicas, ao passo que uma epidemia do mesmo mal tem dimensão, profundidade, impacto e, dessa forma, estrutura diferentes.

Portanto, tanto na vida social como nas ciências, e como também no direito, os fatos estritamente individuais são manifestamente distintos dos fatos coletivos, massivos.

Os eventos da dispensa coletiva e da dispensa individual de trabalhadores de certa empresa não poderiam obedecer a outra lógica. A dispensa coletiva, embora não esteja tipificada explícita e minuciosamente em lei, corresponde a fato econômico, social e jurídico diverso da despedida individual, pela acentuação da lesão provocada e pelo alargamento de seus efeitos, que deixam de ser restritos a alguns trabalhadores e suas famílias, atingindo, além das pessoas envolvidas, toda a comunidade empresarial, trabalhista, citadina e até mesmo regional, abalando, ainda, o mercado econômico interno. É um fato manifestamente diferente da dispensa individual.

A dispensa coletiva no direito brasileiro, por ser ato, conduta ou fato massivo, envolvendo significativa coletividade de trabalhadores, é matéria típica, específica e obrigatória do DIREITO COLETIVO DO TRABALHO, que pode ser definido como o complexo de institutos, princípios e regras jurídicas que regulam as relações laborais de empregados e empregadores e grupos jurídicos normativamente especificados, considerada sua atuação coletiva, realizada autonomamente ou através das respectivas entidades sindicais. Possui, portanto, regras e princípios específicos, diversos do Direito Individual.71

Em outro julgado, o TST, dessa vez tendo como relatora a Ministra Kátia Magalhães Arruda, ao julgar Recurso Ordinário em dissídio coletivo de greve ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Paulo, Mogi Das Cruzes – SP, no qual 60 dos 85 empregados da empresa foram dispensados sem nenhum tipo de negociação coletiva prévia ou informações sobre a previsão de percepção das verbas rescisórias, estabeleceu:

[...] DISPENSA COLETIVA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A despedida

71 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. n. 0030900-

12.2009.5.15.000. Relator: Min. Mauricio Godinho Delgado. Plenário. Data do julgamento: 10/08/2009. DEJT: 04/09/2009.

individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, que possibilita à empresa não motivar nem justificar o ato, bastando homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. Todavia, quando se trata de despedida coletiva, que atinge um grande número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, que seguem determinados procedimentos, tais como a negociação coletiva. Não há proibição de despedida coletiva, principalmente em casos em que não há mais condições de trabalho na empresa. No entanto, devem ser observados os princípios previstos na Constituição Federal, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa, previstos nos artigos 1º, III e IV, e 170, caput e III, da CF; da democracia na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, (arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI, e 10 e 11 da CF), bem como as Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil, nas Recomendações nos 98, 135 e 154, e, finalmente, o princípio do direito à informação previsto na Recomendação nº 163, da OIT, e no artigo 5º, XIV, da CF. No caso dos autos, a empresa, além de dispensar os empregados de forma arbitrária, não pagou as verbas rescisórias, deixando de observar os princípios básicos que devem nortear as relações de trabalho.

A negociação coletiva entre as partes é essencial nestes casos, a fim de que a dispensa coletiva traga menos impacto social, atendendo às necessidades dos trabalhadores, considerados hipossuficientes.

Precedente.

Todavia, não há fundamento para deferimento de licença remunerada pelo prazo de sessenta dias, principalmente porque a empresa encontra-se em processo de recuperação judicial. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial.72

Segundo entendimento acima colacionado, a dispensa em massa extrapola o comum, não podendo ser tratada como simples dispensa individual. Por se prever impacto em toda a sociedade, deve receber tratamento inerente ao direito coletivo, fazendo-se indispensável a ocorrência de negociação coletiva prévia.

Conforme destacou o Ministro Maurício Godinho Delgado:

Nesse contexto, os diversos instrumentos do Direito Coletivo do Trabalho são meios de solução de importantes conflitos sociais, que são aqueles que surgem em torno da relação de emprego (ou de trabalho), ganhando projeção grupal, coletiva. Além disso, tal ramo do direito é um dos mais relevantes instrumentos de democratização de poder, no âmbito social, existente nas modernas sociedades democráticas. O problema das dispensas coletivas, portanto, deve ser resolvido dentro desses parâmetros.73

Outra conclusão não parece mais razoável senão a que considera o fato de

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. n. 2004700- 91.2009.5.02.0000. Relator: Min. Kátia Magalhães Arruda. Plenário. Data do Julgamento: 14/11/2011. DEJT: 16/12/2011.

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BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo. n. 0030900- 12.2009.5.15.000. Relator: Min. Mauricio Godinho Delgado. Plenário. Data do julgamento: 10/08/2009. DEJT: 04/09/2009.

que as dispensas massivas são regidas de modo normativo diferente das dispensas meramente individuais, atraindo as consequências jurídicas de sua regência normativa específica, em especial a adoção de um procedimento prévio, com enfoque na necessidade da negociação coletiva prévia para a legitimidade das dispensas em massa.

A dispensa coletiva, portanto, é fato completamente distinto da dispensa individual em sua estrutura, dimensão, profundidade, efeitos, impactos e repercussões, razão pela qual deve ter tratamento jurídico diferenciado, atraindo, especialmente, os princípios informadores do Direito Coletivo do Trabalho.

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