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CAPÍTULO 04 O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO (PPP) DA ESCOLA

4.7 O PPP e sua relação com a comunidade

A escola não é um espaço de vivência neutro. Ela não está isolada, desprendida dos acontecimentos, das dificuldades ou problemas enfrentados pela comunidade onde a mesma está inserida, mas, sim, tudo o que afeta ou está relacionado à comunidade também está relacionado com a escola. Por isso, a escola deve ligar a sua ação pedagógica à vivência da comunidade, ou seja, os desafios, as lutas, as necessidades e a realidade em si da comunidade deve ser o espelho que impulsiona a atuação do PPP da escola.

Com base no levantamento de dados procuramos identificar se o PPP da referida escola está relacionado com as peculiaridades da comunidade onde a mesma está inserida. Então, com o objetivo de saber se independente do PPP os professores têm conseguido situar as disciplinas na realidade do campo escolhemos 05 conselheiros pelo fato de estarem à frente da gestão escolar bem como entrosados com a ação pedagógica na sala de aula. 60% dos conselheiros disseram sim, enquanto 40% disseram não.

Com a finalidade de desvendar se os conteúdos estudados pelos alunos estão relacionados com a vida deles, com a vida da comunidade e com a vida no campo, dentre os 20 sujeitos da pesquisa selecionamos 15, pois os mesmos constituem a secretária e a tesoureira do conselho escolar, os representantes dos pais e dos alunos. Desse modo, 60% dos conselheiros disseram não, enquanto 20% disseram sim e 20% ficaram em dúvida. Em relação aos pais, 60% disseram não, enquanto 20% disseram sim e 20% ficaram em dúvida. No que diz respeito aos alunos, 100% disseram não.

Diante dos percentuais apresentados notamos que os conteúdos estudados pelos alunos não estão relacionados com a vida dos mesmos, com a comunidade e com a vida no campo. Mas, entendemos que os professores que atuam nesta miragem improvisam esta prática de maneira ingênua sem que tenham o conhecimento dos avanços e conquistas relacionados à política voltada para os povos do campo, que a partir de então receberam outra dimensão. Com esta intensidade foi que na I Conferência Nacional por uma Educação Básica no Campo, em 1998, foi analisada a precariedade da educação no campo, deixando claro sua importância. Como afirma Caldart (2004, p. 14),

o campo é espaço de vida digna e é legítima a luta para as políticas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para seus sujeitos. Foram aprovadas nessa conferência as diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo.

Enquanto documento norteador do processo pedagógico o PPP deve estar mergulhado nas vivências dos alunos. Porém, não entendemos que os alunos do campo não tenham direito aos saberes universais, ou que o PPP não considere as especificidades dos sujeitos do campo os quais a partir da educação buscam possibilidades de melhores condições de vida no espaço campesino. Lembramos o que nos ensina o mestre Paulo Freire (1981, p. 10): “Estudar não é um ato de consumir ideias, mas sim, de criá-las e recriá-las”. O conhecimento construído coletivamente deve ser transformado em ação. E a ação deve vivenciar os valores, os conteúdos, as reflexões que estamos desenvolvendo enquanto integrantes desse processo de inserção no contexto da escola. Não podemos nos esquecer, e é preciso lembrar sempre: educador do campo é aquele que contribui com o processo de organização do povo que vive no campo.

Nesta perspectiva a ação pedagógica da escola precisa estar voltada para atender às necessidades dos educandos. Caso contrário à escola não estará cumprindo o seu papel enquanto instituição social promotora da formação de opinião.

Portanto, as disciplinas estudadas pelos educandos devem estar voltadas para as suas vivências e necessidades, contribuindo assim para resolver os possíveis problemas enfrentados no seu cotidiano. Neste sentido, esta indagação não foi direcionada a todos os sujeitos da pesquisa, mas apenas ao conselheiro 09 que é o representante dos alunos e aos 05 alunos entrevistados. Os demais sujeitos não responderam a questão em foco por se tratar de uma especificidade da vida desses sujeitos. Ressaltemos as suas respostas:

História. Purque história é onde se adquire o conhecimento. Já pensou a pessoa viver na comum, no mundo hoje sem um história? Tudo hoje tá baseado em história. Em todos os sentidos. Purque é... Através da história é que nós sabemos como foi, ao descobrimento do Brasil. Porque se não existisse história como é que iria conhecer? Como iria saber se não existisse história? Então, a história hoje tem a ver com a vida do ser humano. Eu acho que todos aspectos da vida do ser humano [...] Ou seja, a história está relacionada à, até na vida do homem, em todos os aspectos. [...] Ela reflete no conhecimento mesmo. [...] Não é só pra conhecer o passado. Ela é, é a história faz parte de todos os parâmetros da vida do ser humano. É como é que a gente vai entender o amanhã se não existir... Tem que ter o passado, o meio, ou seja, passado, presente e futuro. Não existe só presente e futuro. Tem que ter o passado. [...] Tem que, tem que, tem que vê o presente. Tem que vê o presente, ou seja, os três andam juntos: passado, presente e futuro. E para planejar o futuro tem que vê o presente. (Conselheiro 09)

A ciência. Porque faz muito negócio importante pra gente. Pra não jogar lixo das águas, proteger as águas. Muitas coisas! [...] Eu jogava negócios nas coisas, na água assim. Aí quando eu comecei a estudar ciência a professora falou que não podia jogar negócio, da água. (Aluno 01)

Tudin. Tem educação física também. Porque às vezes você fica forte, brinca. [...] Então, porque a gente joga futebol. Aí a pessoa fica mais forte assim, como dá uma carreira. Emagrece. (Aluno 02)

Matemática. Porque quando eu vou pra venda eu sei quanto vem quanto vai. (Aluno 03)

É Português porque Português já ensina muitas coisas, né? Porque se a gente abrir o livro de Português vai ter modos de falar, não errar. [...] Aí lá, lá vai ensinar a gente a falar direito porque se, se a gente tá num lugar e falar errado, isso vai trazer coisa. Porque a gente já tá falando errado, imagina quando crescer? E a professora um dia disse que tem muita gente que não estuda. [...] E também Matemática que muitas pessoas perguntam, né? [...] Porque Matemática já ensina a coisar o dinheiro. (Aluno 04)

Assim, eu não vou dizer, porque eu sei mais na hora de fazer eu não sei não. [...] Eu não me lembro não. (Aluno 05)

Mediante as respostas apresentadas percebemos que o aluno 01 fala que foi a disciplina de Ciências pelo fato de contribuir na preservação dos recursos naturais, no caso a água. O aluno 02, Educação Física, pois contribui na qualidade de vida. O aluno 03, Matemática, pela sua utilização no seu cotidiano. O aluno 04, Português, pelo fato de contribuir no modo de falar e escrever correto, e Matemática, pois colabora quando o mesmo

faz uso do dinheiro em seu dia a dia. Enquanto isso o aluno 05 não soube responder ou não entendeu a pergunta.

Porém, não temos a intenção de desvalorizar a contribuição das disciplinas na vida dos alunos. Mas, nos chamou a atenção a fala do conselheiro 09 que ressaltou algo muito significativo em relação à contribuição da disciplina História, pois o mesmo destaca que a história está relacionada a todos os aspectos da vida. E ainda nos questiona quando pergunta: Como vamos entender o amanhã se não conhecermos o passado? Além disso, ele lembra que o passado, o presente e o futuro andam juntos, ou seja, um depende do outro. Nessa direção, Delval (2006, p. 101-102) esclarece que a História,

estudada de outra forma pode e deve ser um elemento fundamental da formação de um ser humano livre. Pois, se dissemos que o homem deve ser, em última instância, o objeto principal da atividade escolar, para entender o homem é indispensável a história. O homem é um ser histórico, que foi se construindo ao longo de seu passado, que foi se formando a si mesmo no decorrer de sua evolução, e não podemos entender o que somos nem como é a sociedade se não entendermos o processo pelo qual chegamos até aqui. A dimensão social e a dimensão histórica são absolutamente inseparáveis.

Desse modo, a educação do campo pensa a educação (política e pedagogicamente) desde os interesses sociais, políticos, culturais de um determinado grupo social. Sendo assim, trata-se de pensar a educação (que é um processo universal) desde uma particularidade, ou seja, desde sujeitos concretos que se movimentam dentro de determinadas condições sociais de existência em um dado tempo histórico. Partindo desta ótica, segundo Caldart (2004, p. 17- 18), a educação do campo assume sua particularidade,

Que é o vínculo com sujeitos sociais concretos, e com um recorte específico de classe, mas sem deixar de considerar a dimensão da universalidade: antes (durante e depois) de tudo ela é educação, formação de seres humanos. Ou seja, a educação faz diálogo com a teoria pedagógica desde a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo e, mais amplamente, com a formação humana.

A construção do PPP deve estar ancorada nos problemas da comunidade, haja vista que o mesmo tem como princípio a identidade da escola. Então, a escola não está ausente da realidade na qual está inserida. Desse modo, tudo o que faz parte da vida da comunidade tem relação com a escola, pois a realidade exterior à escola de certo modo contribui ou prejudica a melhoria da qualidade do ensino e na formação de sujeitos críticos e participativos

corroborando também para possíveis melhorias das condições de vida da comunidade. Com essas pressuposições foi que questionamos os sujeitos da pesquisa com a finalidade de saber se os problemas sociais vivenciados pela comunidade são discutidos nas reuniões de pais e mestres e na sala de aula. Porém, para responder essa questão selecionamos 05 conselheiros, haja vista que dois deles estão ligados à gestão escolar, dois são representantes dos pais e um é representante dos alunos, com também os pais e os alunos. Vejamos as respostas apresentadas:

Não. (Conselheiro 04)

Não! Isso aí... Por isso que eu te falei que não tem é... Não tá muito envolvido essas coisas. Porque grande parte dos professores também não fazem parte da nossa comunidade. Não sabem da realidade da nossa comunidade escolar. E, e com isso torna-se ainda mais difícil pra que elas tenham conhecimento. Muitas vezes comenta, mas não é discutido nada disso. [...] Porque muitas vezes, os professores vêm de fora pra comunidade e não conhece a realidade nem da comunidade e nem da comunidade escolar. Desfavorecendo muitas vezes os alunos, tachando eles que também não sabem de nada. E eles também muitas vezes não conhecem a realidade de cada um. (Conselheiro 05)

Não, não tem sido. Pois nas reuniões são tratados mais assuntos do interesse da escola, como exemplo, merenda, estruturas e comportamento de alunos. (Conselheiro 08)

Eu não sei fa, isso aí eu não sei explicar não. Eu não sei não viu. Eu não tava presente. Eu, eu não sei explicar se era discutido aqui. Eu, eu já participei de reuniões que foram discutido o problema da comunidade, mai não no setor da escola. (Conselheiro 09)

Se os problemas tem sido discutidos nas reuniões eu desconheço porque ultimamente não tenho participado da reunião, das reuniões. (Conselheiro 10)

Que eu me lembre, não. Que eu me lembre, desde que eu participo de reunião de escola, não. (Pai 01)

Até aqui nas reuniões que eu fui ainda não tinha visto ninguém falar disso não, né? [...] Que podia falar nas reuniões também, né? Fala problema, mai problema da escola. Mai esses outros problemas da comunidade, né? Ninguém fala. É fica de fora. Eu nunca vi ninguém falar nisso. Veneno... [...] Podia falar, né? Problemas vamos supor: buraco no meio da rua, coleta de lixo, esgoto na porta de casa. Tudo isso podia falar na comunidade, né? Que podia falar na reunião da escola. Quem sabe que não tinha um jeito? [...] Mai ninguém num fala, né? Falar, fala por falta de escola do filho, fala por, por mal nota, né? Que não tira nota boa. Como deve educar os fios. Mandar os fios pra escola, pra faltar à escola. Fala disso. Até onde eu vi em reunião, eu vi falar disso, né? Ninguém nunca falou. (Pai 02)

Até agora não. (Pai 03)

Não. Não professor. Na escola, na escola não. (Pai 04) Não que eu fiquei sabendo não. (Pai 05)

Não. (Aluno 01) Esgoto. (Aluno 02) Pra mim, não. (Aluno 03) Não. (Aluno 04)

Sim. Não mim lembro não, mas ela já deu assim,... Conversou com a gente. (Aluno 05)

Considerando as falas dos sujeitos entrevistados percebemos que o conselheiro 04, secretário da escola e do conselho escolar afirma que os problemas da comunidade não são discutidos nas reuniões de pais e mestres. Como também relata o conselheiro 05, tesoureiro do conselho escolar, mas este chama a atenção para o fato de que os professores são de fora e desconhecem a realidade da comunidade local e desconsideram os saberes dos alunos. E aí fica difícil de trazer para o espaço escolar questões como essas. Mas, lembra que às vezes comenta, mas não é discutido.

O conselheiro 08, representante dos pais, afirma também que não são discutidos, pois quando se reúnem tratam de assuntos do interesse da escola, como merenda, estrutura e comportamento de alunos. Os conselheiros 09 e 10 falam que não sabem dizer porque não tem participado das reuniões. Porém, o conselheiro 09 afirma que já participou de reuniões onde foram discutidos os problemas da comunidade. Mas, em outros espaços fora da escola.

Os pais 01, 02, 03, 04 e 05 afirmam que não. Porém, o pai 02 comenta que deveriam falar sobre esses problemas, pois nas reuniões só falam de problemas ligados ao interior da escola. Os alunos 01, 03 e 04 também afirmam que não. Mas, o aluno 02 afirma que já foi discutido o problema do esgoto e o aluno 05 afirma que sim, mas não lembra qual foi o problema. Assim, segundo Delval (2006, p. 137) “para levar a cabo essa formação, convém não só contar com a capacidade e a competência dos professores, mas utilizar todas as possibilidades oferecidas pelo entorno social”.