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VIGÊN CIA

4.3 Os Docentes e as suas Representações

4.3.3 Práticas Culturais das Escolas do Campo

Esta categoria aponta os múltiplos olhares sobre o brincar e as brincadeiras de roda cantadas e brincadas nas Escolas do Campo de Chapadinha (MA), fazendo parte dos dados atinentes à segunda parte do roteiro da entrevista semi-estruturada aplicada aos docentes. Os fundamentos que transversalizam essa análise permitiram o diálogo sobre os saberes e fazeres dos docentes acerca do brincar e das brincadeiras e seus diferentes aspectos que identificam e norteiam a sua utilização, na escola, como procedimentos pedagógicos.

As falas dos sujeitos pesquisados fazem referência ao que pensam a respeito do brincar e das brincadeiras de roda.

No olhar de um dos docentes:

“Brincar é algo que dá prazer pra nós, adultos, imagine para as crianças.

Observamos que as crianças realmente gostam e têm o hábito de brincar. Elas são animadas, batem palmas, cantam. E, quando as chamamos para brincar, elas demonstram alegria. Mas também há probleminhas quando demonstram

egoísmo. Aí trabalhamos as questões de valores”. [S1]

Esse fragmento retrata o olhar prático e vivencial do docente em relação à atitude demonstrada pelos alunos no ato de brincar, “na qual as crianças constroem e se apropriam de conhecimento, transformam seu mundo, conhecem e criam suas regras, conjuntamente, renegociando e redefinindo a realidade”. (ZANATA; MELLO; CARVALHO, 2012, p. 3).

Verifica-se com essas informações que a escola se caracteriza como espaço de trocas de experiências, onde o sentimento de pertencimento permite tanto para os alunos quanto para os docentes vivenciarem situações de aprendizagens coletivas, potencializadoras de sociabilidades. Concorda-se com Freire (2008, p. 43) que “não há educação fora das sociedades humanas, assim como não há homens no vazio”. A questão é como traduzir este princípio para a prática pedagógica do docente, da escola, e potencializar a Educação popular do campo, respeitando os modos de viver da comunidade local, seu hábitat e a forma como se organizam e se reorganizam.

Nesse contexto, o ato de brincar, geralmente, reinventa novas formas de convivência e de participação nas brincadeiras, especialmente quando envolvem jogos didáticos e recreativos, proporcionando motivação, construção de regras e o respeito para com o outro, bem como aguçando a criatividade da criança.

A respeito das brincadeiras que acontecem na escola, seja no espaço interno ou externo, no início ou durante as atividades pedagógicas, um docente aponta que:

“[...] os alunos gostam de jogar futebol. Quando chegamos à escola, já os

encontramos com uma bola, seja feita de pedaço de sacola velha, de pano, qualquer tipo de bola, eles inventam, e, as meninas do 1º ao 5º ano, ainda brincam de roda, de ciranda, cirandinha, cai dentro do poço”. [S4]

Tais atividades, brincadas pelos alunos ou as desenvolvidas pelo docente, “contribuem, decisivamente, para o desenvolvimento e a aprendizagem das novas gerações, confirmando que brincar é, sim, aprender” (FORTUNA, 2007, p. 21). Conforme outro docente:

“As brincadeiras tradicionais têm um grande significado. Eu tenho dois filhos na adolescência, às vezes, quando a gente senta na porta, eu sinto saudade do meu tempo, porque meu menino, tudo bem, ainda joga uma bolinha, mas a minha menina, não. Fica no celular com as coleguinhas. Hoje é só questão da tecnologia. Ainda hoje lembro que, na minha infância, brincava de cantiga de roda. Sinto saudade dessa época, isso não se vê hoje em dia”. [S12]

Esse recorte possibilita a reflexão sobre as brincadeiras atuais, em tempo de modernidade, como são encaminhadas pela família, pela escola, de maneira que “[...] brincadeira só se realiza se houver aceitação do convite pelo grupo” (PIMENTEL; PIMENTEL, 2003, p. 16), e pelos espaços de ocupação desses sujeitos.

Nesses termos, concorda-se com os autores, na medida em que essas experiências conferem às crianças e/ou aos alunos habilidades com o manuseio das Tecnologias de Informação e Comunicação, despertando-os para as inovações tecnológicas, cada vez mais presentes em suas vidas, às vezes mais próximas de seus lócus, às vezes ainda distante.

Desse modo, a modernidade tem provocado desequilíbrios e sucessivas transformações paradigmáticas, diretamente ocasionando consequências sobre a sociedade e sobre a cultura, especialmente nas sociedades ditas em vias de desenvolvimento. De acordo com Santos (2006):

[...] os meios de comunicação não só transmitem informações, não só apregoam mensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar. (SANTOS, 2006, p. 69)

A concepção deste autor permite a compreensão de que os modos de vida, os costumes dos pais dos alunos do lugar e de sua cultura se constituem retrato de um tempo, de uma geração, expressos em seus fazes e saberes e identificados nas diversas manifestações populares. As cantigas de roda se apresentam como práticas culturais de:

[...] um tempo em que essa linguagem que hoje consideramos não-traço usual era a linguagem da época, abordando coisas então cotidianas. Assim, o que hoje constitui quase que o resgate de sentidos – ora implícitos na brincadeira – em outra época eram fatos e situações explicitamente inscritos no discurso. Dessa forma, os efeitos de sentidos produzidos pelos textos das cantigas variam conforme estejam eles sujeitos à ação do tempo (então/agora) e às pessoas que delas se servem (adultos, jovens, crianças). (JURADO FILHO, 1985, p. 21)

Na visão de Jurado Filho (1985), as cantigas de roda trazem a marca de seu tempo, a composição dos seus textos e melodias cantadas e brincadas pelas crianças com a tradução das intencionalidades dos adultos.

Quando indagados sobre os tipos de brincadeiras de roda desenvolvidas em sua sala de aula, os docentes responderam, em maioria: Batatinha frita, Atirei o pau no gato, Lendas e contos, Ciranda cirandinha. Fui à Espanha, Escravo de Jô, Bom Barquinho, Provérbios, Canções Populares, Passa Anel, Terezinha de Jesus, Se essa rua fosse minha. Assim, “representar um objeto social é construir formas de pensar e explicar esse objeto. Construir uma representação social de um objeto é compartilhar dos modelos de pensamentos e de explicações existentes na sociedade” (JODELET, 2011, p. 156).

Para a autora, tais cantigas de roda constantes nos planejamentos de ensino dos docentes, como estratégias de ensino, desenvolvidas em sala de aula como lazer, como forma de motivação dos alunos, são carregadas de sentidos que denotam o pensamento de época e de lugar. Dos 19 docentes pesquisados, 4 (quatro) afirmaram trabalhar essas cantigas de roda nas aulas de sexta-feira, como recreação. Os docentes salientaram, também, que desenvolvem as brincadeiras fazendo gestos e cantando em roda, na sala de aula, e apenas um docente disse trabalhar a prática em área externa à escola.

Sob essa perspectiva, compreende-se que as brincadeiras de roda apontadas pelos pesquisados são consideradas atividades de lazer, fazem parte do convívio social das crianças

e se efetivam também no espaço escolar. De acordo com Jovchelovitch (2008, p. 33) “a realidade do mundo humano é, em sua totalidade, feita de representação e não faz sentido falar da realidade em nosso mundo humano sem o trabalho da representação”. Nesse sentido, as brincadeiras são atividades práticas, compartilhadas, que se apresentam como um fator de aprendizagem e de interação; que motivam a participação, valorizam os laços de amizade com os colegas, permitindo aos alunos aprender a respeitar os valores, as crenças e sua cultura e seu universo.

De modo geral, as escolas utilizam a música no seu cotidiano, como atividade lúdica para desenvolver a motricidade, a afetividade a sociabilidade. As cantigas de roda, cantadas ou brincadas, possibilitam a interação entre os alunos e ampliam suas percepções do contexto em que vivem, assim como o acesso e a disseminação da cultura dos grupos sociais de uma determinada geração.

Dessa forma, conhecer a cultura popular compartilhada por meio da música é fundamental para compreender a intencionalidade dos recursos linguísticos para a disseminação dos valores culturais. Segundo Wajskop (2009, p. 25), “a criança desenvolve-se pela experiência social, nas interações que estabelece, desde cedo, com a experiência sócio- histórica dos adultos e do mundo por eles criado.”

As Cantigas Ciranda, cirandinha e Capelinha de melão, ou Capelinha é de melão, são exemplos clássicos nas rodas. Considerando os objetivos da presente pesquisa e dando prosseguimento às analises, observa-se a seguir:

Quadro 14 – Intencionalidade nas Cantigas de Roda

Capelinha de melão29 Capelinha é de melão30

Capelinha de melão É de São João É de cravo é de rosa

É de manjericão São João está na roda

Não acorda não

Acordai, acordai, acordai João.

Capelinha de melão É de São João É de cravo é de rosa

É de manjericão São João está na roda

Não acorda não

Acordai, acordai, acordai João.

29 Versão popular disponível em: <http://letras.cifras.com.br/musicas-nfantis/capelinha-de-melao>. 30 Versão cantada e brincada pelo [S4].

Ciranda, cirandinha31 Ciranda, cirandinha32 Ciranda, cirandinha

Vamos todos cirandar Vamos dar a meia volta Volta e meia vamos dar O anel que tu me destes Era vidro e se quebrou O amor que tu me tinhas

era pouco e se acabou Por isso, dona Maria Entre dentro desta roda Diga um verso bem bonito Diga adeus e vá-se embora

Ciranda, cirandinha Vamos todos cirandar Vamos dar a meia volta Volta e meia vamos dar O anel que tu me destes Era de vidro e se quebrou

O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou

Por isso, dona... Entre dentro desta roda Diga um verso bem bonito Diga adeus e vá-se embora Fonte: Elaborada pela autora a partir dos dados coletados.

Tanto na forma escrita, quanto na forma cantada, as cantigas apresentam uma similaridade quanto à estrutura dos períodos. Apenas em Era vidro e se quebrou e Era de vidro e se quebrou, apresenta-se um acréscimo de uma preposição, o que não corresponde a uma mudança de sentido. Em Capelinha é de melão, o acréscimo é apenas no título, o verbo ser, que não representa uma ressignificação, aspecto de intencionalidade ou gramatical. Como descrito nas análises anteriores, os fatores aqui destacados podem representar a oralidade, uma expressão natural, momentânea.

E, no que se refere à tradição das práticas culturais, pelos versos que compõem as cantigas apresentadas acima, compreende-se que os a valores culturais são motivados pela sociabilidade. Embora não seja uma prática intencional, as brincadeiras de roda promovem uma retrospectiva da vida campesina em seus primórdios, seus momentos, em família ou em amizades.

4.3.4 Representações Sociais Expressas pelos Docentes por meio das Cantigas de Roda