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OFÍCIOS COMO PRÁTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Trazer para este trabalho a discussão das práticas dos professores implica, necessariamente, mergulhar nas entranhas do seu trabalho de modo a encontrar os modos cotidianos do exercício da sua atividade. Para que isso aconteça, torna-se necessário compreender o meio onde trabalham e algumas das suas especificidades que nos tornará possível pensar com eles outras possibilidades que vão agregar valor as suas atividades.

Torna-se mais interessante trazer aqui um elemento importante para a sobrevivência dos seres vivos: a água. É um elemento que encontramos nas diferentes escolas e que faz companhia ao trabalho dos professores. Esse precioso líquido, na maior parte daquelas comunidades, acaba se tornando valioso não só pela sua importância, mas, sobretudo, pela sua raridade.

(A)Notações VI: A fonte que também sacia a sede de saber

Todo trabalho de campo na área de educação se esbarra numa burocracia danada (características dos países em vias de desenvolvimento), é muito papel que tem que ser jogado fora, e muita gente que tem que dar um “sim”. Esse mal necessário ajuda, mas também, dificulta a realização de um trabalho que pela sua natureza deve ser desenvolvido em tempo previamente definido.

Enfim, vencido esse esforço inicial, no dia 21 de abril de 2015, me fiz à estrada para conviver com professores e alunos da EPC de Muatala. Eu moro na cidade de Nampula, para chegar ao distrito de Muecate (onde se situa a escola) que dista 67 km tenho que pegar a estrada nacional nº 8, que liga a cidade de Nampula à cidade Portuária de Nacala. É uma caminhada feita por duas estradas com fisionomias diferentes. De Nampula até Nacavala é uma estrada alcatroada, cuja paisagem é povoada pela presença popular, que aproveitando do movimento das pessoas vão comercializando os seus produtos. A partir do entroncamento de Nacavala, a estrada alcatroada cede espaço a uma estrada terraplanada, que embora os seus passageiros sejam assolados por ventos empoeirados, não deixam de deliciar a linda paisagem constituída de uma savana aberta, rios e uma rica fauna bravia, além de montanhas. É esta paisagem que me inspirava para conversar com professores e alunos acerca da(s) sua(s) educações.

Mapa 1. Trajeto Nampula cidade à vila do distrito de Muecate

Fonte:Google Map (https://www.google.com.br/maps/dir/Nampula,+Mo%C3%A7ambique/Distrito+de+muecate/o-

14.8952858,39.3725017,153790m/am=t/data=!3m1!1e3!4m13!4m12!1m5!1m1!1s0x18c635b36b36a139:0xc217764b4ccadd74!2m2!1d39.2 687161!2d-15.1266347!1m5!1m1!1s0x18c7bda0828c3df3:0x8a4b15d714f44a7d!2m2!1d39.6285874!2d-14.8917787

Cheguei à EPC de Muatala as 6h45 minutos depois de percorrer os mais de 60 km a partir da cidade de Nampula e deliciando as lindas paisagens inspiradoras. A escola de Muatala (o meu destino) está situada a 5 km da sede da ZIP na vila do distrito. Pensei que o horário de entrada era o mesmo da sede da ZIP, no entanto eles tinham o seu horário. As aulas iniciavam às 9:00 horas. Encontrei a escola “deserta”, apenas se via crianças que estavam na única fonte de água na comunidade a tirar o precioso líquido para as suas casas.

Imagem 15: Crianças na fonte de água da EPC de Muatala

As escolas das zonas rurais não têm muro de vedação que serviria de divisória com a comunidade, sendo de acesso a todos. O pátio das escolas serve como espaço para brincadeiras das crianças, mesmo quando não estão em atividade letiva. As fontes de água que se encontram no centro do pátio das escolas servem à comunidade – estas fontes são únicas que contém água potável para consumo da população.

(In.: caderno de campo).

Moçambique é um país que enfrenta problemas de saneamento e de abastecimento de água; mais da metade da população rural moçambicana não se beneficia da água potável. Toda essa população usa a água dos rios para satisfazer as suas necessidades básicas. No entanto, a maior parte dos rios tem um regime periódico, o que faz com que os seus cursos tenham água apenas no período das chuvas. Paralelamente, a maior parte das comunidades dispõe de escolas (mesmo que não tenham salas de aulas de quatro paredes - pelo menos dispõem de um espaço que se chama escola) e, consequentemente, acesso a água potável através das fontes localizadas nos seus pátios.

Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de 2008 constata que “um terço da população moçambicana não tinha acesso à água potável” (UNICEF, 2008, p.5). Segundo o documento, a problemática da água em Moçambique impacta no ingresso e na permanência das crianças na escola, no atendimento e na sua aprendizagem. Para combater o problema de falta de água, vários esforços são empreendidos pelo governo e por organizações não governamentais (ONGs) junto às comunidades rurais e periurbanas. Um dos problemas relacionados à falta de água nas comunidades, e que afeta diretamente a educação, está conexo com os altos índices de evasão escolar de meninas e jovens.

A evasão escolar de meninas e jovens, em Moçambique e em grande parte dos países africanos, está associada às atividades domésticas - específicamente à questão da procura da água. Na maioria desses países, o processo de busca de água faz parte das atividades domésticas e é, essencialmente, feminina. Tanto em Moçambique como em outros países, as atividades domésticas são por natureza confiadas às mulheres. Assim, em comunidades onde se registra a falta de água, as meninas perdem muito tempo em busca desse precioso líquido, e a escola passa a ocupar um papel secundário nas suas vidas cotidianas.

Foi pensando nas consequências que advém da falta de água potável que as autoridades governamentais e ONGs que trabalham com educação resolveram construir fontes de água nas escolas primárias. A política de construção de fontes de água surge da necessidade de manter

meninas e jovens na escola (diminuindo os índices de evasão e de desistência escolar), além de suprir o déficit de abastecimento de água e aproximar a comunidade da escola.

Imagem 16: Meninas recolhendo água na fonte da EPC de Muatala

Fonte: Acervo da pesquisa

A fonte de água constitui um espaço de encontro de crianças e jovens, onde brincam e estabelecem laços de amizade. As fontes sediadas nas escolas se constituem lugares privilegiados de encontro comunitário, onde os seus usuários discutem suas angústias, seus problemas e suas alegrias, tornando um ponto importante de produção e partilha do saber comunitário.

Brandão (1984) lembra quanto aos modos de circulação de informação e de relacionamento numa comunidade de camponeses isolada quando diz que “as pessoas do povo movimentam a sua vida social realizando um repertório vasto e completo de tipos de interações. Enquanto transitam uns na direção dos outros, trocam conhecimentos, trocam formas de saber e trocam valores” (p. 167). Para esses povos das comunidades onde há escassez de água, as fontes sediadas nas escolas podem constituir único espaço dessas trocas e podem constituir fontes de saber.

A água se constitui um elemento essencial para a sobrevivência do homem, tal como o conhecimento, o saber e a experiência. A nossa existência seria impossível sem a água, e da mesma forma se tornaria inviável se não existissem mecanismos de narração de experiências,

troca de saberes, enfim, de produção de conhecimento novo. Nesse sentido, tomamos, metaforicamente, a água como fonte de conhecimento, pois as fontes no espaço da escola saciam também a sede de saber. São fontes de produção, de divulgação, de socialização e de troca de experiências, saberes - de produção de conhecimentos.

O interesse do meu trabalho é discutir as práticas ordinárias – experiências e práticas - dos professores do Ensino Básico como práticas de formação continuada. Concebo as práticas dos professores como sendo um conjunto de incertezas encobertas que precisam ser veladas e reveladas para ressignificá-las, isto é, considerar o acaso, o não significante como tendo significado.

Muitos são os movimentos que se debruçam sobre aquilo que chamaríamos de formação dos professores de todos os níveis de escolaridade. Essa demanda de abordagem traz consigo um número sem fim de agências internacionais que se propõem a “apoiar” financeiramente à formação de professores, fundamentalmente, nos países de 3º mundo. Agências como o Banco Mundial têm revelado, nos últimos anos, a sua “importância” nas políticas de forma(ta)ção de professores.

Como se referem Azevedo e Alves (2004), as discussões mais acaloradas sobre os contextos de formação de professores se resumem a dois aspetos: o dos cursos de formação e

o da atualização. Embora esses contextos tenham grande importância para todo um conjunto

de processos de formação de professores, poucos se referem à formação que se centra na prática docente cotidiana. Como se referem aquelas autoras é no “cotidiano escolar que são forjados os docentes. Nele se aprende a ser professor sendo professor” (p.9). A troca de experiências, de olhares entre os diferentes sujeitos implicados no processo de aprendizagensino, cria novos contextos e novas possibilidades de formação, diferentes daqueles hegemonicamente concebidos.

Como disse no início destes escritos, a minha vida profissional foi mais ou menos tecida nesse pressuposto. Tornei-me professor, sendo professor. A partir dos desafios do cotidiano da minha atividade, me tornei professor.

Embora tenha discutido a formação nos contextos dos cursos de formação (formação inicial), mas a minha centralidade neste trabalho foi a de formação no contexto da prática docente cotidiana (formação continuada). Essa formação é alicerçada por um conjunto de modelos.

A formação continuada alicerçada na prática cotidiana se enquadra no modelo construtivista. Nessa abordagem, as práticas formativas são “organizadas a partir de uma reflexão contextualizada e de um quadro de regulação permanente das práticas e dos processos de trabalho” (SANTOS, 2014, p.34). A formação é entendida como um processo permanente de construção e de reconstrução da docência. Quando se aborda a formação nestes moldes, o seu olhar é deslocado para a escola com as suas práticas e suas contradições. São as práticas cotidianas que definem as necessidades de formação, olhando-se mais as experiências dos professores.

Ao querer mergulhar na lama dos praticantes e nela extrair o “ouro”, compartilho a ideia de Tardif (2014), que advoga ser impossível compreender a natureza do saber dos professores sem colocá-lo em íntima relação com o que os professores, nos seus espaços de trabalho cotidianos, são, fazem e pensam.

Falar das práticas dos professores do Ensino Básico implica discutir as suas atividades em salas de aulas, partilhando com eles as suas angústias laborais, as suas potências e as suas dificuldades. Os saberes profissionais só têm sentido em relação às situações de trabalho e são nessas situações que são construídos e utilizados os diferentes saberes adquiridos nas diferentes esferas da sociedade de maneira significativa pelos trabalhadores. Tardif (2014, p. 257) nos lembra de que “o trabalho não é primeiro um objeto que se olha, mas uma atividade que se faz e é realizando que os saberes são mobilizados e construídos”. Pretendo trazer aqui esse movimento de ver, sentir as aulas dos professores de modo a ter uma sensação que aqueles profissionais passam no seu cotidiano, que em regra inicia no processo de indução profissional que, no meu entender, começa com o estágio pedagógico.

(A)notações VII: Estágio Pedagógico como práticaformação

No compasso de espera para assistir a aula da disciplina de Ofícios na EPC de Muecate- sede, me deparei com um professor estagiário69 que estava dando aulas na 3ª classe de

nome Lobato que me mostrou as condições em que ele trabalhava (uma sala de carteiras improvisadas com bancos de blocos de areia e com uma cobertura precária). Segundo ele quando chove não ocorrem aulas. Era um embate psicológico, um estagiário estar submetido àquelas condições, mas era um “professor” que tinha e recebia carisma dos seus alunos.

(In.: Caderno de campo).

69É um formando que se encontra no último ano da sua formação e que se encontra afetado numa escola para fazer as práticas letivas na sala de aulas e em outras atividades inerentes à sua futura profissão.

Imagem 17: Bloco de salas de aula

Fonte: Acervo de pesquisa

Para o Regulamento de Avaliação dos cursos de Formação de Professores Primários, o estágio é “o conjunto de actividades curriculares e co-curriculares desenvolvidas pelos estagiários, na escola primária em contato direto com os alunos com vista à aquisição de conhecimentos práticos da atividade docente” (INDE, 2014, p. 11).

O estágio corresponde ao momento em que o formando estabelece contato com o ambiente de trabalho, através do qual procura se ambientar nas atividades escolares de modo a desenvolver a sua autonomia e espírito crítico e criar condições de trabalho em equipe na escola, podendo-se considerar nesse caso também de professor iniciante70. Refiro-me ao professor iniciante neste caso como aquele professor em formação, que como o Professor Labato vivencia a experiência de estágio longe da supervisão de um professor sênior que seria responsável no acompanhamento da sua formação enquanto estiver no processo de estágio.

A chegada dos estagiários à escola se confronta com aquilo que Silva (1997) chama de choque com a realidade. O choque com a realidade se manifesta quando há uma discrepância entre as expectativas dos estagiários, da sua concepção do que é escola, com aquilo que realmente encontram no terreno.

70No caso em referência, o estagiário era responsável de uma turma, não se encontrando pelo menos naquele momento um professor residente para acompanhá-lo.

No caso do professor Lobato, a sua sala de aula em condições precárias (imagens 13 e 14) constitui um dos marcos desse choque e que pode provocar uma mudança na sua concepção do que é escola e de todo processo de aprendizagensino.

Quando o formando chega ao espaço de estágio, encontra uma escola que não é a imagem que construiu durante o seu processo de formação, assim, é obrigado a reorganizar o espaço que encontra de modo que se transforme numa representação próxima do que considera sala de aula. Quando encontra uma sala sem quadro preto ou branco, sem cadeira para o professor se sentar e muito menos carteiras para os alunos, mas sim troncos, vai fazer um movimento de arrumar o espaço para virar uma sala de aulas com características que ele entende como sala de aula. Tal representação de sala de aula equivale a uma concepção do que são educação e processos de ensino e aprendizagem.

Ao mesmo tempo, o estágio poderia lhe fornecer a possibilidade de reelaborar o conhecido e o desconhecido, possibilitando, dessa forma, encontrar outras possibilidades de aulas e não aquelas que são conhecidas. Assim, nos vislumbra que uma aula ou uma escola pode-se constituir diferente daquilo que é, e ser moldada a partir das condições reais, podendo pensar outra forma de ensinar e aprender na escola. De tal modo, o cotidiano escolar nos traz enormes desafios que potencializam a atividade docente.

Imagem 18: vista de um bloco de salas de aula

Fonte: Acervo de pesquisa

A partir desse movimento, podemos considerar o estágio como práticaformação, pois, envolve a reflexão da prática e a inter(in)venção (Perez, 2016) na vida cotidiana da escola, dos

professores, dos alunos e da comunidade onde a escola se encontra inserida, daí que é minha percepção de que o processo de estágio devia iniciar com um processo de preparação do estagiário para o desempenho da atividade letiva, embora reconheça que esse processo se virado exclusivamente à observação do professor ideal pode gerar ao conformismo, ser conservador à valores, hábitos, ideias, comportamentos pessoais e sociais legitimados pela cultura institucional dominante.

Os elementos atrás mencionados quando verificados no ato do estágio pode levar o professor a não exercitar a reflexão da sua prática, assim como a capacidade de criação, estando

condenados a seguir receituários dos programas, manuais ou orientações centrais.

Como o estágio poderia acontecer na perspectiva do que chamo de práticaformação?

Uma práticaformação pressupõe envolvimento, colaboração e cumplicidade no trabalho para todos os intervenientes do processo de aprendizagensino. Recordemos que o estagiário ainda está em formação e que a experiência - assim como a forma de colegialidade praticada na escola - impactará nas suas atividades, uma vez estarmos ainda numa sociedade onde prevalece a aprendizagem por modelo. Assim, torna necessário que a escola se modifique nos seus hábitos de fechamento, de modo a criar espaços de discussão, partilha e criação de experiências entre os professores quer dentro da mesma classe, disciplina ou entre classes diferentes e com a participação e a audição do estagiário. Dessa forma, o estágio se tornaria um processo de formação de um professor que sabe ouvir e valorizar a voz dos outros com outro ouvir.

É, através do/no estágio pedagógico, que se permite ao formando apropriar-se dos saberes pedagógicos, uma vez que estes só se “constituem a partir da prática, que os confronta e os reelabora” (PIMENTA, 2009, p. 26).

O estágio não pode servir para repetir o que está feito, mas sobretudo olhar as condições existentes, transformá-las e dar sentido à todo um conjuntos de vivências cotidianas das escolas.

(A)Notações VIII: Um número que apaga o nome e a identidade do aluno e desvirtua a lógica de aprenderensinar

No dia 2 de junho de 2015, de regresso à cidade de Nampula vindo da EPC de Tulua, fui assistir à aula da Professora de Ofícios na EPC de Muecate-Sede, uma professora que leciona também a disciplina de Português. Esta duplicidade de disciplinas faz confundir os alunos quando a professora entra na sala de aula, embora existia horário. Naquela aula alguns alunos estavam com caderno de Português e a Professora tinha que alertar aos alunos de que estavam na aula de Ofícios. No meu entender, a confusão deve-se porque os Professores com duas disciplinas (uma delas Ofícios) sempre dão prioridade a outra disciplina, chegando mesmo a usarem as horas de Ofícios.

A aula cujo tema era “origem e propriedades dos metais” iniciou com o ritual de “sempre”- saudação e marcação de presenças. No processo de marcação de presenças os nomes dos alunos são substituídos por números – cada aluno tem seu número que vai lhe “perseguir” até o final do secundário. Esse processo de numerificação dos alunos faz com que os Professores conheçam os seus alunos através de números e não pelos seus nomes, o que de certo modo cria um apagamento no aluno.

(In.: Caderno de campo). Imagem 19. Alunos na sala de aula da disciplina de Ofícios na EPC de Muecate Sede

Fonte: Acervo de Pesquisa

Vou chamar para esta discussão o escritor Uruguaio Eduardo Galeano para metaforicamente discutirmos o ritual de numerificação dos alunos. Um ritual do qual também

fui vítima por vários anos em minha trajetória escolar. Em “O livro dos Abraços”, encontrei o poema “Os ninguéns”!

Os ninguéns [...]

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são embora sejam.

Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não tem cultura, têm folclore.

Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

(GALEANO, 1991, p. 71, grifo meu)

A criança sai de casa para a escola com o seu nome e, quando chega à escola, lhe é atribuído um número por cada ano ao longo da sua vida escolar, assim o aluno “que não tem nome, tem número” - que lhe transforma um ninguém. O número dois do artigo 26 da lei nº 7/2008 de 9 de julho71 estabelece que “a criança tem o direito a ter um nome e a usar o apelido da sua família” (FDC, 2009, p.11). Ao se impor outra designação por meio de um número, está- se negar à criança aquele direito consagrado em lei. A justificativa de numerificação nas escolas é de que as turmas são numerosas e chamar pelo nome “oficial” levaria muito tempo comprometendo, dessa forma, o tempo pleno de aulas.

Nota-se, nesse processo, um apagamento que se evidencia pela impossibilidade de (re)conhecer o outro, que se faz pela falta de diálogo entre professores e alunos. O diálogo, como nos lembra Freire (1967, p.107), é “uma relação horizontal e nasce de uma matriz crítica e nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança”. Quando, em uma relação