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2.2. EDUCAÇÃO DURANTE A LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL:

2.2.1. As Zonas libertadas como marco inicial da formação do Homem Novo

À medida em que a guerra de libertação nacional adensava, a FRELIMO, ia conquistando alguns territórios no espaço moçambicano e ampliando nesses territorios conquistados a sua rede de administração. Nesses territórios “livres” da dominação colonial, foi estabelecido um sistema de ensino ideologicamente diferente do sistema colonial.

Nas primeiras escolas que surgiram nas zonas libertadas, as crianças aprendiam o português, considerado como sendo língua comum e de unidade nacional, a história, a geografia de Moçambique, para além da artimética e da educação cívica.

Como esses conteúdos eram tratados na formação do cidadão moçambicano?

Formar o cidadão nacional no contexto escolar, não significa apenas mudar livros, mas envolve um conjunto de elementos materiais e humanos para que esse fim seja uma realidade. Nas zonas libertadas, essas condições não tinham sido criadas, muito menos nos primeiros anos da independência. Nas zonas libertadas pela FRELIMO, onde eram criadas as escolas, os militantes que sabiam ler e escrever se responsabilizavam pela alfabetização não apenas dos seus colegas mas também da população que residiam nessas zonas. Não eram escolas com salas convencionais como as que conhecemos hoje, as aulas decorriam por baixo de árvores e o “quadro preto” era feito de cascas de árvores.

Como se vai notar, os conteúdos de ensino nas escolas das zonas libertadas tinham um carácter político-ideológicos e visavam à sensibilização dos jovens e adultos a se engajarem na luta armada de libertação nacional. Essa forma de educação, pelo caráter que assumiu, designo por educação sensibilizadora–pois tinha como objetivo de sensibilizar a população moçambicana a ter consciência da importância do seu envolvimento na luta de libertação nacional, além de poder dispertar a atencão da população sobre a importância da educação na emancipação popular.

A educação, nas zonas libertadas, tratava-se de uma educação ideológica, enquanto lugar privilegiado de inculcação dos ideiais da FRELIMO: educação crítica revolucionária, que se articulava com o trabalho; patriótica, visando desenvolver a consciência e construir a unidade nacional; ensino aberto – fundado no contato com o mundo exterior, aprender com o mundo e

conhecer a diversidade cultural da nação – a cultura como património e como processo de construção da moçambicanidade.

No entanto, apesar da educação patrótica, a implementação dos ideiais revolucionários e voltados para a construção do Homem Novo, e a preocupação com a construção da unidade nacional gerou do ponto de vista educativo algumas contradições: na organização curricular foram ignoradas as manifestações culturais dos diferentes povos das diferentes regiões do país (tradições, cultura, e a línguass locais, etc.). O grande debate girava em torno do tratamento da imensa diversidade cultural do país. A tensão entre unidade e diversidade, se manifestava na organização curricular proposta pela FRELIMO, pois a atenção às tradições dos diferentes grupos etnolínguisticos, se incorporadas às práticas educacionais locais, era vista por alguns como ameaça que poderia desvirtuar o princípio de unidade nacional.

O currículo que orientava a educação nas zonas libertadas traz alguns paradoxos em termos teóricos e metodológicos, pois ao mesmo tempo em que afirma articulação com a comunidade, relega a segundo plano a expressão das diferentes culturas locais, tais como: a língua e as manifestações culturais e religiosas.

Em termos estruturais, a educação nas zonas libertadas compreendia: “educação formal, alfabetização e escolarização de adultos e formação de Professores” (MAZULA,1995, p.113). A educação formal, destinada às crianças e aos adolescentes abrangia quatro níveis: o Pré-Primário, ministrado em Centros Infantis, o Primário, de quatro séries, ministrado em escolas do interior do país e na Tanzânia; o Secundário de quatro série, ministrado na Escola Secundária de Bagamoyo (Tanzânia), e o Universitário, que não chegou a funcionar: os alunos que atingiam este nível eram enviados para o exterior.

Quadro 2: Grade curricular das Escolas nas Zonas Libertadas em Moçambique

Ensino Primário Ensino Secundário

Português Português

Artimética Inglês

Geografia Política

Ciências História

História Geografia

Trabalhos Práticos Matemática

Política Ciências Naturais

Educação Artistica Física

Educação Física Química

Biologia

Trabalhos Práticos Desenho

Educação Física

Fora dos conteúdos de ensino acima referenciados, na Escola Secundária, também poderiam «eventualmente» ser ministrados cursos do Magistério Primário, de Informação e Propaganda, de Cooperativas e de Administração.

Nota-se, nesse período, que a formação dos professores para essas escolas se realizava por meio de seminários de capacitação de professores em diferentes regiões das zonas libertadas. Esses cursos tinham como objectivos “aperfeiçoar permanentemente a formação recebida, clarificar algumas dúvidas surgidas durante as aulas e, ao mesmo tempo, garantir

uma certa unicidade e nívelamento dos programas escolares” (CASTIANO e NGOENHA,

2013, p. 51, grifo meu).

Durante esse período, o sistema educativo nas zonas libertadas, começou, paulatinamente, a abandonar os conteúdos de matriz colonial para dar lugar a conteúdos de matriz moçambicana. Nas disciplinas de história e geografia, já não se aprendiam mais matérias sobre Portugal, mas sobre as experiências e as situações concretas do povo e do território moçambicano, embora descartados os aspectos relativos às tradições.

As transformações sócio econômicas provocadas pela luta de libertação nacional podem ser consideradas um processo educativo. Nessa luta, aprendeu-se que era possível transformar a vida, marcada pela opressão do regime colonial, em uma vida de liberdade - pois pessoas de origens diferentes aprenderam a viver e a conviver juntas, criando alicerces para a edificação da unidade nacional, em um país multicultural e multi-linguístico. Dessa forma, segundo Gómez (1999), a escola tinha uma finalidade primordial em apoiar a construção da unidade nacional. Até então, a escola não tinha o caráter de classe. Ela era entendida como uma arma fundamental para consolidar o sentimento de identidade nacional.

Para superar a educação providenciada pelo regime colonial e pela educação tradicional, segundo MONDLANE (1995), era necessário aprender de outras culturas, mas que não fosse necessáriamente enxertá-la diretamente na cultura moçambicana.