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Práticas de reflexividade

No documento 2012MairaJappe (páginas 79-82)

3.2 Práticas procedimentais e práticas substantivas

3.2.1.1 Práticas de reflexividade

As práticas de reflexividade, embora atuais e buscadas como horizontes relativamente simples nas escolas, expressam uma das mais antigas aspirações éticas do pensamento

ocidental: o conhecimento e o cuidado de si mesmo31. Conforme Puig (2004), o trabalho

sobre si mesmo permitiu a gestação da ideia de individualidade _ uma ideia que, mais adiante, culminou na aspiração moderna à plena autenticidade e à autorrealização pessoal. Após múltiplas mudanças e mutações, o autoconhecimento, a sinceridade consigo mesmo, a auto- estima, a autoavaliação e a autorregulação converteram-se nas formas mais representativas que o ideal ético da reflexividade assume contemporaneamente.



31 A gênese desse conceito se orienta a partir de duas vertentes distintas, mas que em parte estão intimamente

relacionadas. Puig (2004) as descreve detalhadamente levando em conta a evolução dessas ideias ao longo do percurso histórico ocidental. Mas como esse não é o foco da pesquisa e sim parte dela, a explicação se deterá numa breve síntese. Na primeira vertente apresentada pelo autor espanhol, aparece a preocupação em operacionalizar um conjunto de técnicas e procedimentos para chegar a conhecer-se e a dirigir-se a si mesmo – uma tradição que Foucault estudou detidamente em relação à filosofia greco-romana e à espiritualidade cristã. Paralela à primeira vertente, a segunda também está em profunda vinculação com as tecnologias do eu e onde estão as sucessivas concepções que a filosofia ocidental elaborou sobre a individualidade, a identidade e o dever ético de descobri-la e chegar a realizá-la – investigação minuciosa e conforme Puig corretamente apresentada por Taylor.

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Pode-se afirmar que hoje, mais do que em outros tempos, a reflexividade converteu-se em um procedimento moral imprescindível para a condução da vida em ambientes com menor peso da tradição e que, ao mesmo tempo, concentra maior pluralidade de formas de viver, ou seja, em sociedades complexas.

No sentido de organizar as formas tomadas pela tradição da reflexividade atualmente, Puig conceitua os procedimentos, os produtos e os valores ligados à reflexividade. Com relação aos produtos, explica que se referem ao uso de certas capacidades psicológicas, permitindo a realização de diversas operações sobre si mesmo. Entre muitas, cita as mais usuais: a auto-observação (capacidade de explorar-se e obter informações sobre si mesmo), a autoavaliação (capacidade de valorizar as próprias realizações de acordo com certos padrões de referência) e a autorregulação (força para conduzir-se de acordo com finalidades escolhidas pela própria pessoa). Ao conceito de produtos da reflexividade, Puig faz referência a certas estruturas pessoais que vão dando forma ao sujeito psicológico e moral: a consciência de si mesmo ou possibilidade de sentir-se como se estivesse diante de si mesmo ou de tomar a si mesmo como interlocutor; o autoconceito que alude à elaboração de uma descrição global ou parcial de si mesmo, utilizado para revelar-se diante dos demais; a identidade do eu, ou seja, a integração narrativa com o sentido da totalidade de experiências vitais do passado e do presente e que se projeta na direção do futuro (quem sou eu e quem desejo ser?); por fim, o caráter enquanto resultado pessoal, que sintetiza os diferentes traços pessoais, atitudes, valores e hábitos em um modo de ser e de se comportar próprio a cada indivíduo. Com relação aos valores da reflexibilidade, Puig os denomina como horizontes desejáveis para os quais se deve dirigir o esforço do conhecimento e do cuidado de si mesmo: a autenticidade ou a vontade de se pôr em contato consigo, reconhecendo o percebido e usando-o com sinceridade; a autorrealização ou o esforço para chegar a operacionalizar realizações conectadas com o próprio projeto de identidade; a excelência ou a tensão para alcançar a máxima perfeição no desempenho das capacidades que se deve resolver; e a autoestima, ou a satisfação sobre o modo de ser e de se comportar.

Após essa breve abordagem conceitual, o que segue tratará de apresentar de que forma costumam acontecer as práticas de reflexividade. São múltiplas e diferentes, mas o protagonismo recai em cada um dos sujeitos individualmente. “Esse tipo de prática, em suas distintas modalidades, convida cada indivíduo a olhar para si mesmo a propósito de algumas questões relevantes” (PUIG, 2004, p. 102). Trata-se de um esforço introspectivo para reconhecer a opinião, os sentimentos, a posição ou simplesmente a informação que cada um

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pode produzir com relação a uma temática levantada. Não vem ao caso informações sobre os graus de cumprimento das normas, estados de ânimo, níveis de rendimentos alcançados ou almejados para o futuro e sim a tomada de consciência da posição pessoal. No caso das escolas, o objetivo não se concentra na obtenção de conhecimentos a partir do professor, mas pelo incremento da transparência do aluno consigo mesmo, em autoconhecimento:

a natureza desse tipo de prática acarreta que, no planejamento das sessões de aula, predominem momentos independentes nos quais cada aluno vai realizando um esforço para reconhecer e expressar o que detectou em si mesmo. Esses episódios repetem-se tantas vezes quanto forem os alunos no grupo da classe. As aulas costumam ser constituídas por um conjunto de episódios destinados a trabalhar individualmente com cada um dos alunos, embora o conjunto da turma esteja atento às realizações de cada um de seus companheiros durante o processo (PUIG, 2004, p. 103).

As propostas de práticas de reflexividade acontecem em dois momentos escolares: nos espaços destinados especificamente a tais atividades como propostas programadas e cotidianamente em inúmeros momentos nas infinitas microações dos educadores mediante as quais se pede aos alunos um esforço pontual de reflexão. A maioria das práticas dessa natureza são realizadas em situações de reunião conjunta da classe. Contudo, essas práticas sempre envolvem tarefas individuais, exigindo solicitações sucessivas a cada um dos alunos. Puig sugere como excepcionais práticas de reflexividade as apontadas para pequenos grupos. Mas a ideia é que todos tenham a oportunidade de realizar o esforço de reflexão. Para o condutor da atividade, no caso o professor, o espaço promove um feedback do aluno assim como promove a percepção da necessidade de retomada ou não da situação de aprendizagem.

Precisar com exatidão os valores transmitidos em um tipo de prática moral, não costuma ser tarefa simples pela quantidade de valores usualmente incorporados. Mesmo assim, pode-se dizer que as práticas de reflexividade apontam prioritariamente para a autencidade, autorrealização, coerência e busca de excelência naquelas virtudes que cada sujeito mais valoriza.

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No documento 2012MairaJappe (páginas 79-82)

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