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Práticas de virtude

No documento 2012MairaJappe (páginas 85-88)

3.2 Práticas procedimentais e práticas substantivas

3.2.2 Práticas substantivas de virtude e normativas

3.2.2.1 Práticas de virtude

Puig afirma que a ascensão do projeto iluminista à reflexão sobre as virtudes foi camuflada a ponto de, por muito tempo, ofuscarem-se no panorama ético, mas, de outro modo, sempre estiveram presentes e exerceram influência mesmo das sombras. Preocupações com a autonomia, a razão moral, os direitos cívicos e a justiça ocuparam o lugar das virtudes nessa época. Atualmente, pouco a pouco se vai novamente abrindo passagem ao que desde as origens da Grécia clássica fora elemento central e prioritário para o pensamento ético.

Nas propostas escolares, quando se fala de atitudes e valores como conceitos centrais de suas propostas de educação moral, está muito próximo para o autor, dos antigos conceitos de “virtude” e de “bem”. Embora esses conceitos não signifiquem exatamente a mesma coisa, frequentemente desempenham um papel análogo. O fato é que os educadores sabem claramente quais são os traços de caráter apreciáveis e, se solicitados, podem estabelecer uma lista de qualidades pessoais que desejariam transmitir aos seus alunos. Puig também aponta que a consequência da presença obscura e silenciosa das virtudes no mundo da educação talvez explique a grande desorientação sobre seus modos de transmissão _ se é que realmente é possível transmiti-las.

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a virtude se refere à força ou às qualidades de ser ou de uma coisa. Assim, a virtude de uma faca é cortar, a do cavalo é galopar, a de um músico é interpretar, e a de um ser humano é comportar-se humanamente. Em todos esses casos, a virtude é uma capacidade que permite que cada um desses seres atue, ou que cada uma dessas coisas seja utilizada, de acordo com sua própria natureza: poder cumprir uma função no momento adequado, de acordo com o fim para a qual foi criada. Isso significa que a virtude não é uma qualidade geral de todos os seres, mas uma qualidade específica, uma qualidade própria de cada ser ou de cada coisa. Podemos dizer, portanto, que a virtude é uma qualidade singular que outorga valor a cada ser ou a cada coisa: a virtude se refere à excelência que lhe é própria. Reconhece-se a virtude de uma coisa ou de um ser vendo como desempenham de modo excelente a função para a qual a sua natureza os predispõe (2004, p. 143-144).

Conforme essa posição, a virtude dos seres humanos tem a ver com a realização excelente de tudo que os faz mais humanos. Contudo, Puig enfatiza que a questão das virtudes é um tanto complexa, pois a virtude das coisas e dos animais não depende do uso que se faça das qualidades do objeto ou do ser vivo. Logo, pode ser uma faca para ferir alguém e um cavalo para cometer um roubo. Em ambos os casos o uso inadequado não diminui as virtudes do objeto ou do animal. Por isso que ao se referir aos seres humanos a mera excelência não é suficiente para torná-los virtuosos, mas, sim, a busca pela excelência que os tornem mais humanizados e não unicamente mais habilidosos. “Ao falar dos seres humanos, as virtudes não se referem a qualquer excelência, mas àquele conjunto de qualidades que deveríamos possuir para ser, na verdade plenamente humanos, e para formar sociedades igualmente humanas” (PUIG, 2004, p. 144).

O êxito na aquisição das virtudes se dá na repetição de atos virtuosos. Quando adquirida, há uma certa estabilidade. Por não se tratar de hábitos mecanizados nem de pura repetição de atos fixos, as virtudes podem ser caracterizadas como comportamentos cuja atualização permite grande flexibilidade, sendo que, de maneira criativa, adaptam-se às necessidades de cada situação particular. O que o autor pontua sobre as virtudes é que implicam todas as facetas humanas, pondo em jogo os pensamentos, os sentimentos, os desejos e as ações; que as virtudes são a própria forma de ser e de atuar dos seres humanos e, por isso, não é qualquer forma de ser ou de agir que tem valor, mesmo que mostre qualidades excelentes. Valorosas são aquelas formas de ser e de agir que fazem os humanos realmente

mais humanos e que se aproximam do bem.36



36 Puig reconhece como um problema de grande envergadura chegar a conhecer qual é o autêntico bem dos

humanos. Nesse sentido, faz uma síntese da situação das virtudes desde a filosofia clássica até a modernidade citando autores com MacIntyre, Victoria Camps e Adela Cortina e Foucault. Conclui que talvez nesse momento se esteja tomando consciência disso e aprendendo-se a falar de um modo diferente sobre as virtudes. Talvez seja mais fácil reconhecer que as éticas de autorrealização e de deliberação racional não são incompatíveis com as

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As pesquisas realizadas por Puig nas escolas espanholas demonstram que as práticas de reflexividade e de deliberação constituem, em certo sentido, práticas de virtude à medida que exigem uma excelência pessoal sem a qual não é possível atingir os objetivos. Apesar de não parecer difícil delimitar práticas de virtude no conjunto da vida escolar, também não é simples delimitar quais são as virtudes que cada uma das práticas forma. Em geral, as práticas próprias de uma tradição escolar não são planejadas para formar uma única virtude, mas um conjunto de condutas virtuosas.

As práticas de virtude no âmbito escolar aparecem em alguns exemplos citados pelo autor: métodos de aprendizagem cooperativa, realização e revisão de tarefas de classe, festas e celebrações, realizações de projetos e formação de grupos de trabalho. Quanto à forma das práticas de virtude, diferentemente das práticas de reflexividade e de deliberação _ as quais é possível enumerar uma variedade de atividades singulares vinculadas a cada um desses tipos de práticas, sendo possível a diversos exemplos um aspecto estrutural comum _ tem sua forma particular, sem analogia com as demais.

É da natureza das práticas de virtude uma tarefa cooperativa que se realize no coletivo com a função de satisfazer alguma necessidade relacionada com a convivência, com o trabalho escolar, com a animação do grupo de classe, etc. Essas práticas suprem necessidades escolares, cristalizam valores e, ainda, desenvolvem-se graças à participação de cada indivíduo no curso de ações conjuntas e intercâmbios linguísticos. Para tanto, as práticas de virtude supõem “fazer e falar”. “São um tecido de comportamentos ativos e comunicativos por meio dos quais são vividos os valores inscritos nos distintos momentos da realização da prática” (PUIG, 2004, p. 150). Com relação aos valores, é correto dizer que as práticas de virtude perseguem valores diferentes, veiculando simultaneamente uma variedade deles, no entanto, aparentemente, um dentre vários terá maior relevância.

Outro ponto que Puig aponta quanto à forma das práticas de virtude é que elas costumam ter um modo canônico de execução, ou seja, que existe uma maneira desejável de conduzir sua realização. Mas, por outro lado, a aproximação das práticas de virtude às normas não incompatibiliza com a flexibilidade e a criatividade delimitantes em cada situação. Por isso, é de grande valia a tomada de consciência e da avaliação das práticas aplicadas nas escolas, porque é por meio das fundamentações, dos planejamentos e das suas aplicações



éticas da virtude. E não só não são incompatíveis como ainda elas mesmas encerram e requerem uma ética de virtudes (2004, p. 146 – 148).

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pelos educadores que a norma é estabelecida. Em outras palavras, a norma para cada prática dependerá da tradução pedagógica de cada contexto.

No documento 2012MairaJappe (páginas 85-88)

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