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Práticas Educativas e Formação

No documento LUCIANE AMÁLIA BITELLO (páginas 40-43)

De acordo com Becker (2008), há três formas de relacionar ensino/aprendizagem esco- lar em sala de aula, as quais se atribuem os seguintes modelos pedagógicos: Pedagogia Direti- va, Pedagogia Não diretiva e Pedagogia Relacional. A seguir serão apresentados tais modelos e seu referencial epistemológico.

A Pedagogia Diretiva caracteriza-se pelo professor que aguarda os alunos chegarem à sala de aula e ficarem em silêncio para iniciar a aula. As classes são enfileiradas e afastadas para evitar que os alunos conversem entre si. Se o silêncio e quietude não se fizerem logo, este professor chamará atenção de um e outro aluno e começará a sua aula. Este professor autoritário que recusa escutar os alunos nega a si mesmo a participação neste momento de boniteza singular: o da afirmação do educando como sujeito do conhecimento. (FREIRE, 2010a).

Como é sua aula? O professor fala, e o aluno escuta. O professor dita, e o aluno co- pia. O professor decide o que fazer, e o aluno executa. O professor ensina, e o aluno aprende. [...] Penso que o professor age assim porque ele acredita que o conhecimen- to pode ser transmitido para o aluno. Ele acredita no mito da transmissão do conhe- cimento – do conhecimento enquanto forma ou estrutura; não só enquanto conteúdo (BECKER, 2008, p.45).

O autor fala em sujeito e objeto, no qual o sujeito é o detentor do conhecimento e o ob- jeto é tudo aquilo que o sujeito não é. “Segundo a epistemologia que subjaz à prática desse professor, o indivíduo, ao nascer, nada tem em termos de conhecimento: é uma folha de papel em branco; é tabula rasa”. (BECKER, 2008, p.46).

Este professor acredita no mito da transferência do conhecimento, em que o aluno so- mente aprenderá aquilo que ele ensinar, independente do seu histórico de vida e meio social

que pertence. Nesta relação o professor ensina e nunca aprenderá com o aluno. Em uma pes- quisa realizada por Becker (2001), este modelo é o que aparece como o mais praticado pelos professores, manifestando-se nas práticas de treinamento utilizadas, em que o professor está de um lado e o aluno está do outro, o professor é o que sabe e o aluno é o ignorante. “Eis a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos edu- candos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los”. (FREIRE, 2010b, p.66, grifo do autor).

Nessa sala de aula, nada de novo acontece: velhas perguntas são respondidas com velhas respostas. A certeza do futuro está na reprodução pura e simples do passado. A disciplina escolar – que tantas vítimas já produziu – é exercida com todo rigor, sem nenhum sentimento de culpa, pois há uma epistemologia, uma psicologia (da qual não falamos aqui) e uma pedagogia que a legitimam. (BECKER, 2008, p.47).

De acordo com Freire (2010a, p.118), “[...] ensinar não é transferir conteúdo a ninguém assim como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do professor”. No futuro, o produto desta pedagogia, é um trabalhador que será muito bem aceito pelo mercado de trabalho, pois é alguém que renunciou o direito de pensar, e que facilmente acatará ordens sem questionar.

O segundo modelo é o da Pedagogia Não Diretiva, que segundo Becker (2008), o papel do professor é ser um facilitador do aluno. Neste modelo é considerado que o aluno já possui o conhecimento, faltando apenas trazer à consciência, organizar e rechear o conteúdo. Acredi- ta-se que o ser humano nasce determinado, ou seja, na sua bagagem hereditária tudo já está predeterminado aguardando o processo de maturação e os efeitos aparecerão, conforme a fai- xa etária. (BECKER, 2001).

O professor deve “policiar-se” para interferir o mínimo possível. Qualquer seme- lhança com a “liberdade de mercado” do neoliberalismo é mais do que coinci- dência. O professor não-diretivo acredita que o aluno aprende por si mesmo. Ele pode, no máximo, auxiliar a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já existe nele. – Ensinar? –Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. (BECKER, 2008, p.46-47, grifo nosso).

Entende-se que o conhecimento é hereditário, isto é, o ser humano já nasce com o co- nhecimento programado na sua herança genética. O professor seguidor desta epistemologia, na maior parte inconsciente, deixa de ter a sua principal característica que é intervir no pro- cesso de aprendizagem. Diferentemente do modelo anterior, neste exemplo o professor não exerce nenhum poder claramente, sendo que em algumas vezes se faz de forma subliminar, podendo ser mais nefasto que o poder exercido na Pedagogia Diretiva. (BECKER, 2008).

Como vimos, uma pedagogia desse tipo não é gratuita. Ela tem legitimidade teórica: extrai sua fundamentação da epistemologia apriorista. O professor parece, no entan- to, não tomar consciência disso. Esta mesma epistemologia, que concebe o ser hu- mano como dotado de um saber “de nascença”, conceberá, também, dependendo das conveniências, um ser humano desprovido da mesma capacidade, “deficitário”. Este “déficit”, porém, não tem causa externa; sua origem é hereditária. – Onde se detecta maior incidência de dificuldades ou retardos de aprendizagem? – Entre os miserá- veis, os mal-nutridos, os pobres, os marginalizados... (BECKER, 2008, p.49).

Este processo caminha inevitavelmente para o fracasso, uma vez que a aprendizagem por se achar autossuficiente e o ensino por ser proibido de interferir.

A pedagogia e a didática, diretiva ou não diretiva, não passaram de uma interminá- vel reprodução, de uma interminável repetição, que tem todo o perfil de um quadro neurótico, ou seja, a nossa pedagogia produz uma neurose social, e essa neurose produz sujeitos medíocres, incapazes de pensar o que está aí; incapazes a tal ponto que nós estamos com uma nação inteira pasma, perplexa, que não sabe nem o que está acontecendo ao redor, que, menos ainda, consegue imaginar saídas para a situa- ção caótica que está aí. (BECKER, 2001, p. 42-43).

O último modelo é o da Pedagogia Relacional que se caracteriza pelo fato de o profes- sor acreditar que o aluno aprenderá algo que tem significado para ele, deste modo ele deve participar no processo de problematização e questionamento sobre o conhecimento em cons- trução.

O professor não acredita no ensino em seu sentido convencional ou tradicional, pois não acredita que um conhecimento (conteúdo) e uma condição prévia de conheci- mento (estrutura) possa transitar, por força do ensino, da cabeça do professor para a cabeça do aluno. Não acredita na tese de que a mente do aluno é tabula rasa, isto é, que o aluno, frente a um conhecimento novo, seja totalmente ignorante e tenha que aprender tudo da estaca zero, não importa o estágio do desenvolvimento em que se encontre. Ele acredita que tudo o que o aluno construiu até hoje em sua vida serve de patamar para continuar a construir e que alguma porta abrir-se-á para o novo co- nhecimento – é só questão de descobri-la; ele descobre isto por construção. (BEC- KER, 2008, p.50).

A epistemologia deste professor é totalmente diferente das apresentadas anteriormente, ela considera que o aluno tem uma história de conhecimento já percorrida, e isto é considera- do para as futuras aprendizagens. Neste sentido, Freire (2010a) afirma que a leitura do mundo do educando deve ser respeitada e seguida como ponto de partida para compreensão do papel da curiosidade que estimula a produção do conhecimento.

Este caminho, de acordo com Becker (2001), é o caminho da ação, da tomada de cons- ciência, da apropriação de si mesmo mediado pelo mundo, desafiando a imaginação e cobran- do uma vigorosa vontade política. “Mediocridade ou vida com consciência histórica, com a mais legítima participação política? É esta a opção mais fundamental do educador”. (BEC- KER, 2001, p. 44).

No documento LUCIANE AMÁLIA BITELLO (páginas 40-43)