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No dicionário Aurélio88 encontramos:

militante. [Do lat. militante.] Adj. 2 g. 1. Que milita; combatente. 2. Que atua; participante. 3. Que funciona ou está em exercício. «S. 2 g. 4. Aquele que está engajado na luta por uma causa, uma idéia, um partido, etc. 5. Aquele que adere sem restrições a uma organização política, sindical, etc., e que participa intensamente da vida dessa organização. 6. Aquele que pertence a alguma das organizações apostólicas da Igreja. • S. m. 7. Ant. Soldado, guerreiro.

Como percebemos na definição acima, o termo militância designa acepções religiosas, políticas e militares. Historicamente, no entanto, sua primeira articulação semântica se processa especificamente no campo militar-religioso.

O vocábulo advém do latim militantia, de militans, particípio de militare, “servir como soldado”, de miles, “soldado” e seu uso origina-se no domínio eclesiástico para designar os militantes da Ordem dos Cavaleiros Templários, 89 organização criada no ano de 1118, no contexto das Cruzadas. 90

Essa organização, composta por monges guerreiros, tinha a missão de proteger (das investidas dos muçulmanos) os peregrinos em seu percurso à Jerusalém, assim como os reinos cristãos estabelecidos na Terra Santa. 91 Seus soldados estavam entre as mais qualificadas unidades de combate das Cruzadas, sendo conhecidos

88

Ver FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3.ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1337.

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A Ordem dos Cavaleiros Templários, conhecida também como Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão foi uma “organização que existiu por cerca de dois séculos na Idade Média, fundada no rescaldo da Primeira Cruzada de 1096, com o propósito original de proteger os cristãos que voltaram a fazer a peregrinação a Jerusalém após a sua conquista. Os seus membros fizeram voto de pobreza e castidade para se tornarem monges, usavam mantos brancos com a característica cruz vermelha, e o seu símbolo passou a ser um cavalo montado por dois cavaleiros. [...] A Ordem tornou-se uma das favoritas da caridade em toda a cristandade, e cresceu rapidamente tanto em membros quanto em poder [...]. Levando uma forma de vida austera, os Templários não tinham medo de morrer para defender os cristãos que iam em peregrinação à Terra Santa. [...] Quando presos, rechaçavam com desprezo a liberdade oferecida em troco da apostasia, permanecendo fiéis à fé cristã”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_dos_Templ%C3%A1rios>. Acesso em: 4 abril 2014.

90 Denomina-se Cruzada “qualquer um dos movimentos militares de inspiração cristã que partiram

da Europa Ocidental em direção à Terra Santa (nome pelo qual os cristãos denominavam a Palestina) e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob domínio cristão. Estes movimentos estenderam-se entre os séculos XI e XIII”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzadas>. Acesso em: 4 abril 2014.

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como o “terror dos maometanos”. Como unidade militar, nunca foram muito numerosos: no auge da Ordem, não passavam de 400 (quatrocentos) cavaleiros em Jerusalém. Todos faziam voto de pobreza e castidade e levavam uma forma de vida austera, pronta a oferecê-la na proteção dos peregrinos.

Além do combate armado, o soldado dessa milícia tinha como tarefa a divulgação da fé católica, constituindo-o como um ser obstinado e abdicado, “que luta em defesa de uma causa e propaga as ideias relativas a ela” (SILVA, 2003, p. 64).

Uma segunda articulação semântica se processa especificamente no campo político- religioso. Antes do século XVI não havia organizações partidárias que se orientavam pela vontade ou projeto de transformar a sociedade por meio de atividades políticas planejadas.

A primeira manifestação, digamos assim, dessa moderna militância ocorre no contexto da Reforma Protestante, a partir da corrente teológica calvinista, que prega a ideia de homens escolhidos com deveres e tarefas para a construção de uma

república cristã.

A novidade no calvinismo está na indução dos fiéis à militância nas instituições políticas nascentes e que tinham por objetivo levar certos grupos a ocupar posições de poder político no Estado e na sociedade. O calvinismo emprega pela primeira vez meios e métodos racionais, como: a impressão de jornais, a confecção de normas e regulamentos de conduta, a ocupação de cargos estratégicos [...] (SOUZA, 1999, p. 134).

Diferente da ação dos Templários, que da sua militância esperavam a recompensa da graça divina numa vida após a morte, o calvinismo valorizava a ação neste mundo. Seu líder e teólogo elaborou uma doutrina que pregava a disciplina e a obediência, transformando “o trabalho em culto de ação de graças ao Senhor” (SANT´ANNA, 2001, p. 19). Este deveria ser realizado “da forma mais metódica possível, com o maior grau de racionalização, otimizando os recursos e maximizando os resultados, como era compatível com a conduta dos eleitos”. As conquistas empreendidas no campo religioso, político e econômico passaram, assim, a serem vistas como dádivas de Deus, engendrando, “segundo Weber, o espírito ao capitalismo, produzindo empresários e trabalhadores ideais para a consolidação de uma nova ordem social [...]” (SANT´ANNA, 2001, p. 20).

Essa atividade militante religiosa foi reinvestida no século seguinte, numa esfera militar strictu sensu. Até esse momento, os exércitos eram compostos por unidades mercenárias que atuavam apenas nos períodos de guerra. No intuito de disciplinar essas forças e torná-las politicamente confiáveis, a maioria dos Estados europeus começa a formar exércitos permanentes, treinando

[...] o soldado para ser um combatente disciplinado, ciente do seu dever, voluntarioso, persistente, tenaz, formando-o para ter um comportamento de obediência e respeito à hierarquia, para estar totalmente entregue à organização e subordinado a um objetivo final (SOUZA, 1999, p. 133).

Paralelamente a esta reformulação das forças armadas no interior dos Estados nacionais, a ação militante dos calvinistas associada ao espírito revolucionário burguês começou a declinar com o advento da Revolução Francesa, quando a burguesia concentrou suas atividades no ordenamento da sociedade capitalista. Na segunda metade do século XIX, a Revolução Industrial constituiu solo fértil para a emergência de uma nova classe de trabalhadores operários. O termo “militante”, então, ultrapassa seu sentido propriamente religioso e/ou militar, referindo-se prioritariamente aos militantes de “esquerda”, 92

agentes que atuam numa organização sindical ou partidária voltada para a conquista do Estado e para a transformação total da sociedade.

As teorias socialistas tiveram grande força no interior dessas organizações, constituindo espaços de intensa participação popular que formaram e reuniram lideranças de movimentos revolucionários em diversos países, tais como Rússia, China, Cuba e Vietnam (para citar apenas os mais famosos).

Nosso debate, entretanto, não pretende se ater às teorias de organização desses movimentos, mas sim aos efeitos de produção de subjetividades militantes em relação às quais se atualizam, se opõem, se desviam, se articulam essas práticas políticas no contemporâneo.

92

Os termos "esquerda" e "direita" apareceram durante a Revolução Francesa e o Império de Napoleão Bonaparte, quando membros da Assembleia Nacional se dividiam entre àqueles que sentavam à direita do presidente parlamentar e se identificavam como partidários do antigo regime e aqueles que sentavam à esquerda desse presidente e se identificavam como simpatizantes da revolução.