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pré-publicação Dos 52 municípios que foram contemplados com o curso superior, fi zemos um

No documento Comunicação e Educação (páginas 110-113)

estudo nas cidades de Maués e na cidade de Boa Vista do Ramos, municípios parti-cipantes do curso superior Pedagogia Intercultural. Ambas as turmas foram contem-pladas com 50 vagas, das quais 80% foram destinadas aos indígenas, contribuindo para que os grupos que antes enfrentavam inúmeras difi culdades para ingressarem tivessem acesso ao curso superior. Parte desses alunos torna-se professores nas escolas indígenas, localizadas nas (TI) Terras Indígenas da região amazônica.

Com base nesses dados, verifi cou-se que, com a chegada da Universidade do Estado do Amazonas em cada município do estado, iniciou-se um processo da busca e da valorização da cultura indígena, em modo especial da revitalização das línguas, além do avanço nas lutas social e político. Assim, durante todo o processo de formação dos acadêmicos, a Universidade procurou com a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) reforçar a implantação de escolas municipais indígenas com professores bilíngues, a fi m de preservar a cultura de cada etnia, numa valorização das políticas afi rmativas.

No aspecto social e político, a luta por uma educação escolar indígena e pelo bilinguismo era discutida pelo conselho indígena de educação e pelos órgãos governamentais, mesm o antes da Constituição de 1988. Com a Carta Magna de 88, a luta trouxe avanços signifi cativos, pois, conforme o Decreto n.° 26 (BRASIL, 1991), a responsabilidade da educação indígena foi transferida da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Educação. Esses avanços são resultados do processo de mobilização das comunidades indígenas no Brasil, a ser vista como povos que constroem a própria história.

No que diz respeito à cultura, à ascensão e à valorização dos povos, vê-se que eles reafi rmam a identidade que os marca, pois são sujeitos históricos possuidores de tradição milenar que necessita de análise e, sobretudo, de valorização.

Não se pode excluir ou menosprezar os saberes indígenas, pois cada povo apre-senta suas características próprias, língua, costumes e tradições culturais, essas são objetos da etnolinguística, não somente no campo do saber, mas nas relações estabe-lecidas com a sociedade. Assim, o reconhecimento dos povos indígenas como cidadãos brasileiros, bem como a valorização dos costumes, das línguas marcadas pela identi-dade, possibilitarão a consciência étnica dos não indígenas em relação aos indígenas. Segundo informações da Secretaria da Universidade do curso superior Pedagogia Intercultural Indígena, no ano de 2009, dos 2600 alunos ingressantes, em 2014, 667 acadêmicos desistiram por motivos de mudança residencial, adequação em ambiente escolar, saúde ou adequação à metodologia na modalidade semipre-sencial. Atualmente, permanecem estudando 1933 (um mil novecentos e trinta e três) acadêmicos que colarão grau e receberão o título de Pedagogo, para atua-rem na educação básica, nas séries iniciais. Desse total, 80% são oriundos de Terras Indígenas, ou de áreas rurais dos municípios em que o transporte é realizado por meio fl uvial. Para eles, inicialmente, a metodologia utilizada causou estranhamento e, muitas vezes, demonstraram desinteresse frente à proposta de ensino.

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Toda inovação tecnológica impacta a forma pela qual as pessoas se comunicam, ninguém pode negar. Foi assim quando o mundo conheceu a telegrafi a, em 1839. Até então a única forma de passar mensagens vitais a longas distancias era via mensageiros a cavalo ou usando outros meios de transportes. (Shepeherd & Saliés, 2013: 41).

Mesmo com as difi culdades encontradas ao longo do curso pelos acadêmi-cos, as ferramentas tecnológicas utilizadas, não apenas na educação, mas também em outras áreas do conhecimento, é um meio que possibilita aos habitantes do Amazonas a oportunidade de garantir o acesso ao conhecimento. Durante a forma-ção do acadêmico, as ferramentas tecnológicas levam a comunicaforma-ção, promovendo a interação do acadêmico com o professor titular, por meio do professor tutor ou professor assistente, que realizam a mediação do conhecimento e da aprendizagem, durante as aulas e durante as avaliações.

PRÁTICADEENSINOCONTEXTUALIZADA

Em busca de solucionar problemas de natureza sociocultural e etnolinguística, foi proporcionada aos alunos da turma de Boa Vista do Ramos, do curso Pedagogia Intercultural Indígena, uma visita a um sítio arqueológico, próximo à localidade onde estudam. A visita permitiu a refl exão sobre novos saberes, além de promover a socialização e a troca de conhecimentos. Durante as aulas, a visita possibilitou ainda a tentativa de manifestar contrariedade à destruição ambiental que ocorria no local, situado às margens do rio Paraná do Ramos, por conta da construção de uma estrada aberta por diversos tratores.

De acordo com Charlot (1997: 247),

[...] os sujeitos constroem signifi cados para os objetos do mundo com os quais se relacionam sempre de maneira singular, entretanto, como isso ocorre ao longo de suas histórias de vida, baseiam-se nos múltiplos contatos sociais e eventos de que são partícipes na sociedade que os acolheu desde o nascimento.

No contexto do espaço, a estrada, porém, foi aberta para facilitar o tráfego de carros e carroças, ligando a cidade de Boa Vista do Ramos ao município de Barreirinha, no Amazonas. Mas o que foi visto foi um agravo ao meio ambiente e aos povos da região.

O antropólogo Franz Boas, pai da antropologia contemporânea, pioneiro nas ideias de igualdade raciais, enfatizou que a dinâmica da cultura está na interação entre os indivíduos e na sociedade, isto é, não se pode visualizar indistintamente; ambas se correlacionam. Para ele, cada grupo racial consiste em muitas linguagens familiares que são distintas, muito maiores do que as diferenças entre as populações como um todo (2009: 70).

Outro fator importante é a memória desses grupos, já que para eles a sociedade tem um contexto holístico, ou seja, é composta por uma memória social, que não divide a realidade em campos opostos para ser compreendida. Segundo Munduruku (2012: 47), a realidade é uma indivisível e não regida por um desejo individualista

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ou preocupada por anseios pessoais. São, portanto, povos que dão mais importân-cia ao soimportân-cial e menos ao individual. Assim, durante a visita ao sítio, revigorou-se a memória destes povos e identifi cou-se grande quantidade de cacos de artesanatos feitos em barro, com grafi smo típico da etnia que habitava aquela região, a Sateré-Mawé. Encontraram-se peças de panelas, de bibelôs com formato de sapinhos e carrancas, além de machadinhas e utensílios, utilizados como facas.

A localização do sítio arqueológico é aproximadamente a 200 metros de distância das margens do rio, num barranco com cerca 20m de altura. Por essa loca-lização foi possível deduzir que os indígenas da etnia Sateré-Mawé utilizavam este ponto estratégico para se proteger do homem não indígena, por isso encontrou-se alguns utensílios desse povo, no local. O proprietário da terra o senhor Raimundo Miquilles1 contou que a propriedade foi herança dos pais, já falecidos. Para ele, é comum encontrar peças indígenas enterradas no sítio.

Em retorno à sala de aula, os acadêmicos tiveram a oportunidade de discutir e registrar as observações feitas no sítio arqueológico. As alunas produziram e relata-ram suas experiências reais a partir do contexto vivenciado. Todos os registros forelata-ram feitos em língua portuguesa e na língua maué.

De acordo com os relatos dos acadêmicos, percebeu-se que o local não possui preservação ambiental e nem apresenta registros do Instituto do Patrimônio Histórico do Amazonas (IPHAM). Os alunos recolheram algumas peças encontradas no local para estudarem e, além disso, analisaram superfi cialmente a amostra da terra que, por ser preta, era boa para o plantio.

A terra é o meio de produção do homem do campo, por isso o interesse e o conhecimento prévio dos alunos a respeito do assunto. Os discentes verifi caram ainda uma composição rica em humos, com presença de elementos, como folhas e restos de madeira, que servem para fertilização das plantações.

Diante dessa prática metodológica de ensino, verifi cou-se que as aulas media-das por ferramentas tecnológicas, mesmo com excelentes professores atuando no estúdio, os acadêmicos, principalmente os indígenas, necessitam vivenciar a reali-dade de suas comunireali-dades, pois assim poderão aliar a teoria à prática e melhorarem seu desempenho como estudantes.

Em entrevista, Laura Dácio, professora que atuou como assistente em várias turmas do Curso de Pedagogia Intercultural (PROIND/UEA), em municípios diferen-tes do Amazonas – como em Boa Vista do Ramos, Juruá e Jutaí –, enfatizou que as vivências dos acadêmicos em formação fi zeram realizar experiências docentes e viver bem no meio deles sem tristezas ou rancores, porque são pessoas que se esfor-çam para adquirir relevância no aprendizado amazônico, com olhares globalizados, linguagens contextualizadas e que têm compromisso com a educação.

1 Na cidade de Boa Vista do Ramos, fato que chamou atenção foi com relação a alguns indígenas que possuíam o seu segundo nome emprestado. A família Michilles, por exemplo, utiliza o sobrenome de um empresário que fazia rotas de comércio, em pequenos regatões pelas cidades de Maués, Boa Vista do Ramos, Barreirinha e Parintins. Nas cidades vizinhas, encontram-se, também, muitos indígenas com o sobrenome emprestado.

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