• Nenhum resultado encontrado

Prefácio à tradução da Batracomiomaquia

CAPÍTULO I: LEOPARDI, OS PREFÁCIOS E A TRADUÇÃO

1.3 Prefácio à tradução da Batracomiomaquia

A Batracomiomaquia, batalha travada entre ratos e rãs, cuja história é contada comicamente usando elementos épicos, é um poema paródico da Ilíada. Leopardi descreveu o poema no prefácio à sua tradução da seguinte forma:

Me parece mais nobre e mais próxima da perfeição que a Odisseia e a Ilíada, talvez superior a ambos no julgamento, na inteligência e na beleza da composição que a rendem um

poema jocoso, de fato excelente46. (LEOPARDI, 1998: 406)

Nesse prefácio Leopardi fez um longo e detalhado estudo crítico quanto à autoria da obra. Cita, por exemplo, vários autores e os respectivos estudos referentes ao texto, que atribuíram a obra como sendo “parto verdadeiramente de Homero47” (LEOPARDI, 1998: 407). Ou ainda, Leopardi comenta uma citação de um dos primeiros estudiosos (anônimo) de Homero, que atribuiu ao poeta grego somente a Ilíada e a Odisseia, e a respeito da Batracomiomaquia disse ser obra de outros autores. Leopardi registrou ainda, pautado nas leituras dos antigos que: “E certamente, lendo os antigos escritos, se encontra que a antiguidade estava em dúvida em torno à autenticidade da Batracomiomaquia, nada menos daquilo que estamos nós no presente48” (LEOPARDI, 1998: 408).

46Mi par più nobile e più vicina alla perfezione che l’Odissea e l’Iliade, anzi

superiore ad ambedue nell giudizio, nell’ingegno e nella bellezza della tessitura che la rendono un poema giocoso affatto eccellente”.

47parto veramente di Omero”.

48 “E certamente, leggendo gli antichi scritti, si trova che l’antichità era in

Leopardi observa ainda a consideração de Plutarco, que atribuiu a Pigres de Halicarnasso, irmão de Artemísia de Caria, a autoria da Batracomiomaquia. Leopardi disse existir um exemplar da Batracomiomaquia atribuída a “Pigrete di Caria. De semelhantes exemplares fazem também menção o Labbé e o Nunnes, no qual, diz Fabrício, por erro de publicação se lê: Tigretti, em lugar de Pigreti49”

(LEOPARDI, 1998: 409).

O parecer de Leopardi relacionado à autoria da Batracomiomaquia foi de que “de fato é evidente que aquele poema foi escrito por imitação de Homero e com o seu estilo50” (LEOPARDI, 1998 414). Ele reforçou esse pensamento, fazendo algumas considerações, equiparando personagens e situações da Batracomiomaquia à Ilíada. Nesse sentido, para ele “Gonfiagote é o Paride, e Rodipane o Menelao da Batracomiomaquia. A descrição das armaduras dos ratos e das rãs é uma imitação carregada de tantas desse gênero que se encontram na Ilíada51” (LEOPARDI, 1998: 415). Leopardi tentou, a partir dessas comparações, mostrar que a Batracomiomaquia é uma imitação de Homero e de seu estilo, e prosseguiu comparando: “Gonfiagote na Batracomiomaquia foge de Rodipane, como Paride de Menelao na Ilíade. Rubatocchi é o Aquiles da Batracomiomaquia. Ele é jovem e príncipe como o protagonista de Homero52” (LEOPARDI, 1998: 415).

Leopardi caracterizou a Batracomiomaquia cono “bellissima” e como “o fazer dos belos poemas não foi privilégio exclusivo de Homero53” (LEOPARDI, 1998: 416), o jovem tradutor assinalou que muitos poetas também a imitaram e citou alguns títulos que possivelmente dela derivaram. Após a incursão na autoria e obra che siamo noi al presente”.

49 “Pigrete di Caria. Di simiglianti esemplari fanno pur menzione il Labbé ed il

Nunnes, presso cui, dice il Fabricio, per errore di stampa si legge: Tigretti, in luogo di Pigreti”.

50 “infatti è evidente che quel poema è scritto ad imitazione di Omero e col suo

stile”.

51 “Gonfiagote è il Paride, e Rodipane il Menelao della Batracomiomachia. La

descrizione delle armature dei topi e delle rane è un imitazione caricata delle tante di questo genere che si trovano nell’Iliade”.

52 “Gonfiagote nella Batracomiomachia fugge da Rodipane, come Paride da

Menelao nell’Iliade. Rubatocchi è l’Achille della Batracomiomachia. Egli è giovine e principe come il protagonista di Omero”.

53 “bellissima” e como “il far dei bei poemi non fu privilegio esclusivo di

Leopardi então anunciou “já é tempo de falar da minha tradução54”

(LEOPARDI, 1998: 417). Com essa fala, o tradutor deixou claro ao leitor,

naquele momento, que o texto que segue, que ele está ofertando é uma tradução e não uma adaptação ou imitação. Leopardi ainda informou que: “a Batracomiomaquia já tinha sido várias traduzida em versos italianos55” (LEOPARDI, 1998: 417) e então lista dez tradutores que o antecederam na empreitada.

Ao comentar uma versão da Batracomiomaquia feita por Antonio Lavagnoli (1718-1803) e que é considerada por Andrea Rubbi como uma das melhores, Leopardi disse tratar-se de “uma fria e quase literal interpretação do texto grego, [...] em versos pouco elegantes, e com rimas atrofiadas e desagradáveis56” (LEOPARDI, 1998: 418). Complementou dizendo que, lido o primeiro verso, mesmo não sabendo de qual obra se tratasse, era perceptível ser uma tradução, que ele considerava medíocre. Com esse comentário, Leopardi reforçou a ideia registrada na carta a Cesare Arici, de 08 de março de 1819, que é a proposta de realizar a leitura de traduções já feitas, buscando identificar possíveis problemas com o intuito de realizar um bom trabalho de tradução.

Ao considerar que uma nova tradução da Batracomiomaquia não seria inútil à Itália e disposto a experimentar este trabalho, Leopardi começou a empreitada da sua tradução escolhendo qual métrica adotar. Novamente fez um percurso histórico das métricas adotadas pelos tradutores que o antecederam e justificou detalhadamente a sua escolha. Por não escolher a oitava rima, explicou:

Mas pela dificuldade que traz consigo esse metro, as quais provavelmente me obrigariam a compor ao invés de traduzir, ou servir-me de rimas esticadas que eu abomino como inimigas capitais da beleza da poesia, e do prazer dos leitores,

o abandonei, e escolhi as sestinas endecassílabas57.

(LEOPARDI, 1998: 418)

54 “è tempo ormai di parlare della mia traduzione”.

55“la Batracomiomachia era stata già più volte recata in versi italiani”.

56 “una fredda e quasi letterale interpretazione del testo greco, [...] in versi poco

eleganti, e con rime stentate e spiacevoli”.

57Ma per la difficoltà che porta seco questo metro, le quali probabilmente mi

avrebbero obbligato a comporre piuttosto che tradurre, o servirmi di rime stiracchiate che io abborro come nemiche capitali della bellezza della poesia, e del piacere dei lettori, lo abbandonai, e scelsi le sestine endecasillabe”.

Com essa declaração nos deparamos com um tradutor atento e preocupado com o seu futuro leitor. Leopardi deixou explícito a sua posição de tradutor anunciando que “traduzi não literalmente, como o Lavagnoli, mas puramente traduzi, e estive bem distante de fazer um novo poema, como Andrea del Sarto58” (LEOPARDI, 1998: 419). Com isso ele se situou em um espaço que não condiz aos extremos que vão, para ele, de uma tradução literal a uma nova criação, e se colocou como um tradutor cuidadoso, buscando a “via di mezzo”59, descrevendo da seguinte maneira a sua postura diante do desafio proposto:

Procurei investir-me de pensamentos do poeta grego, de torná-los meus, e de dar assim uma tradução que tivesse algum aspecto de obra original, e não obrigasse o leitor a recordar-se a todo momento que o poema, que lia, tinha sido escrito em grego muitos séculos atrás. Eu queria que as expressões do meu autor, antes de passar do original nos meus papéis, se firmassem um tempo na minha mente, e conservando todo o sabor grego, recebessem toda a tendência italiana, e fossem colocadas em versos não duros e em rimas

que pudessem parecer espontâneas60 (LEOPARDI, 1998:

419).

Leopardi parece se identificar com um tradutor preocupado com a leitura dos seus possíveis e futuros leitores, e essa preocupação se reafirma ainda quando ele descreve ter dividido o poema em quatro cantos, tentando destacar as principais partes. Ao mesmo tempo, explica

58 “tradussi non letteralmente, come il Lavangnoli, ma pur tradussi, e fui ben

lontano dal fare un nuovo poema, come Andrea del Sarto”.

59Via di mezzo” na tradução é uma forma conciliatória de Leopardi no intuito

de alcançar uma boa tradução. Essa forma consiste em conservar aspectos da língua do texto de partida e da língua do texto de chegada, conforme mostrado por Andréia Guerini em Gênero e Tradução no Zibaldone de Leopadi. São Paulo: EDUSP; Florianópolis: UFSC/PGET, 2007.

60Cercai d’investirmi dei pensieri del poeta greco, di rendermeli propri, e di

dar così una traduzione che avesse qualche aspetto di opera originale, e non obligasse il lettore a ricordarsi ad ogni tratto che il poema, che leggea, era stato scritto in greco molti secoli prima. Volli che le espressioni del mio autore, prima di passare dall’originale nelle mie carte, si fermassero alquanto nella mia mente, e conservando tutto il sapor greco, ricevessero l’andamento italiano, e fossero poste in versi non duri e in rime che potessero sembrare spontanee”.

que, a quem não agradasse a leitura dessa forma, bastaria unir as quatro partes e realizar a leitura contínua dos quatro cantos sem que se somassem perdas à leitura ou à tradução, conforme relato abaixo:

Finalmente dividi a minha tradução em quatro cantos, não porque nessa divisão se encontre ou possa encontrar-se algum vestígio no original, mas somente porque essa me parecia adequada para distinguir e fazer observar as principais partes do poema. No primeiro canto se narra a causa da guerra, no segundo se descrevem os preparativos, o terceiro compreende o começo, e grande parte da Batalha, o quarto a catástrofe e o fim da guerra. Quem não aprovasse essa divisão poderá unir as partes e ler seguidamente todos os quatro Cantos, sem ser obrigado a fazer à tradução a menor das alterações61. (LEOPARDI, 1998: 419)

Considerando a questão da tradução de poesia, sabe-se que essa implica uma série de questões próprias do texto poético. A linguagem poética (mas também a prosaica), pela sua conformação, distancia-se, muitas vezes, da linguagem quotidiana e, consequentemente, o tradutor, no processo tradutório, passa por critérios de escolhas que envolvem questões de compreensão e interpretação da obra e de seu respectivo autor, de conhecimento cultural e de época, de conhecimento dos elementos estruturais da poesia, de uso e adequação da linguagem. Nesse prefácio, Leopardi parece se mostrar consciente das implicações envolvidas no processo de tradução de poesia quando afirma que tentou realizar essa tarefa zelando por uma leitura que parecesse espontânea aos leitores.