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Prefácio à tradução do Segundo livro da Eneida

CAPÍTULO I: LEOPARDI, OS PREFÁCIOS E A TRADUÇÃO

1.7 Prefácio à tradução do Segundo livro da Eneida

Leopardi iniciou o seu prefácio à tradução da Eneida evocando o “LETTORE”, fazendo uma ponte direta entre a sua tradução e aquele a quem se destina a Eneida. São constantes a preocupação e o empenho em esclarecer ao leitor a sua tarefa como tradutor, deixando para o leitor o julgamento do seu trabalho, como explicitou no final desse prefácio:

Leitor meu, dê uma olhada na minha tradução, e se não agradar, xingue o deturpador da Eneida, que o merece, e a jogue fora; se satisfaz, louve Virgílio, cuja alma me inspirou,

aliás, falou apenas pela minha boca. Fique bem77.

(LEOPARDI, 1998: 557)

O interesse e a apreciação de Leopardi pelos clássicos ficou evidente ao escolher determinados autores. Por meio das traduções e da proximidade com a poesia clássica, Leopardi procurou “apropriar-se” das “divine bellezze” que, segundo ele, eram um privilégio dos clássicos. Como já visto anteriormente, no processo de tradução ele não se prendia somente à leitura das obras no seu original, buscava outras traduções, analisando-as atentamente e buscando ler a crítica sobre a obra. No prefácio à tradução da Eneida o poeta citou a tradução de Annibal Caro, e equiparando-se a ele: “também Caro, se tivesse se preocupado demais em considerar Virgílio, as suas próprias forças e a sua idade, é provável que jamais tivesse dado à Itália a primeira tradução poética que permaneceu até o início do nosso século78”

76 : “Dell’autore di queste inscrizioni non altro noterò che al Visconti è paruto

essere quel Marcello Sidete”.

77Lettor mio, dà un’occhiata alla mia traduzione, e se non ti piace, si

biastemmia il deturpatore dell’Eneide, che sel merita, e gettala via, se t’appaga, danne lode a Virgilio, la cui anima hammi ispirato, anzi ha parlato solo per mia bocca. Sta sano”.

78“anco il Caro, se troppo fosse stato a considerare Virgilio e gli omeri suoi

propri e la età sua, verisimile cosa è che non ci avrebbe mai lasciato la prima traduzione poetica che abbia avuto Italia”.

(LEOPARDI, 1998: 554).

As traduções feitas por Leopardi não foram as primeiras realizadas no contexto literário italiano e o visível movimento feito pelo tradutor de tomar ciência do produto dado pelos tradutores que o antecederam parece considerar importante a retradução de determinados textos.

Em relação à retradução, vale lembrar, por exemplo, o que Antonie Berman fala sobre o assunto. Em A tradução e a letra ou o Albergue do longínquo, Berman coloca a tradução em dois espaços distintos: “o das primeiras traduções e o das retraduções”. Segundo o autor francês, “A retradução serve como original e contra as traduções existentes. E pode-se observar que é neste espaço que geralmente a tradução produz suas obras-primas” e quem “retraduz não está mais frente a um só texto, o original, mas a dois, ou mais” (BERMAN, 2013: 137). A partir dessas reflexões de Berman, visualizamos com mais clareza a dinâmica de Leopardi quando ele se propõe a analisar as traduções existentes antes de realizar a sua.

Leopardi apontou, mais uma vez, agora no prefácio à tradução da Eneida, a ideia de que para se traduzir um verdadeiro poeta se faz necessário ser poeta, ainda mais em se tratando de Virgílio e do segundo livro da Eneida, caracterizado por tamanha densidade que é “praticamente intenso do começo ao fim79” (LEOPARDI, 1998: 555). O poema contém uma potência tal que Leopardi confessou ter se emocionado em alguns momentos, especificamente ao recitar os versos e sentia vencer-se pelo “pincel de Virgílio80”. No epistolário encontramos igualmente essa reflexão, como na carta a Giordani de 30

79“caldo tutto quasi ad un modo dal principio al fine”.

80Leopardi demonstra ter uma grande afeição pelo poeta Virgílio, é frequente

encontrarmos citações do poeta no Zibaldone, como é possível verificar nestes dois excertos da obra: “E lo vide ben Virgilio col suo gran giudizio, non però la schivò affatto anzi l’argomento suo fu pure in certo modo greco, (così le Buccoliche e le Georgiche di titolo e derivazione greca) oltre le tante imitazioni d’Omero ec. ma proccurò quanto più potè di tirarlo al nazionale, e spesso prese occasione di cantare ex professo i fatti di Roma.” (Autógrafo 54) e “E tutte queste immagini in poesia ec. sono sempre bellissime, e tanto più quanto più negligentemente son messe, e toccando il soggetto, senza mostrar l’intenzione per cui ciò si fa, anzi mostrando d’ignorare l’effetto e le immagini che son per produrre, e di non toccarli se non per ispontanea, e necessaria congiuntura, e indole dell’argomento ec. Vedi in questo proposito Virgilio, Eneide VII”. (autógrafo 1930).

de abril de 1817, em que Leopardi diz: “eu tinha concluído para mim mesmo que para traduzir poesia se precisa uma alma grande e poética e mil outras coisas81” (LEOPARDI, 1998: 96). A concepção de que para se traduzir poesia se faz necessário ser um poeta, é compartilhada em seu tempo por Ugo Foscolo, como aponta Karine Simoni no seu artigo Tradução e Tradutores dos Clássicos na Itália entre os Séculos XVIII E XIX: Experiências e Interfaces de Cesarotti, Monti e Foscolo, em que a autora comenta: “Segundo Foscolo, o fato de Monti não saber o grego não impediu a qualidade da tradução, pois o tradutor era um poeta, qualidade essa que Foscolo julgava fundamental para um tradutor” (SIMONI, 2013: 162). Quanto à “fidelidade” ao texto, Leopardi narra seu empenho em manter-se sempre seguindo o texto, mas concorda que nem sempre as escolhas foram fáceis, principalmente quanto à decisão sobre o uso de sinônimos. Descreve ele sobre o assunto: “mas a escolha dos sinônimos, a colocação das palavras, a força do dizer, a harmonia expressiva do verso, tudo faltava, ou era ruim, como se desaparecesse o poeta, e permanecesse somente o tradutor82” (LEOPARDI, 1998: 555).

Nesse prefácio, percebe-se um tradutor atento e autocrítico que, ao reler suas próprias traduções, identificava problemas e propunha-se a resolvê-los. Leopardi comentou ainda sobre a sua tradução da Odisseia publicada na revista Lo Spettatore em junho de 1816, e assinalou certo descontentamento em relação a ela: “Mas já revi muito a tradução daquele livro, e certamente não a retornarei ao público sem muito tê-la mudado83” (LEOPARDI, 1998: 556), e continuou, agora referindo-se à sua tradução de Mosco, classificando-a como “a péssima tradução de Mosco84” (LEOPARDI, 1998: 556).