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2 O PAPEL DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DA EMPRESA

2.3 A SOLUÇÃO VENTURE CAPITAL

2.3.5 PREFERÊNCIAS E INSTRUMENTOS DE RESGUARDO

Preocupados com as incertezas que circundam o crescimento da startup, gestoras buscam incluir direitos de preferência e privilégios de pagamentos em seus contratos de investimento. Esta prática almeja, a um só tempo, priorizar o pagamento para a gestora de

34 Stock Option ou opção de compra de participação societária pode ser definida como o contrato entre duas ou mais partes que confere o direito a uma delas de adquirir participação de uma empresa em data futura por um preço pré-definido em data presente. O titular deste direito de aquisição poderá exercê-lo ou não, dependendo exclusivamente de sua vontade e disponibilidade de capital para o pagamento do valor pré-definido (ABDI, 2009, p. 15).

venture capital na hipótese de venda da startup para um terceiro, estabelecendo uma ordem de

recebimento de valores em que a gestora seja a primeira a receber, da mesma forma que serve como tentativa de reduzir potenciais perdas na hipótese do empreendimento não evoluir da forma esperada, sendo encerrado e tendo os seus bens e direitos liquidados no mercado, em que novamente a gestora terá prioridade na ordem de pagamentos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 55).

Um exemplo de preferência conferida à gestora em seus acordos de investimento com a empresa investida são os convertible preferred equity ou convertible debt, contratos que preveem a possibilidade de um aporte de recursos ser realizado por meio da constituição de uma dívida em favor da gestora, que poderá ter a opção de conversão de seu crédito em participação na startup. Esse contrato, nos Estados Unidos da América, também permite que a gestora ganhe prioridade na ordem de pagamentos a ser realizada na hipótese de a empresa investida não prosperar e de ter que liquidar os seus bens para ressarcir parcialmente seus investidores (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 56).

Esse tipo de preferência nem sempre é autorizado por ordenamentos jurídicos, não deixando margem para a estipulação contratual do investidor. No Brasil, por exemplo, a estipulação de uma ordem de preferência só é possível nos cenários em que a empresa está prosperando e recebe uma oferta de compra, não sendo possível o estabelecimento de privilégios na ordem de pagamentos quando a empresa está em crise. A Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial), em seu artigo 83 classifica os tipos de crédito e estabelece a ordem obrigatória de pagamentos a ser realizada quando a empresa enfrenta uma crise financeira que a submete à uma recuperação judicial ou até a sua falência.

No caso particular da convertible debt o investidor detém uma dívida conversível em participação societária frente à empresa investida, em que ele poderá executar como um crédito se não estiver satisfeito com o desempenho da startup, a qual será devedora de uma parcela paga no âmbito do investimento ou o investidor poderá, caso a empresa esteja cumprindo as metas estipuladas, converter a sua dívida em participação societária na empresa investida, tornando-se sócio ou ampliando a sua participação anterior (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Outra disposição presente nos contratos de investimento são as proteções antidiluição para a gestora. Essas proteções estabelecem uma proibição a qualquer empreendedor de vender uma participação societária sua na startup para terceiros em

condições diferentes às que foram estipuladas aos investidores, mesmo que esses ainda não tenham ingressado formalmente na sociedade, sendo apenas credores dela (convertible debt).

Um diretor da startup não poderá oferecer a um amigo, familiar ou a outros investidores uma participação na empresa investida com um preço menor do que o que foi pago ao investidor de venture capital, bem como não poderá estipular preferências no pagamento de dividendos especiais para novos ingressantes, dentre outros direitos que colocariam o investidor de venture capital em uma situação desfavorável em relação a esses novos ingressantes (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Ao lado das restrições ao tratamento diferenciado de novos ingressantes, gestoras incluem em seus acordos de investimento disposições que exigem a sua aprovação para a alienação de bens da startup, como por exemplo, patentes e direitos autorais. Previsões como essa são limitações impostas pelo investidor para reduzir os riscos de decisões de empreendedores que favoreçam apenas o seu benefício privado em detrimento ao projeto de crescimento da empresa, bem como servem como instrumento de controle para o investidor, uma vez que esse não está presente no dia a dia das atividades da empresa (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 56).

Contratos de investimento de venture capital também incluem os chamados

redemption rights obrigatórios (direitos de reembolso ou resgate), em que a gestora de venture capital pode impor que a empresa nascente seja vendida para outra empresa ou até seja parte

de uma operação de fusão, mesmo que a contragosto de seus fundadores ou outros sócios da empresa (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Juridicamente, o termo redemption rights se refere ao dever da startup em recomprar a participação societária do investidor após um período de tempo, em média de 5 a 7 anos, a partir de um valor fixado no começo da operação de investimento. A disposição pode também servir como forma de recuperar parte dos valores investidos na hipótese de crise da empresa investida, contudo, é mais utilizada para forçar a saída de um investidor que não está mais interessado em permanecer na empresa (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Do ponto de vista da startup, redemption rights não são uma boa alternativa, uma vez que em muitos casos a empresa pode não dispor de recursos financeiros em caixa para realizar a aquisição, tendo que adquirir um passivo grande, capaz de prejudicar a continuidade do seu crescimento. Em muitos casos, uma vez ativada a previsão de redemption rights, empreendedores passam a buscar ou ser mais favoráveis a alternativas como a venda da empresa investida ou fusão com outras empresas.

A presença de instrumentos de preferência ao investidor transfere parte dos riscos associados ao insucesso da empresa investida para seus fundadores. Ao mesmo tempo, os privilégios de preferência podem reduzir comportamentos oportunistas por parte do empreendedor, como, por exemplo, a recusa de repasse de valores ao investidor em razão de controvérsias sobre o preço a ser pago por sua participação na empresa em uma hipótese de venda dela.