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2 O PAPEL DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DA EMPRESA

2.1 OS QUATRO DESAFIOS PARA O FINANCIAMENTO DE EMPRESAS NASCENTES

2.1.4 VOLATILIDADE DAS CONDIÇÕES DE MERCADO

Os produtos e o mercado financeiro podem ser significativamente fluidos. A oferta de capital feita por investidores públicos e privados e o custo da disponibilização desse capital ao empreendedor podem variar dependendo do cenário econômico de um país, do grau

de instabilidade do seu quadro regulatório, das percepções dos investidores sobre lucratividade futura, do número de investidores com atuação no país, dentre outros aspectos.

O interesse em um determinado segmento, bem como a disposição de dispender recursos em empresas de um determinado setor pode mudar rapidamente. Um exemplo disso foi o ciclo de euforia e frustração do final dos anos de 199022 com grandes investimentos realizados em empresas de internet que atuavam com a criação de aplicações no formato

Business-to-Consumer (B2C) e Business-to-Business (B2B).

Em 199923, foram realizadas 457 aberturas de capital de empresas nas Bolsas de Valores dos Estados Unidos, dentre as quais 25% tiveram uma valorização de 100% do valor de suas ações no primeiro dia de negociações. Em apenas dois anos, o número de empresas abrindo o seu capital na Bolsa de Valores foi reduzido para 76 e mais da metade das empresas que abriram seu capital em 1999 entraram com pedidos de falência nos Estados Unidos. Empresas como a Pet.com, que havia captado 300 milhões de dólares em 1999, Go.com, que havia captado 790 milhões no mesmo ano, E-toys.com, com uma captação de 247 milhões de

22 A crise ou bolha das empresas .com, ou também chamada de dot-com bubble, pode ser traduzida como um período de excessiva especulação nas transações de títulos de empresas de internet em bolsas de valores nos Estados Unidos da América entre os anos de 1997 e 2001. Empresas referidas como dot-com por sua relação com o ambiente digital, passaram por processos de supervalorização de suas ações e posterior queda, levando boa parte delas à falência. Um exemplo disso foi a empresa Cisco que no intervalo de poucos dias nos anos 2000 viu suas ações perderem 86% de seu valor. Empresas como Pets.com e Webvan entraram com pedidos de falência no período, depois de terem captado centenas de milhares de dólares em suas ofertas iniciais de abertura de capital. Na visão de John Cassidy (2003), a crise envolvendo as empresas dot-com foi resultado da excessiva confiança de investidores nas oportunidades criadas por empresas na internet. Os resultados de investimentos de venture capital no início dos anos de 1990, o furor criado por meios de comunicação sobre a revolução tecnológica da nova rede, a redução da carga tributária sobre ganhos de investimento (Taxpayer Relief Act de 1997) disponibilizando mais recursos para investimento, criaram a receita para a formação de uma bolha especulativa, em que investidores não avaliavam com detalhe o potencial de empresas nascentes, receosos que pudessem perder uma oportunidade de investimento para um concorrente, e empresas nascentes captavam mais e mais recursos do que o necessário ao seu crescimento, utilizando-os em muitos casos para benefício privado de seus membros. Para um quadro mais detalhado sobre a crise das empresas dot-com, consulte: CASSIDY, John. Dot.con: How America Lost its Mind and Money in the Internet Era. New York: Harper Perennial, 2003. Consulte também: LOWENSTEIN, Roger. Origins of the Crash: The Great Bubble and its Undoing. London: Penguin Books, 2004.

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Os dados foram levantados pelo jornalista Bryan Martin da revista britânica Wired, em um balanço sobre quais teriam sido as lições aprendidas com a crise das empresas dot-com no começo dos anos 2000. Na visão do jornalista, mesmo que os prejuízos financeiros sofridos por empresas e investidores tenham sido consideravelmente grandes, algumas das tecnologias de maior projeção nos dias atuais foram projetadas durante o período. Empresas com modelos de negócio para a exploração de tecnologias como Voice over Internet Protocol (VoIP) e tecnologias de análise de dados (e.g. Big Data) foram criadas em meio à crise e à redução drástica da oferta de investimentos. Na ocasião, investidores de venture capital ainda dispostos a investir em empresas da internet passaram a desenvolver mecanismos mais detalhados de seleção e avaliação de empresas e passaram a recorrer mais a suas redes de especialistas para avaliar os potenciais comerciais dessa nova tecnologia. O investimento na tecnologia pela tecnologia, presente no comportamento de investidores no final dos anos de 1990, na visão do jornalista, foi gradativamente sendo substituído por ferramentas de avaliação de sua receptividade pelo mercado. Para ler o artigo na íntegra, consulte: < https://www.wired.com/insights/2013/08/tech-boom-2-0-lessons-learned-from-the-dot-com-crash/>. Último acesso: 02.01.2018.

dólares, são exemplos de empresas que, em apenas dois anos, foram de casos de sucesso para o encerramento total ou redução significativa de suas atividades.

A esse respeito, alguns autores (LJUNGQVIST; WIKHELM, 2003; GOODNIGHT; GREEN, 2010) sugerem que uma das razões que explicaria a euforia de investidores em torno das empresas de internet no final dos anos de 1990 (também referidas como as Dot-Com) foi o ótimo retorno obtido por investidores de venture capital durante a década. Esses bons resultados chamaram a atenção de investidores que atuavam em outras áreas (e.g. imobiliária, energia, etc.), os quais migraram seus capitais para investir na nova tendência, empresas de internet.

A grande disponibilidade de recursos e a disputa entre investidores para financiar empresas promissoras, mesmo sem uma avaliação mais cuidadosa, fez com que diversos empreendimentos que ainda não estavam prontos para abrir o seu capital (por exemplo, por ainda não terem sequer faturamento) mostrassem-se frágeis e incapazes de sustentar o crescimento extraordinário por eles esperado (LJUNGQVIST; WIKHELM, 2003).

Com a queda do preço das ações das empresas Dot-Com e, em alguns casos, com pedidos de falência por parte de uma parcela delas, muitos dos investidores presentes no financiamento de empresas nascentes no final da década de 1990 migraram para outros mercados, afugentados pelo cenário de devastação de 2001. Mesmo nos casos em que empresas nascentes demonstravam avanços no desenvolvimento de tecnologias que se mostraram promissoras anos mais tarde, como VoIP (Voice over Internet Protocol), o que se notou foi um cenário de redução drástica de investimentos marcado apenas pela atuação mais tímida de investidores tradicionais do Vale do Silício e de Boston (GOODNIGHT; GREEN, 2010).

Com o passar do tempo e a criação de oportunidades em outros setores, como o desenvolvimento de aplicações em computação em nuvem, aplicações para smartphones,

blockchain, inteligência artificial, dentre outros, os investimentos em empresas nascentes

foram retomando e até ultrapassando volumes de investimento vistos durante a década de 1990 (KLONOWSKI, 2018, p. 36).