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6. CONHECENDO O ESPAÇO PENITENCIÁRIO

6.1. Como Instituição Total

6.1.1. Premissa 1:Quadriculamento celular e individualizante

A produção de espaços prisionais no Brasil é regida por uma série de diretrizes prescritivas, constituintes da Resolução nº 03, de 23 de setembro de 2005,do CNPCP20 que visam fornecer subsídios para uma uniformização da produção de edifícios destinados a este fim, ainda que estabeleçam algumas diferenciações básicas entre categorias de unidades prisionais, consolidando uma tipologia espacial que vem se repetindo em todo o país.

Figura 23: fluxograma geral para penitenciárias e presídios . Fonte: Resolução n. 12, de 12/12/1994,do CNPCP, p.133

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Dentro deste contexto de uniformização, resumidamente, podemos destacar duas estratégias de organização do edifício prisional que abarcam a maioria das propostas realizadas no país (CORDEIRO, 2006; AGOSTINI, 2002), que podem ser observados na planta de zoneamento da figura 19. São elas:

a)Pavilhões organizados ao redor de pátio descoberto - compreendem um módulo externo destinado às atividades administrativo e um ou mais módulos destinados aos presos, baseados no modelo conventual. Estes, compostos por um ou mais pavimentos, apresentam corredores de circulação voltados (ou que direcionam) para um pátio interno, destinado ao banho de sol e convívio. Um mesmo complexo pode acolher diversos pavilhões com regimes diferenciados e independentes, dispostos paralelamente .

b)Edifícios organizados a partir de pavilhões dispostos paralelamente - compreendem, da mesma forma, um módulo externo, restrito à administração, e diversos módulos intra-muros destinados às atividades e permanência de presos. Estes módulos encontram-se articulados por um grande corredor central.

A redução das experiências formais do espaço prisional a estes dois tipos de organização indica um posicionamento preciso em relação à idéia de tratamento penal em todo o país, que parece pretender garantir a instauração de determinadas práticas e o agenciamento de conflitos pela instauração de esquemas racionais de organização e controle do espaço, subjacentes à classificação proposta por Agostini (2002) a seguir:

A. Isolamento e disciplina: A intenção de isolamento se associa à criação de um espaço que se pretende disciplinador, à medida que propicia uma dupla operação: o recorte ―do condenado em relação ao mundo exterior, a tudo o que motivou a infração, às cumplicidades que a facilitaram‖; e, por outro lado, a conformação de um espaço hermético, pretendendo operar exclusivamente através de seus mecanismos internos, passíveis de uma ordenação lógica (FOULCALT, 2004), a partir do qual é possível conformar um ambiente hierárquico preciso, caracterizado por um cotidiano de ―submissão‖ do preso ao sistema que lhe é imposto.

Concretamente, a premissa de isolamento do espaço prisional representa até hoje um importante fator de definição de qualquer proposta de elaboração dos estabelecimentos penais. Em nossa atual legislação, ela encontra-se garantida por estratégias como a localização prevista para estes edifícios fora do perímetro urbano, a

utilização de componentes arquitetônicos que conformam sua separação física em relação ao entorno, tais como muros, alambrados e afastamentos mínimos dos limites do terreno.

Concordamos com Foucalt(1999) quando fala que os parâmetros definidos pela Legislação que rege a construção de unidades penais definem

[...]O muro alto, não mais aquele que cerca e protege, não mais aquele que manifesta, por seu prestígio, o poder e a riqueza, mas o muro cuidadosamente trancado, intransponível num sentido e no outro, e fechado sobre o trabalho agora misterioso da punição, será bem perto e às vezes mesmo no meio das cidades do século XIX, a figura monótona, ao mesmo tempo material e simbólica, do poder de punir. (FOUCAULT, 1999b. p.96)

B.Vigilância e desindividualização do poder: Além de um importante recurso disciplinador - vigiar ininterruptamente para corrigir todas as ações indesejadas – a proposta de vigilância exaustiva sobre os presos pretende instituir no ambiente prisional um diagrama assimétrico de poder, na tentativa de separar quem controla e quem é controlado.

Aparentemente podemos identificar, numa visão preliminar, opressores e oprimidos, caracterizados pela equipe dirigente e pelo grupo dos internados, onde, teoricamente, os primeiros modelam e os segundos são objetos de procedimentos modeladores. Apesar de o binômio dominadores-dominados dar a impressão de que o poder seja uma instituição, estrutura ou certa potência que um grupo detém em prejuízo de outro, Goffman já revela, de certa forma, que poder é substancialmente relação e que são lugares que compõem a sua dinâmica.

C. A vigilância hierárquica: Organiza-se como um poder múltiplo, automático e anônimo (...) seu funcionamento é de uma rede de relações de alto a baixo, mas também até um certo ponto de baixo para cima e lateralmente; essa rede "sustenta" o conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se apóiam uns sobre os outros: fiscais perpetuamente fiscalizados (...) funciona como uma máquina (...) é o aparelho inteiro que produz "poder" e distribui os indivíduos nesse campo permanente e contínuo (Foucault, 1999, p.148).

A importância conferida à vigilância revela-se na definição dos ambientes e/ou componentes arquitetônicos passíveis de monitoramento, os quais se propõem a controlar, mas que são atravessados por negociações:

O exame de casos e a observação permanente que se exerce no sistema penal determinou a enumeração de um elenco de pontos sensíveis e, conseqüentemente, expostos à possibilidade de fugas, quais sejam: portões de acesso; controle de entrada e saída de veículos e pessoas; circulação dos presos; aberturas que possam conduzir a outras seções; abertura de emergência e poços para a ventilação; tampas de vistoria de tubulação para esgoto e águas pluviais; pátios para banho de sol e práticas esportivas; telhados e coberturas; lugares de concentração de presos, tais como : oficinas, salas de aula, salão para múltiplo uso, celas ou alojamentos, refeitórios, e etc.(AGOSTINI, 2002, s.n.)

Dito desta forma pode-se apreender que os componentes arquitetônicos são utilizados como artefatos de negociação das relações no espaço. Por exemplo, a ação de abrir uma porta implica numa negociação que considera as questões de ―quando‖, ―como‖, ―porque‖ e ―quem‖ abre uma porta. Nesse sentido, a ―porta‖ é um artefato mediador da relação entre ―dominador-dominado‖.

Refletindo entre as relações intra-institucionais, Goffman estabelece polaridades de poder e não-poder, nas quais, aparentemente, este seria privilégio de um grupo minoritário que infligiria a outro mais numeroso as conseqüências do abuso do poder; mas também apresenta um poder que se estende como uma rede de pontos, relações móveis, resistências, efeitos repressivos, coercitivos e, inclusive, produtivos. Estão explícitas as mais diversas estratégias anônimas de poder.

[...] Das práticas não-discursivas emergem concepções do objeto institucional e de quais são os meios e instrumentos utilizados para trabalhá-lo. Normalmente, essa teoria e técnica da prática (pois, "na prática, a teoria é outra") costumam estar em franca contradição e conflito com o discurso institucional oficial (BENNELI, 2004).

Goffman (1987) descreve minuciosamente as reações de (contra)controle que os dois grupos antagônicos exercem um sobre o outro: há modelagem e resistências;

vigilância permanente e recíproca; há lutas e conflitos nos planos macro e microfísicos. São mapeadas estratégias ostensivas de ataque e reações que se esboçam às vezes sutis, outras claramente defensivas ou sabotadoras, as quais chamaremos de ―subversão‖. Nesta descrição, percebe-se como o grupo dos internados se defende dos esforços modeladores através de diversas táticas adaptativas e utilizando-se dos próprios recursos institucionais para construir um mundo pessoal contrário aos objetivos oficiais do estabelecimento.

[...] As práticas não-discursivas, o não-dito institucional são considerados por Goffman, como claramente visíveis (e não oculto) e, portanto, dizível: ele os articula com grande sutileza. Faz os "detalhes" (Foucault, 1999b, p.120) mais pitorescos e aparentemente insignificantes do cotidiano institucional falarem, permitindo a percepção do plano microfísico das relações intra- institucionais superando a pura e simples dimensão organogramática (molar) e mergulhando nas diferentes estratégias nas quais o poder se ramifica, circula, domina e produz subjetividade (BENNELI, 2004).

6.1.1.1. Descrição e análise

A vigilância hierárquica é aqui associada ao atributo de desindividualização do poder (Foucalt, 2002), que tem seu princípio não tanto numa pessoa quanto numa certa distribuição espacial ritmada de corpos, superfícies, luzes, olhares, pautados pela busca do maior distanciamento físico possível entre presos e funcionários; fator igualmente definidor de um controle unilateral do espaço por parte de quem o controla.

Em certos casos, no entanto, a maior facilidade de vigilância se dá, necessariamente, pela proximidade que se pretende evitar. É nesse contexto que surge a figura de um mediador, cuja distância de ambos os grupos (presos e funcionários) permite que se constitua numa personificação de poder, como é o caso do ―representante de módulo‖.

A seqüência abaixo demonstra como os artefatos arquitetônicos são negociados e, como conseqüência desta negociação, nas mudanças de posições, as hierarquias de poder são alteradas.

Este indivíduo, apoiado pelos outros, determina as localizações, as reivindicações, negocia relações com o agente penitenciário, e parece personificar o grupo de indivíduos que representa.

Contexto da Atividade 1: Negociação entre agente e representante, para entrada no módulo

Descrição do setting:

Atores: Representante dos presos( ), Agente (X), Diretor de disciplina ( ), Pesquisadoras ( ) , Presos ( ) .

Evento: Momento em que o diretor se posiciona gestualmente, para entrar no módulo Local: Frente ao portão de acesso

Elementos arquitetônicos Portão de acesso Porta da cela Cela Circulação A B C D de negociação

Fluxos de atores no contexto Observador participante Agente penitenciário Representante Presos

Relações de poder no contexto Observador participante

Dominador Dominado

Dominado constante

LEGENDAS

Figura 24: foto de entrada no módulo, agente segurando o portão

Evento 1: O agente

penitenciário(x) coloca a mão no portão de entrada(A) do módulo e chama o representante do módulo(∆).

Evento 2: O representante percorre a circulação do módulo (D), encaminhando os presos(●) para suas celas(C) .

C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B Pesquisadora Agente Representante Pesquisadora Representante Agente

Figura 25:foto de entrada no módulo, presos se organizando.

Gráfico 2:Esquema da dinâmica dos atores envolvidos neste evento.

Evento 3: O representante (∆) fala alguma coisa aos presos (●) que estão no corredor (D). Evento 4: Os presos(●) se encaminham para as suas celas (C), regulados pelo representante (∆).

Evento 5: O representante (∆) verifica se todos estão na cela (C). C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B

Figura 26:foto de entrada no módulo, representante conduzindo presos

Gráfico 3:Esquema da dinâmica dos atores envolvidos neste evento.

Evento 6: Todos os presos (●) entram em suas respectivas celas(C) e fecham as portas (B), Evento 7: o representante (∆) circula verificando o

posicionamento de cada preso em sua cela (C) e se as portas (B) estão fechadas. C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B Presos Representante Presos Representante

Figura 27: foto de entrada no módulo, representante permitindo entrada

Gráfico 4:Esquema da dinâmica dos atores envolvidos neste evento.

Evento 8: Depois de todas as portas de celas(B) fechadas, o representante (∆) vem até o portão de entrada (A) do módulo e faz sinal pra o agente (x) entrar, transferindo o seu poder de controle para o mesmo.

C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B

Figura 28: foto de entrada no módulo, agente abrindo portão de acesso

Gráfico 5:Esquema da dinâmica dos atores envolvidos neste evento

Evento 9: O agente (x) abre o portão (A) e entra no módulo com a pesquisadora (□).

Evento 10: Ele se fixa na entrada do módulo, junto com o representante (∆).

Evento 11: enquanto a pesquisadora(□) percorre as celas (C) , uma a uma, entrando e entrevistando cada indivíduo.

C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B

Gráfico 6:Esquema da dinâmica dos atores envolvidos neste evento

Evento 12: Depois de entrar em todas as celas (C), entrevistando

Figura 29: foto de corredor do módulo com todos em suas celas

os presos, a pesquisadora se dirige à porta de saída do módulo (A), ao encontro do representante(∆) e do agente (x), enquanto os presos(3) vão abrindo as portas das celas (B) e saem delas para o corredor (D).

3 C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B

Figura 30: foto de saída do módulo

Gráfico 7:Esquema da dinâmica dos atores envolvidos neste

evento.

Evento 13: A pesquisadora (□) e o agente (x) saem do módulo e fecham o portão de acesso (A) ao módulo, enquanto o representante (∆) do módulo assume novamente sua posição de dominador. Os presos (●) saem todos das celas (C) e se distribuem na circulação do módulo (D), enquanto alguns se dirigem até o portão de acesso (A). C C C C C C C C C C C C C C C C C C D A B B B B B B B B B B B B B B B B B B

Se por um lado, este maior distanciamento físico pretende promover a hierarquização e a desindividualização do poder, por outro lado, o poder individualizado que parece necessário às relações interpessoais toma lugar, uma vez que, em virtude deste

distanciamento, são definidos grupos, representados por um individuo que media as relações, negocia os componentes arquitetônicos, dando lugar a hierarquias de controle.

Enquanto o portão de acesso ao módulo (A) está fechado, os presos estão todos circulando dentro do módulo, juntamente com o seu representante; assim que o representante vê o agente penitenciário segurando o portão, este assume o papel de dominante, encaminhando todos os demais presos até suas celas, verificando se todos estão em seus devidos lugares e fechando a porta (B) da cela em caso afirmativo. Quando o representante constata que todos estão em seus lugares (sinalizado pelas portas de celas fechadas), ele se dirige até o portão de acesso, posiciona-se ao lado do mesmo, aguardando que o agente entre no módulo.Só então o agente abre o portão de acesso, entra no módulo e se posiciona ao lado do representante, fazendo parecer que há uma transferência de poder, do representante para o agente.

A observadora entra no módulo, percorrendo o caminho regulado pela configuração linear do corredor, mas seu movimento define um zigue-zague em virtude da localização das aberturas das celas, conforme o gráfico 5. Em todas as portas de celas, o procedimento é: bater três vezes na parede (conforme foi orientado por um preso, em uma das entrevistas), aguarda os ocupantes da cela ordenarem a entrada, conversar com eles sobre a pesquisa, fazer a entrevista dos que permitem, sair da cela e se encaminhar à próxima.

A cada cela percorrida, observa-se que as portas permanecem abertas e, finda a visita em todas as celas, enquanto a pesquisadora retorna ao portão de acesso, todos os presos vão saindo de suas celas. O agente e a pesquisadora saem do módulo, fecham o portão, então o representante sai da posição em que estava (ao lado do portão de acesso), voltando a se misturar aos demais, explicando o que será feito com a pesquisa.

Podemos perceber, a partir da observação acima descrita, que a visão preliminar de opressores e oprimidos, caracterizados pela equipe dirigente e pelo grupo dos internados, apresenta o que Goffman já revelava, de certa forma, que poder é substancialmente relação e que são lugares que compõem a sua dinâmica.

Esta afirmação é reforçada pelo exemplo que se segue, onde parece haver uma flutuação de sentido no uso das palavras ‗território‘ e ‗espaço‘, que desliza pelos sentidos de espaço arquitetônico,físico e/ou simbólico:

Contexto da Atividade 2: Entrevista em cela Descrição do setting

Atores: Pesquisadora (PE), Preso 1 (P1), Preso 2 (P2), Preso 3 (P3), Preso 4 (P4), Agente Penitenciário (AP).

Evento:Entrevista sobre a ‗elite‘. Local: cela do módulo de visitas.

Legenda: Presos (P1, P2, P3, P)4 Entrevistadora (PE) Agente (AP)

Figura 31: setting de entrevista em cela.

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26.

E: Mas, além do módulo do trabalhador e especial, vocês percebem, não em nível de organização do espaço (arquitetônico) mesmo, mas vocês percebem, assim, tem as ―panelinhas‖, digamos assim?

P1: Sim!... Eu to entendendo!... P2: A elite ...

P1: A gente chama aqui, a elite...

P2: Elite, tem... Em todo canto tem... Toda cadeia tem... P1: Todo módulo tem suas ‗elitezinha(s)‘...

E: E o que é essa elite?

P2: Elite, assim... É como se fosse cachorro... Cachorro não vai lá e ‗mija‘ no poste pra marcar o território? A elite é mais ou menos assim... Cada um quer demarcar seu território... Medindo força... Medindo... (não completa a frase) P1: São muitas coisas...

P2: É... São várias coisas na cadeia... Então, as elites ‗divide(m)‟ isso aí... O território, o espaço, quem manda, quem não manda... Entende?... Quem obedece, quem faz as coisas ...

E: E como é que se delimita isso: quem manda e quem obedece?

P1: Eu acho que são os que vão ficando mais velhos ... Os que vão ficando mais velhos na cadeia sempre têm uma moralzinha a mais de que aqueles mais ‗novo(s)‘... quer dizer: chega um mais novo hoje, eu já ‗(es)to(u)‘ com dois anos na cadeia. Aquele chegou hoje... Eu já vou conversar com ele, porque eu já sei como é o sistema todinho, eu vou conversar com ele... Vou passar pra ele... Aí, já ‗(es)to(u)‘ orientando ele... Aí ele já é o quê?... Quase um subordinado meu, que vai me obedecer...

P2: E às vezes é pelo crime da pessoa , quando a pessoa é uma pessoa muito sanguinária lá fora, e tal, que é muito respeitada no mundo da bandidagem... Aí,

P1 P2 AP P3 P4 PE

27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37.

quando vem pra a cadeia, aí tem seu espaço garantido, né?... É fulano, é conhecido e tal, aí...

P1: É matador, é isso, aí...

P2: Bom... Tem uma elite ali, aí... Pra assessorar ele ...

E: Aí, se organizam assim. Aí os outros ficam com medo dessa elite, então? É isso?

P2: É... Na maioria das vezes, o ‗cabeça‘ mesmo não se envolve em nada... É... Não se envolve em nada... O que faz mesmo é o ‗robozinho‘... Chamado robozinho ... Hehe...

P1: é... Robozinho... É laranja...

P2: É ele quem faz as coisas... Quem permanece no convívio, quem sai...

No caso citado, o espaço (do ―chefe‖) parece ter sido definido, por ser mais seguro, fora do alcance dos outros presos) pelo posicionamento do indivíduo, enquanto ex- diretor do presídio.

Este exemplo apresenta uma das estratégias de construção da hierarquia de poder – podendo nos levar à compreensão de como os grupos de dominadores-dominados, numa distribuição de poder horizontal, se apropriam do espaço – que não parece ser considerado o espaço arquitetônico - e, logo abaixo, como as territorialidades – no sentido arquitetônico – parecem se configurar a partir do próprio posicionamento do indivíduo, regulado pela configuração espacial do ambiente no qual o mesmo está inserido. Daqui, podemos encontrar pistas de que este posicionamento pode ser também constituinte do sujeito (Figura 31).

O agente penitenciário (AP) se posiciona na porta da cela, de maneira a impedir a entrada de outros presos neste espaço ou a saída de quem está dentro da cela, enquanto observa o setting. Da forma como o cenário está estruturado, pode-se perceber que a disposição espacial (a localização da porta, a parede de delimitação do banheiro, as camas postas lado a lado) parecem conformar o posicionamento dos indivíduos na configuração contextual apresentada.

A pesquisadora se posiciona entre o Agente Penitenciário e os presos, na tentativa de minimizar o constrangimentos dos presos em falar, na presença de um agente penitenciário, utilizando-se também da parede do banheiro para diminuir a visualização do agente penitenciário.

O preso 1 e o preso 2 falavam, enquanto os outros dois presos permaneciam sentados na cama, mais distantes da interação, numa posição que poderia ser interpretada

como relutante. O preso 2 é o representante do módulo, e, portanto, tenta tomar para si a atenção da entrevistadora, enquanto que o preso 1, um ex-agente penitenciário, fornece mais informações que o preso 2.

Podemos depreender quem detém maior poder, não só na transcrição dos diálogos, mas também na descrição do setting, onde se posicionam geograficamente aqueles que detém, de algum modo, o poder, em relação aos outros.

‗No caso da prisão não haveria sentido em limitarmo-nos aos discursos

formulados sobre a prisão. Há igualmente aqueles que vêm da prisão: as decisões, os regulamentos que são elementos constituintes da prisão, o funcionamento mesmo da prisão, que possui suas estratégias, seus discursos não formulados, suas astúcias que finalmente não são de ninguém, mas que são, no entanto vividas, assegurando o funcionamento e a permanência da instituição”(FOULCALT, 2004).

Consideramos a subjetividade como uma produção social e, portanto, coletiva. No contexto institucional, ela pode ser produzida na intersecção das práticas discursivas (imaginárias e simbólicas) e das práticas não-discursivas. Podemos dizer que o discurso subjetiva tanto quanto as práticas. Geralmente, o discurso oficial se apresenta lacunar (ideológico) e as práticas trazem embutidas, nas suas próprias condições de possibilidade, um outro discurso que, apesar de não dito, é perfeitamente visível e extremamente efetivo quanto à produção de subjetividade.

As práticas sociais não-discursivas podem ser detectadas nos detalhes do cotidiano do funcionamento institucional: são aqueles aspectos realmente concretos do modo como se fazem as diversas atividades, incluem o aspecto arquitetônico, o organograma formal e informal e o mobiliário. Estudando o modo concreto através do qual se executam as tarefas, podemos deduzir toda uma teoria e uma técnica relativas ao objeto institucional: as práticas embutem conceitos, definições, procedimentos e instrumentos para manuseio do objeto. Trata-se de fatos observáveis, visíveis, que não estão necessariamente ocultos. Eles tendem a não ser percebidos por seu caráter demasiado óbvio e por serem recobertos pelo discurso lacunar, que costuma mascará-los.

Este contexto pôde ser observado na pesquisa de campo, porém não foi permitida a gravação dos diálogos, nem a captura de imagens, por parte dos indivíduos da elite. Assim, a descrição a seguir reforça o que está dito acima:

O esquema abaixo apresentado (figura 32) tem o objetivo de setorizar as localizações dos indivíduos detentores do poder, dentro de um módulo. Em todos os módulos que apresentaram esta tipologia arquitetônica, sempre fomos recebidos pelo representante dos presos do módulo no ambiente representado 2, aqui denominado recepção de visitas, mas que se constitui no ambiente-refeitório, por onde entrávamos nos