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3. DAS PREMISSAS TEÓRICAS SOBRE PSICOLOGIA

3.1. O sujeito que (se) constrói

Neste capítulo, trataremos desses sujeitos que se encontram no apelo ao outro, que se lançam em direção a esse outro e que têm, nos componentes arquitetônicos e no espaço habitado, a ponte necessária para fazer viver os diálogos que o constituem, enquanto componentes de mediação para as relações entre sujeitos.

Entende-se aqui premissa como uma proposição que serve de base à conclusão do trabalho, sem apresentar o objetivo pretensioso de proceder a uma revisão bibliográfica que trate das premissas teóricas sobre toda a teoria de psicologia.

Preocupada com a compreensão dos processos, um dos desafios para a psicologia sócio-histórica é explicar como o uso de instrumentos de qualquer atividade influencia as funções psicológicas. Esta compreensão é importante para a nossa pesquisa, uma vez que, na relação do indivíduo com espaço arquitetônico, bem como nas suas relações com o outro no espaço arquitetônico, esta dinâmica também toma lugar.

Tal afirmação se baseia na reflexão de Valsiner (2004), sobre a relação entre o sujeito e o espaço rua, onde fala que

[...] Pela multiplicidade da direção cultural da vida humana, o ambiente urbano garante ao habitante a natureza episódica da regulação social em sua conduta. Os agentes de cada regulação variam de um cenário a outro, seus objetivos podem variar de um tempo a outro, provendo a pessoa com a ‗liberdade‘ para migração entre os lugares. Cada migração requer espaços de passagem que são de vários tipos funcionais (indiretos, diretos, centrais – BENDLE, 1993, p.214). (...) A estrutura funcional espacial e temporal da cidade – incluindo a rua – encaixa o reino geral da teoria de indeterminação limitada (VALSINER, 1987) e constitui a arena cultural para direcionar as correntes do subconsciente, consciente e hiper-consciente (VALSINER, 2001; 2003) relacionando a pessoa com o mundo social (op. Cit.,tradução nossa).

Segundo Valsiner (op. Cit.), o espaço rua se constitui num ambiente de transição para outros espaços, os quais direcionam o indivíduo a um posicionamento

enquanto sujeito, através do uso de artefatos, negociações dialógicas do self pessoal com a ordem pública social, podendo levar à emergência de novos posicionamentos, num processo de constante construção da subjetividade.

Buscando entender o desenvolvimento do sujeito através da linguagem, Vygotsky (1998) cria um novo conceito chamado signo. Os signos são introduzidos na psiquê do homem pela convivência social. Eles são a linguagem, as formas numéricas, os cálculos, a arte, a escrita, os mapas, os gráficos, etc.

A utilização de signos e sinais, para Vygotsky (1998a), é uma característica específica do homem, eles são os instrumentos psicológicos do homem.

O gesto de uma criança é pensado na tentativa de pegar um objeto. Aquele gesto apontado para um objeto provoca uma reação no outro, sem que a criança compreenda o significado daquele gesto. Posteriormente ela passa a significar aquele gesto. Não é ao acaso que o conceito fundamental da teoria Vygotskyana seja o de mediação, sendo pressuposto da subjetividade na relação Eu-Outro. Ela é a própria relação. Não é uma relação de estimulo e resposta, mas de um estímulo – elo mediador – resposta.

Assim, as relações entre sujeito e objeto são permeadas pela mediação. A mediação torna esta relação mais complexa e também provida de significado. A relação do homem com o mundo real é auxiliada pelos elos mediadores que, para Vygotsky, são compostos pelos instrumentos e signos.

“O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. [...] é, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo” (OLIVEIRA, 1993, p29).

O instrumento é então o que media essa relação do homem com o mundo do trabalho. Utilizar uma enxada para capinar ao invés das mãos é um exemplo de mediação. Um instrumento que tem uma finalidade, um objetivo, porém ele é externo ao indivíduo, visando provocar mudanças nos objetos.

Os signos são orientados pelo próprio sujeito, internamente, como instrumentos que auxiliam os processos psicológicos. Utilizar um mapa para chegar a um determinado local, é um exemplo de signos usados como instrumentos que auxiliam no desempenho de

atividades psicológicas, assim como uma planta baixa pode ser considerada como instrumento que auxilia na prescrição de atividades de uso do espaço a ser construído.

Assim, nos utilizamos da expressão semiótica para compreender o processo de significação. Vygotsky afirma que toda palavra tem significado e sobre o que é o significado da palavra, e concluiu que o significado não é nem igual à palavra e nem ao pensamento, e que para descobrir o significado é preciso, na linguagem, entender que a palavra não é simplesmente o substituto do objeto a que ela se refere.

O signo é fruto da relação entre as partes que o compõem, o objeto a que se refere e o significado a ele atribuído. Para Vygotsky, o meio social é importante, considerando-se que a vida humana está impregnada de significações. É através da relação com o outro, que o ser humano interioriza as formas culturalmente estabelecidas. E a atuação do ser humano na vida social é sempre algo dinâmico, onde o sujeito está em posição ativa, em constante construção.

A partir daí buscou-se compreender o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico e o papel da linguagem e da aprendizagem neste desenvolvimento, chamando a atenção para o fato de que o espaço habitado está atrelado a toda esta elaboração.

Na troca com outros sujeitos e consigo próprio vão se internalizando os conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimento e da própria consciência. O indivíduo se constitui nas ações sobre a realidade e nas relações sociais, num movimento dialético. Deste pressuposto, redefine-se a psicologia a partir da redefinição da questão da subjetividade, passando o sujeito a ter papel fundamental, mas não visto senão em relação com outros sujeitos e com a realidade.

Assumimos, desde agora, que pensar a subjetividade em uma pesquisa de base histórico-social requer, de nossa parte, um posicionamento sobre esse sujeito como sendo algo que advém de um quadro muito mais amplo, histórico, social e cultural, e portanto em construção contínua. Dessa forma, trata-se de um sujeito cujo contexto histórico-social compartilhado está repleto de múltiplas vozes, no sentido bakhtiniano, e que se deixam ouvir nas ferramentas culturais e todas as formas de manifestação humana; um sujeito

que é antes de tudo marcado por sua própria condição interacional com outros (PERES, 2007).

No dialogismo bakhtiniano, a existência humana surge como diálogo porque é sempre partilhada e sempre endereçada a um Outro – num plano interpessoal ou intrapessoal. Segundo propões Bakhtin, o pronome ‗Eu‘ destaca um ponto no espaço ―aqui‖ e no tempo ―agora‖ distinto e diferente de um ―outro‖ (ali e antes/depois) que é evocado nessa distinção, e que surge por contraste, simultaneamente, empurrando-nos ao diálogo (HOLQUIST, 1990). Deste modo, Bakhtin (1993) afirma não termos álibi para a existência – e isto implica em não podermos escolher não estar em diálogo, pois o mundo propõe-nos o tempo todo um posicionamento e nós temos que lhe responder.

A noção de sujeito dessa filosofia, implícita, porém, em todos os trabalhos do círculo, é compatível com aquela que interpretamos em Vygotsky. O sujeito bakhtiniano nunca é visto sozinho ou completo, só existe dialogicamente em relação a todos e a tudo que não é eu (tudo o que é outro . outro social ou outro eu) (PERES, 2007).

De uma forma mais simples, relação e diálogo são coexistentes e simultâneas. A incompletude é característica do sujeito em cada pólo (eu-outro); a idéia de um sujeito origem e fonte do sentido é questionada, porque outras vozes lhe constituem, marcando sua subjetividade (Brandão, 1998), logo, o espaço discursivo é compartilhado com o outro e constituem-se, nesse espaço, tanto os sujeitos quanto o sentido; a heterogeneidade é constituinte e o sujeito bakhtiniano é essencialmente um intersujeito.

O sujeito é, assim, constituído por uma intersubjetividade mediada, no sentido de que muitas vezes os diálogos estão disseminados não apenas entre indivíduos concretos ou pressupostos, mas também em coisas - como vozes encapsuladas em espaços arquitetônicos onde ele está inserido, por exemplo. Além do encontro entre sujeitos, no espaço, há o encontro com coisas - permeadas de vozes sociais subjacentes - que, ao nos constituírem, permitem-nos uma auto-regulação para o trânsito em diferentes práticas e

entre diferentes práticas sociais.

É a partir dessa perspectiva que amparamos a noção de um sujeito constituído nas práticas sociais concretas, por elas condicionado, mas também capaz de fazer escolhas, dentro das possibilidades permitidas pela objetividade, capaz de intervir na realidade de

maneira mais adequada e eficaz à medida que for maior o conhecimento que essa subjetividade tiver da objetividade posta, ou seja, a experiência vivida.

A concretude das práticas sociais não é, necessariamente, relacionada à existência física, embora aqui neste trabalho o recorte se dê na concretude espacial. Assim, o que chamamos de objetividade posta implica, necessariamente, no pré-estabelecimento das atividades a serem desenvolvidas nos espaços que as pressupõem, através, por exemplo, das próprias nomenclaturas destes espaços.

Com essas considerações queremos esclarecer o nosso entendimento de que nem entendemos o sujeito como senhor absoluto do seu ―mover-se no mundo‖ pois a concretude da realidade lhe impõe limites, nem submetido passivamente à realidade, pois ela também lhe apresenta possibilidades. E esses limites e possibilidades são também, e ao mesmo tempo, produzidos pelos homens, uma vez que as relações sociais por onde o sujeito se move estão intimamente ligadas às forças produtivas (de ações e de sentidos). Defendemos, pois, um sujeito que reage, faz escolhas e cria novas possibilidades de individuação na rede de relações, num processo infinito de objetivações historicamente constituídas.