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Presunção de Inocência ou Não-Culpabilidade

No documento A influência da mídia no processo penal (páginas 35-39)

3.1 O PROCESSO PENAL

3.1.2 Presunção de Inocência ou Não-Culpabilidade

A presunção de inocência, como princípio e direito fundamental, encontra-se prevista em nosso ordenamento jurídico no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal em vigor, que assim dispõe82:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Segundo Guilherme de Souza Nucci83, o enunciado deste princípio decorre da

idéia de que toda pessoa nasce inocente, devendo assim permanecer até que o Estado-Juiz, por meio do devido processo legal, consiga comprovar sua culpabilidade.

Por este motivo, Eugêncio Pacelli de Oliveira84 entende errônea a afirmação de

que a inocência seja presumida em virtude deste princípio, uma vez que, sendo esta nata ao ser humano desde o seu nascedouro, deve compor o estado natural do homem e não uma mera presunção.

Consoante ao que foi dito alhures, a garantia em comento, por decorrer da própria essência humana, é indisponível e irrenunciável e merece respeito absoluto por todos os indivíduos.

O princípio em análise possui, no mínimo, duas funções distintas: a inversão do ônus probatório que a partir da persecução criminal passa a incumbir exclusivamente à face acusatória do ente estatal85 e a garantia de que o indivíduo não poderá, sob nenhuma hipótese,

82 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal da República Federativa do Brasil de1988. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 03 set. 2011.

83 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2010. p.239

84 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.32 85 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008. p.75

sofrer quaisquer restrições de caráter pessoal fundadas exclusivamente na expectativa de sua culpabilidade86.

Em virtude do seu caráter dúplice, decorrem do princípio em análise inúmeros outros enunciados norteadores do processo penal, mormente a desnecessidade do acusado produzir prova contra si mesmo (direito constitucional ao silêncio)87 e o benefício da dúvida

(in dubio pro reo)88.

De acordo com Paulo Rangel89, a presunção de inocência surgiu na Europa em

meados de 1789, quando foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que assim dispunha em seu artigo 9º90:

Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei.

Em nosso país, especificamente, o referido princípio surge em meados de 1948, quando o Brasil adere à Declaração Universal dos Direitos do Homem, que assim dispõe em seu artigo XI, “1”91:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Em que pese ser atualmente indubitável a existência do referido princípio em nosso ordenamento jurídico, o tema em análise permanece controvertido no tocante ao seu conteúdo, dividindo a doutrina e as cortes judiciais de nosso país92. A controvérsia tem

origem, sobretudo, em virtude da divergência textual existente entre os artigos acima colacionados.

86 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 31 87 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2010. p. 240

88 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.23

89 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.23

90 ASSEMBLÉIA NACIONAL FRANCESA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-

humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em: 10 out. 2011.

91 ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal Dos Direitos Humanos, de 10 de

dezembro de 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>

Acesso em: 03 set. 2011.

92 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Org.). Código de Processo Penal e sua Interpretação

Pela simples leitura sobre cada um deles é possível perceber que os tratados internacionais anteriormente comentados são claros ao dispor que o indivíduo é considerado “presumidamente inocente”, ao passo que a Constituição Republicana de 1988 determina que o indivíduo seja considerado “presumidamente não-culpado enquanto inexistir trânsito em julgado da ação penal condenatória”.

Muito embora pareça, sob uma primeira análise, tratar-se de mera discrepância terminológica, a nomenclatura atribuída ao princípio em estudo interfere diretamente em seu conteúdo, cujo alcance faz toda diferença no campo processual penal. Por isso, no Brasil vigoram duas correntes distintas: uma que entende pela vigência no Brasil da presunção de inocência e outra que defende a vigência da simples presunção de não-culpabilidade.

Segundo Julio Fabbrini Mirabete93, jurista adepto da segunda corrente

apresentada, o texto constitucional vigente traz ao nosso ordenamento jurídico uma mera presunção de não-culpabilidade, uma vez que considerar alguém presumidamente inocente importa necessariamente em afastar da sua pessoa qualquer medida coercitiva, incluindo-se aqui as prisões e o próprio processo penal.

Em idêntico sentido, segue a lição de André Luís Callegaro Nunes Gomes, que entendendo o enunciado da presunção de inocência da mesma forma que o autor supracitado afirma que94:

O sentido da declaração de não-culpabilidade é justamente permitir a operabilidade dos mecanismos processuais de persecução e de cautela (medidas cautelares), visando obter a segurança jurídica necessária para romper o estado de não- culpabilidade do acusado.

Em que pese o posicionamento divergente apresentado neste trabalho, adere-se a corrente que entende pela vigência da presunção de inocência, sobretudo, por duas fortes razões. Em primeiro lugar, o conceito de inocência é muito mais amplo do que a simplória não-culpabilidade, sendo, portanto, muito mais benéfico ao réu. Em segundo lugar, pelo fato do Brasil ter aderido, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, por meio do Decreto nº. 678, de 06 de novembro de 199295, à Convenção Americana Sobre Direitos 93 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 23

94 GOMES, André Luís Callegaro Nunes. Presunção de inocência ou de não-culpabilidade. Não ser

considerado culpado é o mesmo que ser presumido inocente?. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1791, 27

maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11310>. Acesso em: 9 out. 2011. 95 BRASIL. Decreto nº. 678, de 6 de Novembro de 1992. Disponível em:

Fundamentais Humanos, vulgarmente denominada Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe na primeira parte do seu artigo 8º, “2”96que “toda pessoa acusada de delito tem direito

a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Muito embora a Constituição Federal vigente determine em seu art. 5º, § 3º que para possuírem força de emenda constitucional os tratados internacionais necessitam de aprovação do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal tem entendido97 que o

referido texto legal possui validade no nosso ordenamento jurídico com base no artigo 5º, §2º do Diploma Constitucional de 1988, que assim dispõe98:

Art. 5º, § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Logo, por ser mais benéfico aos integrantes do pólo passivo do processo penal, por conclusão lógica, há de ser aplicado no Brasil o enunciado previsto no dispositivo da convenção supramencionada.

O princípio em análise sofre duras críticas não só dos estudiosos do Direito como também da sociedade em geral, cujo senso comum estabeleceu a idéia de que a inocência presumida e todos os efeitos que dela derivam acarretam numa sensação de impunidade generalizada.

Contrariando essa forte corrente de pensamento e adotando um ponto de vista garantista, filia-se neste trabalho a idéia do mestre Luigi Ferrajoli99, segundo o qual é melhor

pagar o alto preço de deixar um culpado impune do que por em risco a liberdade daquele que verdadeiramente é inocente.

Feitas as considerações pertinentes ao princípio da presunção de inocência, passa- se à análise do problema apresentado nesta pesquisa, qual seja o conflito dos importantes

96 SAN JOSE DA COSTA RICA. Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, de 22 de Novembro

de 1969. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/conv_americana_dir_humanos.htm>.

Acesso em: 10 out. 2011.

97BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº. 94013. Relator : Min. Carlos Ayres Britto. Brasília, 10 de fevereiro de 2009. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+94013 %2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+94013%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 10 out. 2011.

98 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal da República Federativa do Brasil de1988. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 out. 2011.

99 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2006. p. 506

princípios aqui abordados como conseqüência direta da influência exercida pelos instrumentos de comunicação na prática forense brasileira.

No documento A influência da mídia no processo penal (páginas 35-39)

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