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Primeira coleta: a atividade produzida no 3º ano

1.2 As propostas de escrita

1.2.1. Primeira coleta: a atividade produzida no 3º ano

Na ocasião da primeira coleta, as professoras das turmas disponibilizaram aproximadamente uma hora e meia de suas aulas para que a pesquisadora desenvolvesse as atividades juntamente às turmas. As docentes permaneceram nas salas de aula, ocupando-se de outras atividades e a proposta foi encaminhada exclusivamente pela pesquisadora.

Conforme indicação do grupo de docentes, essa atividade de produção de texto deveria pertencer ao gênero carta de reclamação. Relacionados ao domínio da discussão de problemas sociais, os gêneros de tipologia argumentativa visam a operacionalizar os aprendizes a sustentar e a refutar pontos de vista, bem como negociar suas tomadas de decisão (DOLZ; SCHENEUWLY, 1996/ 2010). Para Barros (2012), ao escrever uma carta de reclamação, o aluno tem a oportunidade de assumir o papel discursivo de cidadão, além de aprender as operações linguageiras necessárias para tal.

A proposta de escrita9 intitulada “Nosso bairro” foi dividida em duas partes. A primeira consistia em uma foto da praça localizada ao lado da escola e a proposição de algumas questões a respeito da percepção que os alunos tinham acerca do bairro. Em todas as turmas, a discussão foi encaminhada a partir da identificação da imagem (a Praça Mãe Preta, ao lado da escola) e de um levantamento dos problemas e dos pontos positivos do bairro Vila Curuçá, onde a escola se localiza.

A segunda parte da atividade consistia na listagem de propostas eleitorais do então prefeito de São Paulo, que terminava seu primeiro ano de mandato, seguida de questões a respeito da relação entre as melhorias propostas em campanha e a situação atual do bairro. Por fim, foi apresentada a proposta de escrita: Escreva, no espaço abaixo, um e-mail para o prefeito Fernando Haddad, relatando os principais problemas do seu bairro. Explique por que eles prejudicam a população e peça melhorias.

A partir das promessas de eleição, os alunos de todas as turmas participaram da discussão com entusiasmo. Foram feitas diversas críticas, sobretudo, em relação ao transporte público, ao atendimento hospitalar, à violência urbana e à estrutura do bairro. Em todas as turmas houve menção a uma ponte de madeira, que passava sobre um rio próximo à escola e que, segundo os alunos, não tinha proteção alguma que lhes assegurasse a travessia.

Por fim, a pesquisadora explicou a proposta, a saber, um e-mail direcionado ao prefeito Fernando Haddad, elencando os problemas do bairro e solicitando melhorias. Antes da escrita foram dadas instruções formais, como, por exemplo, o posicionamento do vocativo e da assinatura. Não ficou estabelecida uma extensão mínima, ou máxima, para as produções. Algumas crianças alegaram não saber escrever e, por isso, produziram um desenho no espaço destinado à escrita.

No total, foram coletadas 72 produções. Não solicitamos que os alunos ausentes realizassem a atividade em casa ou em outro momento. Esse procedimento foi mantido durante todo o período da pesquisa.

Apenas um dos participantes entregou a atividade em branco. Em 5 produções, apresentaram-se, prioritariamente, desenhos, acompanhados ou não de frases curtas ou cópia de palavras que estavam na lousa, conforme exemplificado no quadro a seguir:

Quadro 4 –Texto produzido por C. R. (3º ano) em dezembro de 2013.

A produção de C.R. apresenta, na primeira linha, o enunciado “Assassinatos é Vila Curuçá”, grafado em letra bastão. Na linha seguinte, foi escrita a palavra “Atenciosamente” seguida de vírgula, provavelmente copiada do quadro. Na parte inferior, há um desenho que, a julgar pela frase escrita na última linha da página, em transcrição diplomática: “Rio é poluído”, representa um rio sem canalização.

Em 4 manuscritos, os participantes não demonstraram conhecimento do sistema alfabético de escrita. Nesses textos, não foi possível reconhecer as palavras grafadas, com exceção daquelas copiadas do quadro. Apresentamos um exemplar a seguir:

Quadro 5 – Texto produzido por J.V (3º ano) em dezembro de 2013

Fonte: manuscrito da pesquisa, coletado pela pesquisadora.

Identifica-se, na primeira linha, a indicação de local e data, provavelmente copiada do quadro. A partir da segunda linha, há uma série de letras, sem segmentação, as quais não foi possível atribuir significado. Na última linha da produção, há o nome do participante, o qual foi apagado para preservar sua identidade.

As outras 62 produções apresentam, predominantemente, texto escrito em prosa, combinado, ou não, com ilustrações. Em média, foram compostas (não exclusivamente, tampouco, necessariamente nessa ordem) por: uma apresentação de seu autor, a descrição de problemas do bairro ou da comunidade e, finalmente, a solicitação de mudanças. Reproduzimos, na sequência, um texto representativo das produções coletadas em resposta a essa tarefa:

Quadro 6 – Texto produzido por I.S. (3º ano) em dezembro de 2013.

1. SÃO PAULO, 4 DE DEZEMBRO DE 2013. 18

2. EXCELENTÍSSIMO SENHOR PREFEITO FERNANDO

3. HADDAD,

4. --- | | ----

5. MEU NOMR É I... MINHA IDADE É 9 ANOS.

6. PREFEITO EU MORO NO JARDIM ROBRU E TA TENO MUITA VIO-

7. LENCIA E TA VENDENDO MUITA MACOIA E DROGA E TAMBÉM TA 8. MATANDO MUITO LADÃO E POLICIA

POR CAUSA DA DROGA E

9. DA MACOIA E TABÉM TEM MUITO MACONHEIRO QUE

10. PEGA CRIANÇAS E ADOLECENTE E TABEM TEM

11. ATE LADÃO QUE MATA POLICIA E POLICIA QUE MATA

12. LADÃO E MAIS EU GOSTO TABÉM DE MORA

13. AQUI PORQUE TEM ESCOLA PLUBLICA E TABÉM

14. POR QUE TENHO AMIGOS PARA BRINCAR E CADE-

15. MIA PARA FAZER E FORÇA O MUCULOS

16. Atenciosamente,

17. I.S.

Fonte: manuscrito da pesquisa, coletado e transcrito pela pesquisadora.

Escrito majoritariamente em letra bastão, e sem divisão em parágrafos, o texto de I.S. é um exemplar do modo como os participantes responderam à escrita de uma carta de reclamação. A produção inicia-se com a indicação de local e data, e vocativo (linhas 1 a 3) no qual se utiliza a forma de tratamento “Excelentíssimo Senhor” ao dirigir-se ao prefeito da cidade.

Após apresentar-se, informar sua idade e o bairro onde vive (linhas 5 e 6), I.S. discorre a respeito de questões que julga serem problemas de seu bairro: a violência, o uso de drogas e os confrontos entre policiais e bandidos (linhas 6 a 12). Na sequência, após a conjunção adversativa “mas”, a menina afirma que gosta de morar naquela região (linhas 12 e 13), porque

há uma escola pública, amigos e uma academia de ginástica (linhas 13 a 15). O texto é encerrado com a forma de cortesia “atenciosamente” e sua assinatura.